Augusto Cardoso o explorador militar a quem MOÇAMBIQUE muito deve!
Existem certas figuras históricas que através da sua ação, persistência e objetivos, muito deram de si em prol da afirmação de um país, desempenhando papéis cruciais que tiveram indiscutível importância e fundamentais para o desenvolvimento do território moçambicano. Falemos pois de Augusto Melo Pinto Cardoso, que nasceu em Lisboa a 19 de Agosto de 1859, e que partiu para Moçambique em 1881, com o posto de guarda marinha e após concluir o curso na Escola Naval. Chegado a Moçambique, foi enviado com urgência para a região do Niassa para chefiar a expedição iniciada por Serpa Pinto, que entretanto adoecera gravemente. Em causa estava a descoberta deste imenso lago e a controversa estalou. Os ingleses vangloriaram-se de ter sido David Livingstone, o primeiro explorador a ter atingido as margens do Niassa, em Setembro de 1859, merecendo honras do Estado do Reino Unido, por tal feito. Todavia essa tese foi contrariada e hoje parece não haver dúvidas de que portugueses anónimos e missionário da época, tinham já percorrido as margens do Niassa, muito anos antes do reputado missionário britânico.

David Livingstone (1813 – 1873)
A Historia refere ainda que Cândido Costa, comerciante português em 1846, terá visitado a região, mas alguns autores estrangeiros consideram mesmo que Augusto Cardoso foi efetivamente o primeiro português a chegar ao Largo Niassa, elaborando estudos científicos, nas áreas da Matemática, Astronomia e Meteorologia e classificados de notáveis. Quanto ao Lago Niassa, a quem David Livingstone, apelidou de Lago dos Temporais, era também conhecido por Largo do Walawi, atendendo que as suas margens se estendem pela Tanzânia, Moçambique e também o Walawi. Curiosamente muitos chamavam-lhe Largo Calendário, porque possuía 365 milhas de comprimento, 52 milhas de largo e 12 rios que desaguavam neste lago com uma área de 30.862 Km2, ocupando o 9º lugar entre os maiores lagos do mundo, e o 5º lugar entre os maiores lagos de água doce. No Continente Africano, é tido como o 3º maior e o 2º de águas mais profundas.
O Lago Niassa, era já habitado na idade da Pedra Lascada, pela tribo dos Bosquímanos a quem são atribuídas as pinturas rupestres achadas em algumas cavernas dos Montes Mikolongue (Walawi) e em Lisambagué e Lua (Moçambique). Esta tribo entretanto desapareceu do território de Moçambique, habitando outrora nos altos dos montes. Historicamente, o Largo Niassa, foi sendo influenciado por várias culturas e civilizações ao longo dos séculos, por povos indígenas, comerciantes árabes e portugueses. E neste contexto, surge o espírito aventureiro e a destreza de Augusto Cardoso na espinhosa missão que lhe foi confiada, com o perigo sempre a espreitar. Partindo da costa da ilha do Ibo, para o interior o comandante Cardoso, como passou a ser conhecido junto dos seus auxiliares africanos, percorreu em 20 meses de mato por terras desconhecidas, uma extensão de 2500 quilómetros, pulando por cima de penedos e outros obstáculos, calcorreando trilhos difíceis de descortinar e enfrentando o perigo do contato com animais selvagens, o comandante Cardoso foi sentindo os efeitos da má alimentação e posteriormente a fome, perdendo inclusive a visão durante 5 meses.Neste ciclo contou com o apoio amigo do africano Réné, que o substituiu e amparou durante muito tempo e outros exploradores portugueses dessa época.

Augusto Cardoso em Lourenço Marques, com o seu assistente especial a segurar a sua arma, fim do Século XIX.
Depois de recuperado dos seus males físicos, o comandante Cardoso e a sua expedição alcançam Metarica, envolvidos em clima de hostilidade e salvos pela intervenção do chefe local. Nos cenários de algumas revoltas, Augusto Cardoso mostrou ser um homem pacificador ao interagir de forma cívica com as comunidades nativas da região. Prosseguindo a sua rota para oeste, e apoquentado ainda fisicamente atinge finalmente o gigante Largo Niassa, em torno do qual executa estudos de cartografia e a delimitação de fronteiras de Moçambique, tentando cumprir o plano dos esforços de Portugal para consolidar o seu domínio sobre a área rica em biodiversidade e de grande estratégica económica. No tabuleiro politico era cada mais notório o mau estar e as divergências entre o governo inglês e o governo português, no conflito gerado sobre o domínio do Largo Niassa, sucedendo-se contínuos encontros diplomáticos que na verdade se revelaram infrutíferos. A crise culminou com um ultimato britânico para que Portugal, aceitasse as reivindicações do seu opositor sobre a região, o que foi considerado uma afronta à soberania portuguesa.
Dito isto, houve então consenso para levar a efeito o Tratado Anglo-Luso de 1891, cujo objetivo era elaborar o traçado das fronteiras dessa região. Antes, o Comandante Augusto Cardoso, um monárquico confesso viaja para Lisboa, em 1888 e é recebido na Corte, onde dá conta e de forma intransigente de que o Largo Niassa, deveria ser considerado parte de Moçambique, devido a fatores históricos, culturais e geográficos. O rei D. Luís, prestou-lhe uma homenagem de Estado, justificada pelo cumprimento da missão e enaltecendo o seu supremo fervor patriótico. No regresso a Moçambique, Augusto Cardoso viajou até Paris, onde desposou a cidadã francesa Marye Leyx.

