Karel Pott – Um nacionalista esquecido
A história de um povo diz-nos que é suportada por factos e figuras de superior importância, que deram o seu contributo para o desenvolvimento do homem no espaço e tempo, em todos os ciclos da sociedade de que foram integrantes. Entender o passado, é o passo mais relevante para se melhor compreender o presente. Este breve preâmbulo tem a ver com um manifesto que circula ao que penso nas redes sociais em Maputo, e que um dos meus amigos que vivem naquela cidade e arredores, me enviou e que passo a transcrever tal como o recebi:
Em 1920, quando nasceu Eduardo Mondlane, Karel Pott, já tinha participado na criação da maior associação nacionalista de Moçambique “ O Grémio Africano” e com os irmãos Albasini, tinha criado o primeiro jornal nacionalista “O Brado Africano” em 1918.
Quando, Mondlane, era ainda uma criança, Karel Pott, já era o primeiro Doutor Moçambicano, exercendo advocacia em Lourenço Marques. Karel Pott, que segundo José Craveirinha, foi um grande influenciador do movimento da Negritude formado em Paris, por volta de 1935, foi também o primeiro atleta moçambicano a participar nos jogos olímpicos. Como é que este símbolo maior da consciência nacionalista moçambicana e Africana, não é estudado e nem mencionado na história de Moçambique? A razão é só uma e chama-se preconceito. Pois Karel Pott, era filho de um branco holandês e de uma negra moçambicana. O seu pai era um muito rico homem de negócios, fundamental na construção de Lourenço Marques, tendo várias propriedades, incluindo o prédio Pott (hoje em ruínas) em frente a moderna sede do Banco de Moçambique em Maputo.
A família Pott, morava no hoje tribunal que se encontra no Jardim Tunduru, sendo este imenso jardim, sua propriedade e o jardim da sua casa. A mãe negra de Karel Pott, que trajava simples capulanas foi possivelmente a negra mais “rica” de Lourenço Marques. Passeando a sua classe no maior jardim de Moçambique, que era “todo seu” (do seu marido). Daí toda a inveja! Não é fácil aceitar que o filho de um homem rico, fosse ao mesmo tempo um grande pensador visionário e “Revolucionário”. Mas… não foi assim com Karl Marx e Che Guevara? Karel Pott, nasceu em 20 de Agosto de 1904 e faleceu em 16 de Dezembro de 1953.
O manifesto suscitou-me curiosidade e procurei saber mais acerca de Karel Pott, pesquisando alguns jornais da época. Recuemos no tempo, e na década 80 do século XIX, aportava a Lourenço Marques, um cidadão holandês de seu nome, Gerald Pott,
comerciante ambicioso a quem a vida sorriu com negócios frutuosos estabelecidos com a comunidade bóer do Transvaal, do qual se tornou cônsul e ainda exercendo a função honorária do Reino da Holanda, na cidade moçambicana. Investiu na parte imobiliária e potencializou o desenvolvimento da Baixa citadina, mandando edificar o Avenida Buildings, construção a que muitos apelidaram de Prédio Pott, que se caraterizava pela sua originalidade e acentuada beleza.
Gerald Pott, mandou entretanto construir antes da mudança de século, uma majestosa mansão a que lhe deu o nome de Vila Jóia, com detalhes e influência da construção colonial holandesa, sendo erguida junto à zona do Jardim Botânico Municipal à época, que posteriormente acabou por absorver grande parte do quintal da luxuosa residência.
Em 1903, dava-se por concluído o Prédio Pott, e no ano seguinte nascia Karel Pott, filho de uma senhora negra, que se chamava Angelina da Conceição Moyasse Pott, que viria a ter mais três filhos, da relação com Gerald Pott. Karel Pott, que em criança ainda brincou na mansão do seu progenitor, foi-se revelando estudioso e foi o primeiro moçambicano a formar-se em advocacia na Metrópole, tendo montado o seu consultório no Avenida Buildings.
