Pastelaria Princesa – A Coroa da Confeitaria
Continuando a dar sentido à vivência naquela terra sedutora, com um carisma muito especial que a todos nos tocou profundamente e por muito que o tempo nos separe de uma paixão sem limites, a verdade é que sempre que a ocasião se proporcione, voltamos a evocar esse grande amor salpicado de nostalgia e saudade. É natural que assim seja, tais as recordações tão vivas e subsistentes na nossa memória e que nos são tão gratas.
É sempre com o entusiamo próprio, que retrato Lourenço Marques, a cidade maravilhosa que os portugueses conseguiram erguer à beira do Oceano Índico, tornando-a como que a terra prometida para as comunidades que ali aportavam para iniciarem uma vida de trabalho. Florescia então uma simbiose de culturas que se tornaram um fator de mais-valia para o progresso da cidade a exemplo de outros pontos do território, definindo em muitos casos áreas de negócio que se viriam a revelar de grande sucesso. Com o aumento da população, começou-se a assistir à socialização dos seus habitantes, a iniciaram os encontros nos chamados quiosques do início do século XX e posteriormente nos cafés, espaços sociais e de lazer, locais próprios para relaxar, ler ou discutir assuntos de primordial importância, e esse hábito foi-se enraizando na comunidade laurentina, dando vida e fama a muitos estabelecimentos da cidade.
Nesse contexto, viria a abrir as portas ao público na zona alta da cidade, a Pastelaria Princesa, que incorporava na sua organização, a Pastelaria Ateneia, o Café Djambo e o Restaurante Safari.
Estava localizada no cruzamento da Av.24 de Julho, com a Rua Princesa Patrícia. Uma forma de prestar homenagem à Princesa Patrícia, filha dos Duques de Connaught, que visitaram a cidade em 1906.
A esplanada abrangia as partes exteriores das duas artérias, sendo que a porta principal se situava na Rua Princesa Patrícia, e que dava acesso ao salão de refeições, salão de chá, o balcão, as vitrines e aposentos. Estávamos no início da década 50 do pretérito século, e a Pastelaria Princesa rapidamente ganhou fama, transformando-se num espaço de eleição e muito pela forma esmerada da confeição dos seus produtos e o modo de servir. Direi até que nessa área, foi a maior e mais bem concebida organização do Império Ultramarino e quiçá das melhores do continente africano.
A sua esplanada fez o deleite de muitos frequentadores, tornando-se um local aprazível e propício ao convívio sublinhado por animadas e alegres cavaqueiras, e entre dois goles de café, uma cerveja e um cigarro, punha-se a conversa em dia discutindo-se os mais variados temas. Velhos amigos e conhecidos, como também figuras gradas da cidade, tinham a esplanada da Princesa, como o seu ponto de encontro.
Ali trabalhava o Senhor Paulino, pai do saudoso e inesquecível toureiro moçambicano Ricardo Chibanga,
um homem de visível bonomia que deslizando entre cadeiras e mesas, ia registando os comentários abonatórios da carreira de sucesso do seu filho nas mais diversas arenas do globo.
O seu interior estava decorado com charme e refletia a atmosfera conveniente para a realização de festas de aniversários, almoços de confraternização, ou refeições de famílias. Chamava a atenção o seu balcão e os móveis de madeira polida, mesas e cadeiras aconchegantes e as vitrines exibindo uma ampla diversidade de bolos, salgados e toda a originalidade da doçaria tradicional portuguesa.
Do seu teto pendiam belos candeeiros de lustre que tornavam a superfície bem iluminada e acolhedora, conjugando em harmonia com o mobiliário instalado. O cardápio da Pastelaria Princesa, era bastante vasto e recomendava-se o afamado bife da casa, criado e amanhado pelas mãos hábeis do Chefe Domingos Fernandes, que constava de um bom naco de lombo tenro regado com molho de natas frescas e outros ingredientes, que lhe conferiam um ótimo paladar. Era de comer e chorar mais, devidamente acompanhado por um bom vinho de seleção.
A superfície reservada ao salão de chá, ao cair da tarde ia sendo ocupada por um grupo de senhoras que não dispensavam o chamado chá das 5, personalizando um ritual britânico que ganhou fama e notoriedade, com chá de várias especiarias a acompanhar os pãezinhos de fabrico próprio barrados com compotas, natas, tortas, croissants, o mil folhas ou um jesuíta avantajado, servido num pequeno prato, e com os talheres adequados. Uma rotina diária, aproveitada para fazer uma pausa e de convívio, antes do jantar.
Destacavam-se os bolos de casamento e aniversário, confecionados com aprimorada qualidade, assim como os seus típicos gelados e os sorvetes. Aos fins- de- semana, era quase uma prática habitual observar a fila de automóveis que estacionavam nas proximidades da pastelaria, com o propósito de levarem uma pequena caixa de bolos sortidos para o lanche da tarde. Também não passavam despercebidos o grupo de jovens estudantes, que se dirigindo para a Escola Comercial, ou para o Liceu Salazar e até para a Escola Técnica Joaquim Machado, faziam uma pequena pausa no trajeto, para comprarem um bolo a seu gosto.
