Jardim Botânico Vasco da Gama “Oásis verde da cidade”
Entre os espaços, que naquela redentora terra mereciam uma atenção muito dedicada por parte dos seus habitantes, figurava certamente o Jardim Botânico Vasco da Gama (hoje Jardim Tunduru) localizado já muito próximo da zona da Baixa.
O pulmão verde da cidade começou a ser delineado logo no início do seculo XX, em terreno lodoso e rudimentar, cabendo à mão do homem traçar a topografia do terreno. O estudo de toda a nomenclatura deve-se ao arquiteto paisagístico Thomas Honey,
que foi Diretor de Arborização e Jardins de Lourenço Marques, e grande mentor de toda a transformação que passou por uma massiva arborização e arranjos, passando a designar-se numa primeira fase Jardim Botânico de Lourenço Marques.
Inaugurado em 1920, viu ser construída na sua principal entrada de acesso o arco de traça manuelina, ostentado no topo uma placa evocativa do 4º Centenário da morte do navegador português, Vasco da Gama, que passou por Moçambique na rota para a Índia.
À homenagem prestada no dia 24 de dezembro de 1924, compareceram na Av. D. Luís, autoridades e um número significativo de residentes na cidade. Mais tarde, no final da década 30, foi erguido um monumento na rotunda frontal à entrada para assinalar a passagem pela Pérola do Índico, do então presidente da Republica, general Óscar Carmona.
As outras zonas de acesso tinham lugar na esquina da Av. D. Luís, com a Pedro Álvares Cabral; também pela esquina da Av. Augusto Castilho, com a Pedro Alvares Cabral, e a norte a entrada pela Rua do Rádio Clube, mesmo defronte do Edifício da Emissora local.
As entradas eram gratuitas no jardim, logo um excelente convite para tardes de lazer com predominância para os feriados e domingos soalheiros. Para lá se encaminhavam famílias, amigos, estudantes e parzinhos de namorados, que se dispersavam pelas muitas alamedas que configuravam o oásis verde. Bailam-me na memória um sem número de passeios, e entrando pelo acesso da Rua do Rádio Clube, deparava-se logo no canto esquerdo as instalações do Clube de Ténis, e os seus courts de competição. Ficaram célebres as renhidas finais disputadas entre António Trindade e Prata Dias, que deliciavam os presentes nas bancadas.
Ano de 1964 – Clube de Ténis
Em cima: Elísio Gandara, Firmino Fonseca, Chico Faria, Luis Serpa Santos, José Miguel Fonseca, Victor Carvalho, Couto, José Carlos Garcez, Mário Rebelo, Joaquim Pitta Gouveia, Eduardo Rebelo, José Manuel Sena, António Carlos Sousa, José Tomaz Frade, Domingos Serpa Santos, André Meireles.
No meio: Ivoninha, Chunquita Prata Dias, M3?, Carla Ferias, Leopoldina, M6?, Taitai Figueiredo, Geninha Tristão, Maria João Neves, Mito Portugal, Helena Duarte, Maria da Luz Portugal, Ana Maria Repenicado Dias, João Figueiredo.
Em baixo: Pedro Cabral, Lopo Vasconcelos, João Neves, Piti Fonseca, Chico Santos, Prata Dias, Luis Cabral, Zé Diogo Seiça Neto, João António Pereira Silva “Japs”, Pedro Figueiredo e Nuno Tristão .
No período de estio, os sul-africanos aproveitando as suas férias na cidade, retiravam algum tempo para lá disputarem umas partidas, e era um regalo ver aquelas moças esbeltas ávidas de sol, baterem umas bolas mais para manterem a silhueta, do que se preparem para qualquer prova.
Descendo para o patamar seguinte, vislumbrava-se ao centro um vistoso e moderno coreto, onde os meus saudosos progenitores e outros populares se concentravam ao seu redor, para ouvirem as contínuas atuações da Banda Musical da Região Militar. Paralelamente tinham lugar programas de variedades e atividades de entretimento, muito ao gosto dos mais jovens.