Em 1924, Karel Pott, que já praticava atletismo na qualidade de velocista, juntamente com Gentil dos Santos, que ao que se pensa saber nasceu na Guiné-Bissau, mas a residir em Moçambique, foram chamados à Metrópole para representarem Portugal nos Jogos Olímpicos de 1924, realizados na cidade de Paris.
A par da sua ilustre carreira de sábio causídico, Karel Pott, foi criando um clima de empatia nos círculos socias da cidade, falando de forma enfatizada da sua africanidade. No seu escritório, reunia-se com alguma frequência com outros nacionalistas. Tinha um carinho muito especial pela sua mãe, passeando-se amiúdas vezes num carro descapotável, pelas artérias da cidade.
Acerca da sua personalidade e caracter, o poeta José Craveirinha, fazia-lhe largos elogios e também como nacionalista moçambicano nunca se coibiu de afirmar que Karel Pott, foi uma das suas musas inspiradoras. Karel Pott, juntamente com os Irmãos Albasini e Estácio Dias, publicaram nas edições do Brado Africano, artigos críticos que entraram em clivagem com as autoridades locais, levando o jornal para uma questão judicial que culminou com a condenação pelo Tribunal de Relação, aplicando a pena de dois meses de suspensão.
No decorrer da sua ação politica, Karel Pott confrontou-se com algumas divergências no seio do movimento nacionalista, mas de forma prudente tentou resfriar desvarios que na sua opinião poderiam por em causa a linha traçada, não evitando porém o afastamento de alguns dos seus correligionários.
Teve sempre na sua família a colaboração para o sucesso da carreira, e com frequência era visto em deslocações até à vila da Namaacha, para retemperar forças. Quando o futuro lhe augurava grandes êxitos, a 16 de dezembro de 1953, Karel Pott viria a falecer ainda jovem apenas com 49 anos de idade, deixando obra e tornando-se uma figura de destaque do nascente nacionalismo moçambicano.
Daí que se revindique por parte de alguns núcleos da sociedade moçambicana, que o antigo Prédio Pott, (atualmente em ruinas) seja requalificado e transformado num moderno Centro Cultural, ostentando o seu nome e que dê a conhecer a importância que o edifício teve outrora no desenvolvimento da cidade, e por ter sido num dos seus amplos espaços, que Karel Pott teve o seu escritório de advogado.
Karel Pott, merece indiscutivelmente ter um lugar na História de Moçambique, e ser estudado e compreendido pelas gerações vindouras porque nada pode apagar a postura e coragem de um homem que nunca se furtou ao debate de ideias e de evidenciar uma avançada visão política, utilizando o diálogo como arma de confrontação. Agora; também sabemos que grande parte dos dirigentes que integram o comité político da Frelimo, agarrados ainda ao biberão da Revolução, entendem que quanto mais depressa se apagar o passado, de forma mais ampla se vangloriam no presente e exijam a perpetuação no futuro. Apenas uma pura ilusão, porque a História se encarregará de julgar aqueles que governam mal, e que lesam o seu povo. Seguramente, não faltarão motivos.
Manuel Terra – Fevereiro de 2022
- Fotos retiradas com a devida vénia dos blogues The Delagoa Bay e House of Maputo.
13 Comentários
Ancha Mananze
Procurei saber sobre o Karel pott, depois de ver nas redes sociais como era o prédio pott, lamentei bastante ver a grande desvalorização do património histórico, o mesmo sinto quando passo pela Vila Algarve. Enfim….. Nem todos os países são obrigados a valorizar o património histórico. Só podemos mesmo lamentar.
Joaquim Azevedo
Pode encontrar na minha página do Face, Joaquim de Azevedo, nas últimas publicações, algo relacionado com Karel Pott.
Manuel Martins Terra
Obrigado, Joaquim de Azevedo pela sua atenção.
Augusto Martins
Agradeço a todos (autores, intervenientes e comentadores) esta preciosidade que acabei de ler atentamente.
Tive a felicidade de chegar a conhecer pessoalmente algumas destas pessoas.
