Praça 7 de Março “O berço da cidade”
Remota ao último quarto do século XIX, a chegada a Lourenço Marques, decorria o dia 7 de março do ano de 1877, de um corpo expedicionário de Obras Públicas, por determinação de João de Andrade de Corvo, um ilustre politico que acumulou a pasta da Marinha e Ultramar, e que tinha como missão organizar o planeamento e o traçado da cidade, após estudos preliminares do major António José Araújo. Lourenço Marques, então um lugarejo pantanoso na parte da Baixa, sofria a agressividade das marés do estuário, levando a que as poucas habitações de construção modesta, entre casas toscas de pedra, mal configuradas e algumas de madeira e zinco, vedadas com varas e folhas de caniço, tivessem que ser erguidas o mais afastadas da orla marítima. Como ponto de observatório do Largo da Baía, foi edificado o Presídio, um pequeno destacamento militar que simbolizava a presença portuguesa numa terra adormecida.
A bordo do vapor África, viajavam jovens engenheiros acabados de se formarem, chefiados pelo técnico militar Joaquim José Machado, pedreiros, calceteiros e outros artífices, incumbidos de dotar a pequena vila de uma malha urbanística moderna com perspetivas para o futuro.
Começaram de imediato os trabalhos do entulhamento da área do pântano, construindo-se pequenos tuneis e a compactação do mesmo. O cais, para poderem acostar navios de maior porte foi ganhando dimensão e a construção da via ferroviária para a Província do Transval, ainda antes do render do século, foram vitais para o fomento da economia da pequena povoação e o seu desenvolvimento posterior. No exterior, e aproveitando algumas árvores dispersas, trabalhadores portuários e operários das obras de construção civil, procuravam debaixo das suas longas folhas um lugar à sombra de forma a resguardarem-se do sol abrasador.
É a partir daqui que começa a ser projetada e delimitada, a Praça 7 de Março, que curiosamente começou por se designar por Praça Mouzinho de Albuquerque (conforme postais de souvenirs da época) e que vem depois a ganhar esse título, quiçá para recordar o célebre dia de 7 de Março de 1877, uma data inesquecível para a afirmação e identidade de Lourenço Marques.
A praça começou a ganhar forma e foi sendo empedrada com calçada portuguesa, equipada com bancos de ripas de madeira pintadas de vermelho assentes em estrutura metálica e com canteiros bem desenhados, contendo flores garridas e árvores tropicais. Estava ornamentado com candeeiros (umas relíquias) que transpareciam uma ténue luz fornecida pelo gasómetro instalado no cais, a quem os insetos fugidos da escuridão, por ali vagueavam e se colavam aos abajures. Viriam pouco depois a irradiar melhor iluminação, quando a eletricidade ali chegou. Ao centro da praça foi montado um colorido coreto.
À ponte cais, iam chegando muitos navios de carga que transportavam no seu interior módulos pré-fabricados em ferro e zinco, e os mais diversos materiais. Em maio de 1887, Lourenço Marques, era elevada a capital, em detrimento da Ilha de Moçambique, que acabava de perder esse estatuto. A via marítima e ferroviária, começavam a impulsionar o progresso e em volta da praça, os antigos carreiros tortuosos iam sendo alinhados e a darem lugar a arruamentos bem delineados, que desembocavam na Praça Mac-Mahon.
A futura avenida da República, ia despontado e a afirmar-se como a grande artéria da Baixa citadina.
Na Praça 7 de Março, nascia a avenida D. Luís, que se estendia até aos limites de uma zona ainda considerada arrabalde. No Transvaal, rebentara o conflito que opunha a Inglaterra aos bóeres, que marcou a transferência para Republica Sul-Africana, como território unificado. A Lourenço Marques, chegaram alguns milhares de bóeres, descendentes de holandeses e os que não quiseram ali permanecer partiram para Portugal, onde se fixaram em Cascais.
A entrada do século XX, alterou toda a fisionomia da urbe e mais protagonismo foi ganhando a jovem praça que estava intrinsecamente ligada à expansão da cidade. Os ventos do progresso sopravam dia a dia, impulsionados pelo crescimento em habitantes. O ritmo das construções, originou a montagem dos sistemas de água canalizada, postes e linhas de energia e o serviço de telégrafo. A companhia elétrica inglesa, The Delagoa Bay Development Corporation Limited, inaugura em 15 de Fevereiro de 1904 (segundo as crónicas da época), os carros elétricos que partiam da Gare, e para quem não se lembre estava localizada defronte do local onde mais tarde foi construído o Cinema Manuel Rodrigues. Do enorme barracão de chapa e zinco, partiam para a zona terminal na Praça 7 de Março, os populares Tramways elétricos, e logo houve que chamasse à praça o “Rossio” da cidade.
