A face da Maçonaria na cidade das acácias…
Com a monarquia a claudicar e visivelmente arcaica, incapaz de suster o número crescente de apoiantes do movimento republicano e de membros da maçonaria, implicitamente ligados na contestação ao regime, entendia a corte deporta-los para as suas colónias e a Moçambique chegavam ainda no século XIX, gente que rapidamente se organizou contando com o apoio incondicional das muitas lojas maçónicas instaladas na África do Sul. A propósito, Lourenço Marques, acabou por ser uma cidade sortuda com a chegada em 1887, de uma missão de engenheiros para projetarem a régua e esquadro o traçado da cidade e em concreto muitos desses técnicos eram irmãos “maçons” visionários quanto ao progresso daquela terra.
Iniciou-se então a construção do caminho-de-ferro para o Transval, o edifício do Banco Nacional Ultramarino e mesmo no virar do século foi criada a Sociedade Recreativa Primeiro de Janeiro, que logo a seguir deu lugar à Sociedade de Instrução e Beneficência Primeiro de Janeiro, registo de uma das primeiras lojas maçónicas, e a loja Cruzeiro do Sul A 1913, viria a ser fundada na cidade a “União Africana” sob os auspícios da Grande Loja Unida de Portugal. No entanto, foi somente em 1921, que a Grande Loja de Portugal estabeleceu a sua jurisdição sobre as lojas maçónicas em Moçambique, incluindo a sua capital.
De 1920 até 1930, Lourenço Marques contou com outras lojas sendo a “Lusitânia”, a “Fraternidade”, a “Amizade” e a “Independência”. A área da educação era praticamente inexistente e por ação do Capítulo Primeiro de Janeiro, foi instituído o primeiro estabelecimento escolar, com ensino até à 4ª classe e já com professores formados. Deu ainda instrução a futuros docentes, e tinha a particularidade de promover o ensino noturno.
Dada a sua matriz maçónica, ali era lecionado o esperanto a língua dos pedreiros livres. Após a implantação do Estado Novo, o grande complexo escolar passou-se a chamar Escola Primária Comandante Correia da Silva, sita no cruzamento da Av. Augusto Castilho com a Av. Andrade de Corvo.
Na zona da Polana, num edifício construído e assente na traça manuelina, chegou a ser dada como certa a criação de mais uma escola, porém aquele belo espaço viria a acolher o Museu Álvaro de Castro, um dos mais bens concebidos no continente africano referente à vida animal.
As irmandades maçónicas continuavam a apostar na educação, e no cruzamento da Av. Pinheiro Chagas com a Av. Princesa Patrícia até aos limites da Av. Afonso de Albuquerque, em 1919 começava a ganhar visibilidade um alargado complexo com traços de génese maçónica, dotada com 2 pisos e área para a prática desportiva, designado com o nome de Instituto de Portugal. Tinha a vertente de internato para alunos de ambos os sexos, e excelente qualidade de ensino. Aquando do golpe militar em 1926 na Metrópole, a Irmandade terá negociado com o Governo-Geral da Província, a doação das instalações para a criação da chamada Mansão dos Velhos Colonos, inserida nos Estatutos da Associação dos Velhos Colonos de Moçambique. O seu desígnio e inserido num programa social, tinha a ver com a proteção do bem-estar e saúde a todos os velhos colonos que não tivessem recursos financeiros ou acolhimento por parte dos seus familiares.
Em 1938, o edifício entrou em obras de ampliação passando a contar com mais 2 pisos, e em 1946 duplicou a sua capacidade.
Entretanto, pesem várias pesquisas sobre a localização da primeira loja maçónica da cidade, carecem de veracidade algumas notícias que apontavam no sentido do lugar de culto ter funcionado na Av. 5 de Outubro, já próximo da zona central pelo facto de terem surgido em escavações, pedras de suporte e aros trabalhados que poderiam indiciar construção de matriz maçónica. De concreto, só mesmo a monumentalidade do Palácio Maçónico, o maior de todo o espaço português localizado no cruzamento da Av. 24 de Julho, com a antiga Av. Aguiar, depois Av. Augusto Castilho.
A sua construção terá começado na década 20 do século passado O projeto arquitetónico poderá ter sido desenvolvido pelo arquiteto português José Ferreira da Costa que criou uma estrutura imponente, muito vista na arquitetura maçónica europeia. Apresentava um estilo arquitetónico eclético, com influências neoclássicas, art déco e mouriscas.