Vou tentar gravar e imprimir todo este artigo, porque é realmente uma verdadeira e importante parte da HISTÓRIA da minha terra querida e nunca esquecida.
R. Gens
Artigo interessante sobre o qual tenho dois comentários, o segundo partindo duma análise que li algures mas não me lembro onde:
1. Se o ano de nascimento de Karel Pott está correcto (1904), então em 1918 quando é dito foi criado o Brado Africano ele teria 14 anos de idade pelo que a sua participação nesse projecto e movimento teria sido ínfima;
2. O movimento do Grémio Africano dos anos 1918 de que os Albasinis eram lideres era na prática suportado nos mestiços mais cultos e na pequeníssima elite negra. Eles defendiam que essas classes sociais educadas à ocidental deveriam ter exactamente os mesmos direitos que o resto dos portugueses, quer dizer não formavam um movimento nacionalista africano mas sim um grupo integracionista no “império português” que não questionavam.
Por estes dois dados, parece-me que a alusão no texto às ideias nacionalistas de Karel Pott ao tempo do nascimento de Mondlane – que coincidiu com o período do Grémio Africano – será irrelevante, nessa altura Karel Pott nem devia ter ideias políticas e se as tivesse estariam dentro da esfera republicana portuguesa. Não sei como as suas ideias terão evoluido com o seu crescimento, nomeadamente a partir do tempo em que foi estudar Direito para Portugal, mas é dito no texto que nos anos 30 ele defendia a “negritude”. Assumindo eu que Karel Pott nos anos 30 não era o único com essas ideias isto pode indicar que tenha mudado dos anos 20 para os anos 30 o pensamento maioritário da elite mestiço / africana (entretanto em Portugal a partir de 1926 acabou a primeira república mais libertária e começou o que viria ser o Estado Novo mais autoritário). De qualquer modo parece-me que nos anos 30 as ambições nacionalistas que essa classe social tive adquirido deveriam ser muito mais restritas do que as que emergiram a partir do fim da segunda grande guerra, e que foram (juntamente com o contexto internacional do fim da dominância das velhas potências coloniais) as que conduziram âs primeiras independências africanas no final dos anos 50 e as que acabaram por acompanhar a evolução do próprio Mondlane.
Resumindo, acho que tentar-se fazer comparações do tipo se o nacionalismo deste é maior ou menor do que o daquele, se este está a ser esquecido ou não, quanto se trata de ideias mais de grupos do que de pessoas e que evoluiram ao longo dum período muito conturbado de 30 anos (entre os finais dos anos 20 e 50) nâo me parece relevante. Mais útil para a história seria perceber como o pensamento de cada grupo e época foi influenciando os seguintes, provávelmente já alguém o fez mas eu não sigo esse tema.
karel pott
O Willem pott, era irmão do meu pai karel pott,
karel pott
Estou não só orgulhoso como muito comovido com tantas manifestações de carinho e apreço pelo pai.
Orgulhosamente carrego o mesmo nome mas infelizmente não a mesma história.
Manuel TERRA, estou com 80 anos mas à sua total disposição se ainda puder contribuir para enaltecer a memória do meu pai.