Augusto Cardoso e sua esposa Marye Leyx na cidade do Cabo – África do Sul.
Em 1888, ainda por despacho do rei D. Luís, é nomeado Capitão do Porto de Lourenço Marques. Para esta nova missão, trazia instruções quiçá para satisfazer os seus compromissos e exigências do trabalho, requerer aos serviços de Obras Públicas, a delimitação de um terreno na Ponta Vermelha a fim de ali construir uma casa de habitação, permitindo-lhe do local observar e acompanhar os trabalhos de drenagem e aterro da área pantanal.
Voltando ao conflito que se intensificou, surgiu a luz ao fundo do túnel para a conclusão do documento final do Tratado Anglo-Luso de 1891. A determinação e os conhecimentos do Comandante Augusto Cardoso, reconhecidos pelas autoridades inglesas foram vitais para a validação do acordo. Em contrapartida, Portugal em função do ultimato britânico deixou cair o plano de unir costa a costa, os territórios de Moçambique a Angola, algo que aumentou o sentimento republicano em Portugal. Sem que as cotas marítimas ficassem bem definidas e registando-se a espaços alguns atritos, só pelo “Acordo Relativo à Fronteira de Moçambique e a então Niassalândia “assinado pelo governo português e inglês em 1954, ficaram a pertencer a Moçambique 6952 Km2 de superfície do lago, correspondente a 22,5 % da sua área total, conservando o governo do Walawi, a maior percentagem podendo os habitantes dos dois países usar as suas águas para a pesca e outros fins legítimos.
Quanto á habitação o Comandante Augusto de Cardoso, mandou vedar o terreno e obedecendo a um projeto artístico moderno, foi erguido um casarão vistoso e bem arborizado.
Em zona circundante de mato rasteiro e espesso, apelou à autarquia a compra desses terrenos, sendo-lhe concedida essa pretensão mas através do pagamento de uma taxa anual entre as partes interessadas. Foi precisamente neste terreno que o Comandante Cardoso, junto à sua habitação se interligou com um pequeno hotel mas moderno para a época, onde viria nascer o primitivo Hotel Cardoso, explorado por cidadãos italianos.

Um anúncio publicitário do Cardozo Hotel, cerca de 1915. A sua esplanada a Sul tinha a melhor vista da Baixa de Lourenço Marques, que se pode ver ao fundo.
Fez parte ainda do Conselho de Turismo, e nos tempos de ócio escrevia textos jornalísticos e dedicava-se à fotografia e pintura. Em 1906, o comandante Augusto Cardoso é nomeado para o cargo de Governador militar de Inhambane, e com a queda da Monarquia e a implantação da República, desgostoso pede a sua desvinculação da carreira militar, participando depois ativamente em atividades sociais e sempre atento ao progresso da cidade de Lourenço Marques. Em 1913, ao que se sabe terá mandado construir uma nova moradia, talvez a mais moderna da cidade e não muito distante da primeira. Em 1920, vendeu o velhinho Hotel Cardoso a uma família italiana, e já conhecedor do projeto de construção do Hotel Polana.