A sua fascinante fachada era servida por uma grande escadaria que conduzia a um pórtico constituído por 4 colunas jônicas que sustentam o frontão triangular. As suas portas davam acesso ao Salão de Rituais, da Irmandade. Foi inaugurado ao que se pensa em 1926, constituindo a afirmação do poder económico do movimento maçónico. Após o Golpe de Estado que ditou o fim da República, o Palácio Maçónico foi requalificado para Escola Técnica Sá da Bandeira, e depois de obras de ampliação deu lugar à Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, que eu vim mais à frente a frequentar.
Se no capítulo da educação assumiu um protagonismo relevante, o movimento maçônico deixou uma marca definitiva, quando a Câmara Municipal de Lourenço Marques, dominada por muitos anos por “maçons” e para que dúvidas não houvessem, mandaram arborizar passeios, jardins, praças e largos com vistosas acácias.
Uma forma distinta de respeitar simbolicamente a mesma acácia doirada da mimosa do Oriente. A acácia, planta símbolo da Maçonaria representa a segurança, a clareza e também a inocência ou pureza. Considerada na antiguidade, entre os hebreus, como a árvore sagrada e daí a sua conservação ao longo dos tempos como símbolo maçónico.
Com a entrada do Estado Novo, Oliveira Salazar, perseguiu a maçonaria ou outras sociedades secretas, destruindo o direito dos “maçons” a uma opção filosófica de vida. Com o círculo mais apertado, os irmãos “maçons” optaram pela clandestinidade, sendo que em Lourenço Marques, muitas reuniões eram feitas nas próprias residências de forma alternada. Não cabe mal citar então a importância das lojas maçónicas em Moçambique, muito especialmente na sua capital, integrando homens respeitáveis e de grande carácter, descortináveis na sociedade civil e militar, assim como alguns empresários que entre os últimos anos do século XIX e as quatro décadas do século XX, deram o melhor de si em prol de uma terra promissora que cresceu ordenadamente, hospitaleira pela forma como foi acolhendo desde aristocratas até aventureiros das sete partidas, e das mais diversas proveniências que ali procuravam um futuro melhor.
Assim era Lourenço Marques, a cidade das acácias fossem elas amarelas ou vermelhas.
- Fotos retiradas com a devida vénia dos blogs: The Delagoa Bay de ABM e House of Maputo.
Manuel Terra – Fevereiro de 2023
26 Comentários
Carlos Ramos
Embora, adolescente, foi em Lourenço Marques, na “Casa Vilaça”, que tomei conhecimento profundo sobre a Maçonaria. Creio que o dono da “Casa Vilaça” era membro de uma das Lojas da cidade – ele e outros parceiros de conversa ao fim da tarde, espécie de momento “tertuliano” do meu agrado. Depois do 25 de Abril, de regresso a Portugal, anos depois. fui honrado com um convite para ingressar numa das Lojas de referência do centro do país…Parabéns pela excelência da informação.:
Marcus
Estimado Ir.: estou necessitando de um contato em Moçambique para obter informações de uma instituição que ajuda com filantropia. +55 27 992914991 Whatzapp
Graciett Xavier
Muito interessante. Eu estava na busca se actualmente essa sociedade secreta ainda existia em Moçambique quando me deparei com esta informação bastante elucidativa. Mas a dúvida permanece. Existe ou não actualmente e como chegar até ela.
Manuel Martins Terra
Graciett Xavier, tentando ajudar a dissipar a duvida referente ao seu comentário, poder-lhe-ei adiantar que Lisboa acolheu a 16 de Setembro de 2022, um encontro de representantes de lojas da maçonaria regular dos países de língua portuguesa, uma iniciativa que visou reforçar os laços e ajudar as estruturas mais pequenas a crescerem. Acrescento que apenas Moçambique, tem uma grande loja independente e bem organizada. Todas estas lojas contribuíram para a formação da designada Confederação Maçónica da Língua Portuguesa, formada em 2012. Em todo o território moçambicano, a Grande Loja de Moçambique, tem vindo a desenvolver a sua atividade. Creio quem em Maputo, deverá estar instalado o templo para o culto mais significativo do País. Desconheço de momento, quem é o Grão- Mestre da GLRM. Espero que esta informação, a possa ajudar nas suas buscas. Despeço-me, com os melhores cumprimentos. Manuel Terra.
Joao De Abreu
Manuel,
Coloquei na sua página do Facebook uma foto do Templo Maçônico ainda com as pirâmides. Não consegui faze ló aqui. Parabéns pelo trabalho.