Assim se foi construindo a história da Pastelaria/Restaurante Princesa que até ao fim da década 70, se foi mantendo como uma referência da confeitaria, mas que subjetivamente como outros estabelecimentos similares da cidade, se tornou um local de culto gerador de grandes amizades entre os frequentadores habituais, onde se falava um de tudo um pouco, numa era em que não havia televisão, não havia telemóveis, chats ou Facebook, ficando-nos a ideia que o “vício” de ir ao café, ia para além do esvair pausado da maravilhosa bebida aromática e exótica. Deste modo se tornou num hábito quotidiano de uma grande parte dos habitantes da nossa cidade, que entre o trabalho e o ócio, entendia-se o que era viver sem pressas, fugindo ao controle do relógio e deixando-o correr ao ritmo normal do tempo.
Manuel Terra – Setembro de 2023
16 Comentários
Fernanda Costa
Gostaria de informar o Sr. Manuel Terra que o Chefe Silva seria um dos cozinheiros da Pastelaria Princesa, mas o criador do bife à princesa foi o meu pai, Chefe Domingos José Fernandes. Este prato tem um segredo, não era um naco de pejadouro, mas um naco de lombo (carne mais tenra) e não eram só natas.
Já pedi que corrigissem o texto porque não informa corretamente. Obrigada
Fernanda Fernandes Costa
Manuel Martins Terra
Obrigada, Fernanda Costa, pelo esclarecimento e quando é feito no caso pela filha do criador do famoso bife á Princesa, pelo que vou tentar dentro em breve proceder a necessária retificação, e como tal o seu a seu dono. Grato,e as minhas desculpas pela troca do nome no texto. Manuel Terra.
Orlando Valente
Manuel Terra, obrigado por esta tao oportuna descricao da PASTELARIA PRINCESA. Conhecia-a perfeitamente.
Obrigado.
Maria Bettencourt
Saudades da Pastelaria Princesa onde muitas vezes fui lanchar.
Marilia Manuela Ventura Nunes Marques
Excelente texto! Saudades desta Pastelaria. Os pães de leite e o Bolo Rei.
Fatinha Ferreira
Como é bom rever e reviver lugares unicoa na nossa juventude. Manning saudades.
Nitin Parshotam
Muito obrigado – fortes emocoes. Um abraco a todos. Nitin Parshotam
Madalena
Foi bom recordar os velhos tempos. Obrigado
Katali
É sempre excelente reviver o passado em LM, e quando as memórias acrescentam, apenas uma palavra – Gratidão.
Já agora, uma sugestão para alguém que conhece o historial da Pastelaria Pigalle, cujo proprietário era o pai do Mário Rui e do João Cruz, assim como do Hotel Girassol, cujo proprietário era o pai do João Cerqueira.
Rui Martins
Mais uma das mais doces memórias de , infância e de adolescência ; para mim o folhado russo era o mais sublime. Anos depois(1977), vim reencontrar-me com esses sabores e suas lembranças, no Carvalhido, no Porto, durante alguns anos após o que por mudança de estado( casamento) e de cidade( vim para Braga)perdi o rasto . Parece que efetivamente encerrou definitivamente há alguns anos.
Tiago Moreira
Mais conhecida como Princesa de Lourenço Marques,no Carvalhido, era criança e andava ali perto na creche.Sempre comia os deliciosos bolos de arroz,longe de imaginar que viria anos mais tarde a viver em Maputo.
Helena Barreira (Baratinha)
Muito obrigada. Morava perto, na ex-Afonso de Albuquerque. Andava nos Velhos Colonos e no Liceu D. Ana. Os bolos de massa folhada eram uma delícia, bem como o pão!
Marilia Manuela Ventura Nunes Marques
Era mesmo assim! Os paezinhos e o bolo rei eram maravilhosas, com a fava e o brinde de louça embrulhado em papel celofane. Recordo a esplanada onde as mães nos esperavam, depois de sairmos do D. Ana da Costa Portugal.
Ricardo Quintino
Bons velhos tempos. Recordar é viver tempos inesquecíveis. Obrigado pela excelente reportagem.
Jorge Augusto Fernandes Messias
Óptima descrição da Pastelaria Princesa que me trouxe tão boas recordações, principalmente do tempo da recruta e especialidade em Boane, de onde vínhamos ao sábado ao fim da manhã e íamos à Princesa, depois de tirarmos a farda e tomarmos um banho a banquetearmo-nos ao almoço, com um “Bife à Princesa”, em que “ia tudo”, mesmo o molho com pão que não tinham de ser devolvidos à cozinha, com uma boa cerveja Laurentina, 2M ou Manica.
Dos tempos de estudante no Instituto Comercial, recordo o curso tirado a estudar no Safari, Cervejaria do mesmo Grupo Empresarial, localizada na 24 de Julho, ali próximo, do lado contrário da avenida e que era um local habitual onde a malta estudante se juntava, deixando parte da sala livre, segundo as orientações que nos eram dadas pelos empregados…
E recordo também, o falecido colega, António Manuel de Almeida Feijó, de mesa em mesa, a tirar-nos dúvidas sobre a matéria em estudo…
Recordei e “vivi” aqueles tempos.
Obrigado.
Antonio Mendes
Excelente descrição!
Obrigado pela recordação.