Ao longo dos arruamentos figuravam bancos de madeira, sob a sombra das frondosas árvores devidamente classificadas, onde era possível identificar numa pequena placa de zinco o nome das espécies e a latitude de origem. Os visitantes procuram naqueles assentos, a frescura da sua vegetação para se protegerem da canícula que apertava.
Nos baloiços circundantes, os petizes exercitavam os seus níveis físicos de forma extasiante.
A chamada Estufa-fria, era um dos pontos de atração e foi construída com requintada especificidade, de forma a abrigar plantas diversas não sujeitáveis a temperaturas tropicais, mantendo as melhores condições para o seu desenvolvimento. No seu interior foi projetada uma cascata de inexprimível beleza, por onde circulava água em sistema de sifão, que jorrava sobre as pedras e inundava pequenos lagos subjacentes recheados de espécies exóticas, transmitindo aos passeantes uma serenidade contagiante.
Vizinha, era a extensa galeria construída em traves de madeira que sustentavam as barras da cobertura, pelas quais se alongavam densas trepadeiras que se pareciam enroscar, criando a ideia de um túnel de sombra, onde o fluxo dos raios solares só era percetível nos topos do corredor. A juventude do meu tempo chamava-a de Ala dos Namorados, muito pelo facto de que nos seus bancos de madeira já gastos pelo tempo, se sentarem jovens namorados encorajados pela privacidade da área, protegida de olhares curiosos. Recreava-se uma atmosfera romântica perfeita para um sussurro, beijos quase intermináveis a conjugar reflexões e sonhos para mais tarde concretizar.
Uns degraus mais abaixo e já na parte sul, sentia-se ao longe a vozeria das rãs que coabitavam no lago, com os patos e gansos. Os visitantes atiravam para a água amendoins e migalhas de pão, que eram disputados danadamente pelas gulosas aves no seu habitat.
O jardim era igualmente um local de excelência para um grande número de recém-casados, e quiçá pela sua proximidade à Catedral de Nossa Senhora da Conceição, muitos optavam na companhia dos convidados, fazer o percurso até ao seu interior para as habituais fotografias da praxe. Os cenários maravilhosos que só a natureza sabe tecer, eram testemunhos de fotos cheias de significado a eternizar um dia tão importante, registado no álbum do enlace.
Também por ali transitavam muitos turistas de máquina fotográfica ao tiracolo, que não perdiam a oportunidade de obter instantâneos deslumbrantes, para ilustrarem o seu diário de viagem. O Jardim Botânico Vasco da Gama, com toda a sua coleção de árvores diversas, arbustos e flores multicores, também encerrava em si arte expressa na fonte das “Quatro Deusas”,
segurando a pesada cúpula, sublinhando as cariátides da mitologia grega. Colocada numa plataforma bem decorada, já no limite da zona sul e próxima da saída para a Av. D. Luís, foi ofertada pelo grande colecionador britânico “Sir” Roberto Wallace, idêntica às 50 fontes que foram doadas para jardins parisienses.
Reza a história, que a fonte tinha como objetivo, que aos pobres e aos passarinhos da cidade não lhe faltasse água fresca para beber.
No livro “Pedras que já não falam”, o saudoso historiador Alfredo Pereira de Lima, reporta-se à expressiva fonte como uma verdadeira obra de arte, só existente nos jardins botânicos mais emblemáticos do globo.
Este grande oásis verde,
diz-me muito porque me fala da minha infância e das aventuras na minha adolescência. Pisei o seu chão, bebi da sua água, senti o relaxe das suas sombras, escutei o cantar das aves e inalei o perfume das suas flores. E como eu, penso que será mesmo improvável que alguém que tenha nascido naquela terra inesquecível, ou lá passado grande parte da sua vida, que jamais em tempo algum não tenha visitado aquela sedução da natureza.
- Algumas fotos foram retiradas com a devida vénia do blog The Delagoa Bay e do arquivo do BigSlam.