A todos vocês, que leram, comentaram e elogiaram o meu muito muito obrigado e que DEUS os Abençoe
Karel pott
Kpott@bol.com.br
Manuel Martins Terra
Dada a disponibilidade evidenciada por Karel Pott, para me falar e melhor compreender a história de vida de seu pai, não hesitei em entrar em contato com o seu orgulhoso filho. A viver no Brasil, foi através de emails que trocamos, que fui tomando conhecimentos de factos reais dos quais ainda viveu junto do seu pai, e outros relatos de familiares.Quando nasceu a 20 de Agosto de 1904,já o seu pai Gerard Pott, tinha regressado no ano anterior da Holanda, depois de 3 anos fora de Moçambique. Tudo porque, Gerard Pott, recebeu em 1900, ordem de saída do território moçambicano, por ordem expressa do governo português, fortemente pressionado pela Inglaterra, dada a forma como a Paul Kruger, (sendo à época cônsul geral do Transvaal e cônsul honorário da Holanda),o apoiou no conflito armado que opôs o exército britânico aos independentes Boers ZAR e OVS. Para a região do Transvaal, seguiam armas através da linha férrea que ligava o porto de Lourenço Marques ao Transvaal. Sendo Gerald Pott, um rico e poderoso comerciante que detinha empresas desde Quelimane até à capital,despendeu considerável ajuda financeira à causa independentista dos Boers. Em 1900, o exército inglês torna-se vitorioso e Paul Kruger, foge para Lourenço Marques, e Gerald Pott concede-lhe uma casa onde se refugia algumas semanas, antes de partir para a Suíça. Gerald Pott, teve que se defender nas vias diplomáticas, por ferir o principio da neutralidade exigida pelo país das tulipas, conseguindo graças a um rol de conhecimentos, obter três meses depois a necessária autorização para o regresso a Moçambique. Mas como referimos, só em 1903 decidiu então regressar, contudo já desprovido de cargos políticos e com a situação financeira mais debilitada. Em 1914, vê-se obrigado a vender ao Governo Provincial, a joia da coroa; a sua sumptuosa mansão, algo que o deixou agastado. É em 1921, que o seu filho Karel Pott, vem para Coimbra para cursar Direito, e poucos anos depois segue-lhe os passos o seu irmão Willem Pott, que também estudou de Direito na cidade do Mondego. Em 1927, morre em Lourenço Marques, Gerald Pott. Em Coimbra, Karel Pott passou uma autorização para que o seu familiar Gerard Pott( Janguava), se desfizesse do Prédio Pott, para liquidar ainda dívidas ligadas à guerra. Em 1928, Karel Pott, concluiu o seu curso e regressa a Lourenço Marques, onde montou consultório. Em 1941, Karel Pott embarca para Metrópole,em plena segunda grande guerra, para gozo de férias. Devido às suas atividades politicas em Moçambique, houve interesse por parte de Salazar, de o afastar da então colonia, e para tal endereçou-lhe um convite, via Marcelo Caetano(de quem era amigo e ex-colega de curso) no sentido de assumir o cargo de Governador do distrito de Beja. Karel Pott, de pronto declinou o convite, afirmando que iria regressar a Moçambique, e ajudar o seu povo.Assim aconteceu e Karel Pott, regressou e constitui família, que como eu afirmei no post, amou e foi sempre o suporte para a sua afirmação. Morreu jovem, levando consigo no coração o seu país e as suas gentes. O outro seu irmão Willem Pott, que teve consultório em Quelimane, faleceu depois da independência, por motivos que ainda desconheço. Caso para perguntar; será que o apelido Pott, face ao conteúdo do manuscrito que recebi a partir de Maputo, causa sombra à classe politica aburguesada, proveniente das cúpulas da Frelimo?Pelos vistos, parece que sim. É que o pior dos defeitos é sem dúvida a ingratidão, que despreza e apedreja hoje, quem os ajudou ontem. Meu caro, Karel Pott, uma vez mais agradeço a sua atenção, e com muto respeito pela sua pessoa, me despeço com um abraço sincero e afetuoso. Manuel Terra.
BigSlam
Parabéns Manuel Terra por enriqueceres com diversos esclarecimentos este artigo sobre o Karel Pott, com a preciosa colaboração do seu filho a residir no Brasil e com o mesmo nome do pai – Karel Pott.
Não há duvida que o BigSlam está cada vez mais implantado em todo o mundo…
Isabel Barros Santos
Muito bom saber a história dos antepassados de um Grande País, onde eu nasci.
GOSTEI. ❤️🌴
francisco da costa
Era a esquina onde se apanhava o machibombo para a malhangalene, depois das matinés no SCALA, GIL VICENTE, VARIETA, depois DICA, porque chegar hás ruinas? no coments.
Luiz Branco
O Che Guevara um pensador revolucionário???? LOOLLLLLL
Jorge Madeira Mendes
Também me pareceu uma observação descabida. Enfim, não estraga o valor do artigo.