O espaço verde, via-se envolto em quiosques montados em material pré-fabricado e as esplanadas iam-se espalhando pela praça. No local, muitos populares iam discutindo a rebelião no sul da província, que ocorria na região de Gaza, reino do soberano Gungunhana e os muitos desvarios da monarquia portuguesa. Aos domingos, os residentes dirigiam-se para a Praça 7 de Março, envergando os homens os seus fatos brancos de sarja ou de linho, enfeitados com o laço e não faltando os modernos chapéus tipo panamá. As senhoras trajavam vestidos de seda compridos, as mais ousadas até à canela, e calçando sapatos brancos de fivela. Protegiam-se do sol, com chapéus brancos de capeline. Os homens formavam pequenos grupos dispersos sobre a calçada e não falando de nada, falavam de tudo. Os amigos do peito cirandavam em passo preguiçoso, os passeios laterais e entre diálogos duradouros e animados, perdiam-se no número de voltas percorridas. As senhoras sentavam-se nos bancos, e pelo meio das conversas, não deixavam escapar as saudades do seu torrão natal, nos lugares mais recônditos da Metrópole, e outras quase em surdina confidenciavam infelicidades conjugais. Pelo meio da tarde, tocava no coreto uma banda militar ou a dos ferroviários, levando a que os presentes fizessem uma espécie de guarda de honra para saudar os elementos fardados da filarmónica, e aplaudir as suas interpretações.
Já ao entardecer, as mesas rodeadas com cadeiras de verga, iam sendo ocupadas e oportunidade para se saborear um whisky velho com soda, ou umas apaladadas cervejas alemãs. Havia também um salão de chá para senhoras, com venda de diversa doçaria. No restaurante a dois passos, inalava-se a partir do exterior o cheiro de caril, preparado a rigor como na Índia, à base de frango, camarão e caranguejo, sendo necessário esperar para se arranjar mesa. A praça era também a sala de visitas, dos muitos passageiros que viajavam para Moçambique, nos paquetes a sulcarem o mar, durante quase um mês ou talvez até um pouco mais. Ao atracarem eram lançadas para bordo, serpentinas em sinal de boas-vindas. Depois do desembarque, rumavam para junto do coreto onde a banda tocava a preceito.
Mas como a música não enche barriga, seguiam-se as tradicionais merendas, onde conterrâneos e famílias punham a conversa em dia. Finda a confraternização, funcionava a natural cortesia que sempre caraterizou os laurentinos, onde quase todos disponibilizavam ajuda e alojamento para os primeiros dias, aos recém-chegados.
Na verdade, a Praça 7 de Março, era um ponto de encontro de grupos de amigos e nas palavras de muitos pioneiros, todos pareciam ser uma só família. Diziam eles que nas noites de fim- de-semana, os elétricos perfilavam-se na praça e pelas vinte e três horas e trinta minutos (ultimo trajeto) iniciavam a marcha para a zona do Alto-Maé e Polana, transportando passageiros que iam alinhando em fila. Aquando da implantação da República, a praça foi palco de inflamados comícios, com os militantes republicanos a propagarem o novo ciclo politico, assobiados a espaços pelos que defendiam a monarquia.
Também tenho a Praça 7 de Março na minha memória, numa versão mais recente e já longe dos seus tempos remotos, tendo como companhia prédios novos, representativos da influência da arquitetura moderna, e lojas comercias.
O Café Nicola, onde eu comia uma torrada acompanhada de uma meia de leite, acabou por não resistir à concorrência das esplanadas da Baixa citadina.
Como forma testemunhal dessa lendária saudade, só mesmo a Fortaleza que foi edificada sobre as ruinas do Presidio
e a renovada Casa Amarela, antiga residência dos governadores e transformada depois em sala de exposições.
Com a expansão da cidade, os seus habitantes foram-se dispersando e aquela praça verdejante e sossegada, berço histórico que a embalou com ternura, foi perdendo fulgor, mas nunca a sua história. Quem nos últimos tempos por lá passava, jamais poderia imaginar o que ela foi e significou na vida de Lourenço Marques, enquanto pequeno povoado.