Manuel Terra – Janeiro de 2022
14 Comentários
Joaquim Francisco Martins Pereira
Eu casei com a Paula Pereira, que foi campeã de tênis e cujo o treinador era o Sr Prata Dias. Ela vivia dentro do jardim Vasco da Gama, pois o pai era o regente agrícola responsável pelos jardins em LM. Chama-se Augusto Nogueira Pereira. Ele tinha um carinho especial pelo jardim. A Paula começou aos 5 anos a treinar tênis, pois tinha a vantagem de viver junto ao clube.
BigSlam
Caro Joaquim Pereira, grato pelo seu comentário cuja informação enriquece o artigo em questão. Felicitações do BigSlam à Paula Pereira.
Apareça sempre no nosso “Ponto de Encontro!” – http://www.bigslam.pt
Aquele abraço.
Paulo Carvalho
Joaquim Pereira… Em Macau, estive com um colaborador da TVMacau,o Victor Pereira, com quem jogava tenis,por vezes.Ele deve ter sido teu cunhado,não?
Depois, foi para os Açores e, infelizmente,julgo que já nos deixou há alguns anos.
Era pessoa de excelente trato ,com quem gostavamos de conviver.
Um abraço.
Joaquim Francisco Martins Pereira
Paulo de Carvalho, na realidade o Vítor Pereira é meu primo e cunhado e esteve efectivamente em Macau e Açores.Teve um problema de saúde, mas está bem e vive em Oeiras. A Paula é que já partiu em 2006.
Abraço
Antonio Mendes
Excelente! Obrigado.
Angelina C.C. Antunes
De facto, o jardim Vasco da Gama, era uma das pérolas da cidade maravilhosa, que era Lourenço Marques . Como estará agora? Imensas saudades.
Obrigada
Angelina
BigSlam
Olá Angelina Antunes, a maioria das fotos deste artigo são atuais, tiradas em 2017 na viagem realizada pelo BigSlam por terras de África…
Aquele abraço.
Pierre Vilbró
A minha memória guarda que o Jardim Vasco da Gama era um dos mais belos locais da minha terra natal, e que muito utilizei nos meus tempos de estudante. Quer para estudar, sozinho ou acompanhado por alguns colegas de turma, como atravessando-o nas minhas deslocações entre a Escola Industrial e o centro da baixa da cidade, e vice-versa.
Também nele foi efectuada a reportagem fotográfica exterior do meu casamento.
Bons tempos sempre guardados, tempos que ajudaram a fazer-me e que neles eu me ia fazendo.
Manuel Terra: Mais um belo e aturado trabalho seu. Parabéns e um abraço.
Pierre vilbró
Rui Jose
Uma carinhosa recordação de um lugar que encerra em si próprio histórias de vida de muitos que aí passeavam e desfrutavam do maravilhoso e encantador silêncio para descansar e refletir em momentos difíceis, à procura de paz e luzes que iluminassem o espírito muitas vezes cansado e deprimido. Um lugar onde se podia ler e estudar como muitas vezes o fiz.
Obrigado, Manuel Terra. Um artigo esplendoroso.
Viriato Barros da Silveira
Resta acrescentar que o conjunto escultórico das 4 “MUSAS” referenciado, é uma obra do Escultor Valle, mesmo autor das figuras em BAIXO RELEVO à entrada do complexo desportivo da Piscina do Desportivo de L. Marques.
dave adkins
Passava pelo Jardim VD andando do Girassol, a minha casita de 71 a 74, para Centro, também jogava tenís no parque de vez em quando. . Saudades. . parque bonito..
ABM
Esplêndido. Uma notinha: em 1924, a Av. Dom Luiz I,, que agora é a Av. Marechal Samora Machel, denominava-se Avenida Aguiar. Náo sei a data precisa em que lhe mudaram o nome mas foi nos anos 40. ABM
Manuel Martins Terra
Correto, António, efectivamente a Av. D. Luís , teve no seu início a designação de Av. Aguiar. Obrigado, e um abraço amigo. Manuel Terra.
Isabel
Muito interessante. Obrigada. Isabel