Um machimbombo de Lourenço Marques, cerca de 1927, que ligava a Baixa da Cidade com a Polana. A placa diz “POLANA HOTEL VIA CARDOZO”.
Em 1930, faleceu em Inhambane e o seu corpo sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier, na antiga cidade de Lourenço Marques. Assim ao refletirmos sobre o legado do comandante Augusto Cardoso, é fundamental que reconheçamos todos os seus feitos assinalados por expressa dinâmica e grande visão, vergando o contraditório da diplomacia britânica e se tal não fora o território moçambicano jamais se estenderia de Maputo ao Rovuma, limitado apenas à zona centro e afastado do Largo Niassa. Essa conclusão destaca a relevância do militar português na história de Moçambique, pelo que os governantes moçambicanos e parece-me da mais elementar justiça, deveriam perpetuar a sua memória e que a história seja contada com justiça, honrando e fortalecendo a identidade e a soberania do povo de MOÇAMBIQUE.
Fotos e legendas retiradas com a devida vénia dos blogues: The Delagoa Bay e House of Maputo, a quem o BigSlam agradece!
Manuel Terra – Setembro de 2025
11 Comentários
Edite Lemos
Obrigada!
José Augusto Salta Moreira
O meu muito obrigado pelos factos históricos que relata e pelo merecido destaque que é dado a este Grande Português.
nino ughetto
TUDO PASSA. TUDO ACABA “Lurenço Marques,,jà nào existe. Soms os ultimos (velhotes) a falarmos ainda dessa maravilhosa terra, hoje com um nme que nào nos diz nada “”Maputo” Embora eu conheça Moçambique de ponta a ponta, terei sempre saudades até a morte. ,Mesmo o nome Maputo me faz ltristeza, de saudades,pois foi la em Salamaca que com o meu saudoso Pai e meu irmào, iamos a caça cedo de manhà cedo , enfim tudo passou tudo acabou. Meu saudoso Pai jà faleceu, so me resta o meu irmào que como eu ja tem 82 anos e um dia destes eu u ele partiremos , para Pai Eterno. Gostei de conhecer a historia do Cardoso, muito interessante. Um abraço
Pierre Vilbró
A História de qualquer País é a que é, preenchida pelos factos e personagens reais, e não a contada pelas conveniências ideológicas, políticas e governativas.
Ao Manuel Terra volto a felicitar, desta vez por mais um excelente contributo para o conhecimento do Moçambique real.
E BigSlam continua na senda de artigos de grande qualidade e verdade.
Pierre Vilbró
Mário Grilo
Absolutamente excepcional este artigo, de grande relevância histórica, pela delimitação das fronteiras, fruto do árduo e sistemático trabalho de Augusto Cardoso.
Desconhecia as origens do nome do Hotel e achei deliciosa esta informação, felicitando o Manuel Terra, que ao longo dos anos , através do Big Slam, muito tem acrescentado em relação à história de Moçambique nas várias vertentes.
Será que se poderia saber o ano em que Augusto Cardoso, construiu a sua mansão e quando é que o Hotel foi inaugurado ?
Grato por tão histórica, quanto curiosa informação , felicitando uma vez mais o autor, que muito tem enriquecido esta plataforma em boa hora iniciada pelo notável basquetebolista Samuel de Carvalho, a quem endereço um grande abraço.
2luisbatalau@gmail.com
DESCONHECIA POR COMPLETO A ORIGEM DO HOTEL CARDOSO E O GRANDE OBREIRO AUGUSTO CARDOSO.
IMPORTANTE ARTIGO. KANIMAMBO!
Luis Russell Vieira
As coisas que o Manuel Terra sabe (e não está sozinho)… E as coisas que aprendemos no BigSlam… Excelente Bula Bula – Kanimambo!
Francisco Duque Martinho
Não conhecia a História do Comandante Cardoso nas vertentes Militar, Política e Empresarial, nem das origens do Hotel Cardoso. O BigSlam sempre oportuno na escolha dos artigos que publica, interessantes e de excelentes Autores. Parabéns e obrigado pela Vossa contribuição na divulgação da História da nossa Lourenço Marques e de Moçambique.
Samuel Carvalho
Excelente artigo sobre a figura de Augusto Cardoso, explorador militar de grande relevância para a história de Moçambique. Um contributo valioso para a preservação da memória e compreensão do nosso passado comum. Um agradecimento especial ao Manuel Terra, por este trabalho tão enriquecedor.
BigSlam
Figura marcante a quem Moçambique deve parte importante do seu legado histórico e territorial.
Alfredo da Silva Correia
Quando voltei a Moçambique pela 1ª vez depois de 1974 foi em 1996. Essa viagem tinha como objectivo não só mostrar aos meus filhos a terra onde nasceram, mas também ver se conseguia uma flat num prédio que me foi nacionalizado Ao chegar ao prédio e entrar nele fui abordado por um monhé que me perguntou o que pretendia. Quando lhe disse que era o dono do prédio respondeu-me que seria mas que o mesmo já tinha sido privatizado e que ele o comprara. Estava assim resolvido o problema da flat, após que me fui instalar com os meus 5 acompanhantes, mulher, filhos e nora no saudoso hotel Cardoso., do qual desconhecia a história que hoje li. Obrigado por ela. De qualquer forma foi uma viagem inesquecível. No primeiro almoço fomos fazê-lo ao restaurante da Costa do Sol, onde ainda encontramos o famoso CHICO que ao reconhecer-nos tudo fazia para que regressássemos. A vida reserva-nos bons e maus momentos, mas aquela viagem nunca a esquecerei porque ainda havia muitos Moçambicanos que nos conhecia. A última vez que lá regressei em 2013 já não os encontrava. A esperança de vida daquela jente é muito baixa.