- Algumas fotos e respetivas legendas foram retiradas com a devida vénia dos blogues: The Delagoa Bay World e House of Maputo
Manuel Terra – Março de 2021
13 Comentários
Orlando
Recordar e viver. E tudo como um sonho de recordacoes. Porem hoje ainda vivem quem se lembra do que era Lourenco Marques. Porem, terramotos, tsunamis politicos por la passaram… alem de lhe trocarem o nome, hoje ate perdeu as suas origens… mas FELIZMENTE o que nada mudou, foi aquela imagem que ela sempre nos perpetuou… sim, como menina bonita que a todos encantava, coma sua graca e com um lindo sorriso… sim um sorriso de mulher…
Orlando Valente
O PRIMEIRO COMENTARIO E DE ORLANDO VALENTE.
A TODOS BEM HAJAM
José Alexandre Bártolo Wager Russell
A praça 7 de Março que conheci já era a dos anos 60. Ia com os meus pais, e amigos deles. Tudo porque íamos para as mesas da esplanada do Café Nicola. Lembro-me de lá brincar com os filhos desses amigos.
Lembro-me igualmente de, por cima do Café haver um salão de bilhares e ir lá espreitar. Eramos miúdos e não nos deixavam lá estar, a não ser acompanhados por um adulto. E tínhamos de estar quietinhos.
Uma bela resenha do que foi a praça nos anos 20 e até aos anos 60, que desconhecia. Obrigado. Parabéns.
antonio Ughetto
assisti a essa mudança creio que já trabalhava no Standart Totta quando foi inaugurada o BCCI ..
Augusto Rodrigues
Excelente trabalho. Parabéns ao autor.
José Miranda
Quem como eu,outros como eu ,todos temos claro memórias fantásticas dessa colonia,e desse grande país
Tenho um descendente que nasceu na Avda Pinheiro Chagas,na clínica Ema Machado da Cruz
por cima do restaurante Ponto final,
Francisco Duque Martinho
Óptima reportagem. Parabéns ao autor.
f.ramos34@hotmail.com
Saudades e mais saudades. Dá gosto vêr a Casa Amarela que se mantem original e onde funcionou a 1ª. Esquadra da P. S. P.. Recordo a demolição do Building e os carris na 24 de Julho.
ABM
Maravilha, parabéns, enchi o olho.
ABM
antonio Ughetto
ainda resedi em 1951 a 1953 no edifício da Capitania 1andar virada para a Praça 7 de Março quase em frente da estátua de Antonio Enes.. teria eu cerca 8 anos. Assisti a sua demolição mas não liguei muito porque estava abandonada há algum tempo (quase em ruínas)
Augusto Martins
MUITO OBRIGADO ao MANUEL TERRA e ao BIGSLAM.
Ao primeiro, pelo minucioso trabalho apresentado e que todos temos o dever de aprofundar. Ao segundo por se ter tornado um imprescindível veículo de culto respeitoso por aquela terra em que nasci, vivi e onde estão enterradas duas gerações dos meus antepassados.
Este artigo é uma página da história real da cidade, que os meus olhos ainda conseguem testemunhar, como o “Capitania Building”, a muralha sul da fortaleza e alguns pequenos apontamentos da Praça 7 de Março, onde ainda se faziam e eu assiti, nos anos 40, a Feiras Populares com “barracas de petiscos regionais e vários entretenimentos.
Já anteriormente fiz algumas pesquisas sobre a minha velha Lourenço Marques (quer na biblioteca da Sociedade de Geografia, quer em alguns dos vários livros antigos que tenho), mas tive o prazer de vir encontrar, neste artigo, alguns pormenores importantes, que desconhecia.
Com a necessária indicação da autoria e origem desta informação, tomo a liberdade de fazer uma impressão, para acrescentar à minha coleção privada de lembranças sobre a nossa cidade, porque considero ser este um documento necessário para que as novas gerações possam ter uma noção da realidade que produziu a existência daquela cidade.
Um grande abraço de profundo agradecimento a todos os intervenientes.
L.andre32@gmail.com
Recordar é viver, amigos. Vamos matando saudades que jamais esquecerão. Infelizmente estragaram tudo e nunca mais recordarão. Lamento muito.
Isabel
O café Nicola, passou mais tarde a ser o BCCI – Banco de Crédito Comercial e Industrial, onde trabalhei!
Muitas vezes cruzei esta Praça 7 de Março!
Saudades!