TFA
João
Sergio B Gonçalves
Excelente artigo e tanto que desconhecia na cidade onde cresci. Com mais desenvolvimentos merecia ser publicado.
José Fava
Gostaria de saber se há uma relação entre os internatos da Namaacha e a Maçonaria, à semelhança com os internatos de S. João em Lisboa e Porto.
Manuel Martins Terra
Caro amigo José Fava, tentando ir ao encontro da sua pergunta, não há informações disponíveis que comprovem essa relação, e na questão de internatos os mesmos eram e ainda são hoje na sua maioria tutelaos por nstituições religiosa.
Manuel Martins Terra
Caro amigo José Faria, tentando ir ao encontro da sua pergunta, não há informações disponíveis que comprovem essa relação, e na questão de internatos os mesmos eram e ainda são hoje na sua maioria tutelados por instituições religiosas. Um abraço amigo, de Manuel Terra.
Narciso Faduco
Belíssima obra de arquitetura.
É por isso que a nossa cidade é chamada de Cidade das Acácias.
Jordão
Sem palavras, não sabia que a maçonaria esteve presente em Moçambique. Estudei na Escola Industrial já em Maputo, e sempre senti uma energia forte no salão principal. Agora faz todo sentido aquele monumento robusto e um frontal bem charmoso para uma simples escola técnica.
Alda Maria Lima
Excelente historial para mim parcial e completamente desconhecido no que a Moçambique diz respeito e consequente um grande contributo para o enriquecimento da história da minha terra natal, Lourenço Marques, não só conhecida como a terra das acácias, mas também como a PÉROLA DO ÍNDICO. GRANDE TERRA 😍 GRANDE GENTE ❤️
Um grande orgulho e privilégio de ser Moçambicana ❤️
Augusto Martins
Estimado SAMUEL CARVALHO
Depois de ter lido a publicação do trabalho do Manuel Terra sobre “A face da Maçonaria na Cidade das Acácias” que considero de grande interesse para mim e com a qualidade habitual, solicitei-lhe no passado dia 24, que me permitisse obter uma cópia do mesmo, para guardar nas minhas recordações da nossa querida terra.
Pelo Manuel Terra, fiquei a saber que ele concorda e não vê qualquer inconveniente, mas que como o artigo está codificado, eu teria que solicitar ao SAMUEL que, se não visse qualquer impedimento, fizesse o favor de reenviá-lo para o meu e-mail “mairesau@gmail.com”.
É esse o favor que lhe peço e desde já agradeço, enviando-lhe um grande abraço.
BigSlam
Caro Augusto Martins,
Acabei de lhe enviar o solicitado.
Sempre ao dispor. Aquele abraço.
Samuel Carvalho
Mário Melo
Um excelente texto justo e perfeito.
Parabéns
João Serra
Parabéns pelo Magnífico Trabalho apresentado.
Estou-lhe muito Grato.
🌛🙌🌞
Leonor Vale
Muito obrigada.adorei. excelente. Grande enriquecimento histórico cultural da nossa terra
Augusto Martins
Gostei de ler este artigo e, desde já agradeço, pelo rigor, pormenor e qualidade do trabalho, com o qual fiquei a saber mais alguns pormenores sobre o assunto, que por razões especiais, sempre me interessou particularmente.
Agradeço que me informem sobre a possibilidade que tenho, para obter uma cópia deste trabalho, que gostava que ficasse a fazer parte da minha coleção de memórias da nossa querida cidade.
Luís Jacinto Pereira
Uma excelente lição da história da nossa bela e inesquecível Moçambique.
Muito obrigado.
Wanda Serra
Gostei imenso
Agradeço
Antonio Mendes
Bela Ideia e excelente trabalho de pesquisa! Obrigado.
Ricardo Quintino
Excelente descrição histórica da influência das lojas maçónicas na evolução arquitectónica da cidade de Lourenço Marques. Gostei maningue
Luis 'Manduca' Russell
*Kanimambo!
Luis 'Manduca' Russell
Mais um excelente texto, muito bem escrito e com uma assinalável profundidade histórica e cultural. O nosso querido Moçambique e a nossa querida Lourenço Marques não cessam de nos surpreender – mais um gandre Kanimanbo, desta vez ao Manuel Terra!
Fernando Teixeira Xavier Martins
Obrigado, Parabens, Continue, para conhecer melhor esta terra onde estudei e trabalhei. Abc/
Francisco Santos
Muito interessante! Obrigado pela nota histórica !