OS PESOS E HALTERES, A FUNÇÃO CARDIOPULMONAR E O DOUTOR COOPER (2)
“Os processos da ciência são característicos da acção humana, porque se movem pela indissolúvel união do facto empírico e do pensamento racional” (Jacob Bronowski, 1908-1974).
Nota introdutória: Por muitos considerado o maior culturista de todos os tempos, Arnold Schwarzenegger ( aqui fotografado na sua época áurea e nos dias de hoje ) nasceu na Áustria em 1947, naturalizado norte-americano, culturista profissional, actor em Hollyood, Governador do Estado da Califórnia, Mr. Universo e Mr. Olympia sete vezes consecutivas. Em época recente, teve sérios problemas do foro cardíaco induzidos, ao que se sabe, pelo uso de esteróides anabolizantes que podem provocar, para além disso, doenças hepáticas graves (cirroses e neoplasias) e infertilidade nos homens..
Acresce que a vida desportiva dos culturistas de competição é, de uma forma geral, de curta duração pelos efeitos provocados por esses factores de risco, exceptuando-se, todavia, o caso do culturista , com 80 anos de idade, considerado na Net como o culturista mais velho do mundo em competição, mas em que os efeitos de um envelhecimento precoce são visíveis:
Contrariamente, os culturistas moçambicanos testados nunca fizeram uso de substâncias químicas perigosas. No meu caso pessoal, com 81 anos de idade, mantenho-me em plena actividade física com três treinos semanais de pesos e halteres com os resultados atestados na fotografia abaixo (tirada, em Agosto último, com os músculos em semi-contração):
II- ESTUDO SOBRE OS PESOS E HALTERES NOS VALORES DAS PRESSÕES ARTERIAIS MÁXIMA, MÍNIMA E DIFERENCIAL ( breve extracto da minha Comunicação no “V Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa”, 24-28 de Março, 1997, Maputo/Moçambique):
Em início da década de 70, afirmou Cooper que “os levantamentos de peso não aumentam o fluxo da corrente sanguínea” e que “o levantamento de peso é, definitivamente dirigido apenas para os músculos e quase não tem efeito de treinamento no coração e nos pulmões”. Mas, todavia, nem sempre, para utilizar uma linguagem popular, “ batia a bota com a perdigota” no confronto destas suas duas opiniões:
- 1. “Em qualquer fortalecimento dos músculos, como levantamento de peso, você cria um tecido mais grosso, mais unido, que tende a estender os vasos sanguíneos existentes, sem acrescentar novos para servir o organismo. Tal tecido tem mais dificuldade em receber oxigénio das vias de fornecimento em todas as ocasiões”.
- 2. Um dos testes mais interessantes e famosos realizados neste campo foi relatado por um pesquisador que colocou um peso no chão, amarrou nele uma corda, passou a mesma por cima de uma roldana pregada à extremidade da mesa e amarrou a corda em volta do dedo médio da mão direita. Então, com o tempo marcado por um metrónomo, começou a levantar o peso. Na primeira vez, e por muitas semanas adiante, o máximo que podia fazer eram 25 suspensões antes que o dedo ficasse cansado. Para ampliar a prova pedia, de vez em quando, a um mecânico que vivia no prédio para levantar o peso e ele sempre o derrotava. Certo dia, passados uns dois meses do início da experiência, descobriu que o dedo após 25 suspensões não se cansava mais. Continuou e finalmente chegou a fazer 100. Desconfiou do que acontecera e levou a experiência a uma conclusão bastante indefinida. Convidou novamente o mecânico e apostou que o derrotaria. O mecânico aceitou e perdeu”
Repare-se agora a explicação dada para o facto por Cooper: “Naturalmente aquilo de que o pesquisador desconfiou foi a vascularização dos músculos do dedo – haviam sido abertos mais vasos sanguíneos, oxigenando novas rotas para levar mais oxigénio e parece que não surgiu um de cada vez, mas um conjunto de cada vez…Esta vascularização é o factor mais essencial na formação da resistência e na redução da fadiga dos músculos do esqueleto saturando o tecido com oxigénio e eliminando mais resíduos; é também um factor extremamente vital para a saúde do coração, o mais importante dos músculos. Maior número de vasos sanguíneos ou vasos sanguíneos maiores fornecendo ao tecido do coração mais oxigénio, para produzir energia, reduzem bastante as probabilidades de qualquer perturbação cardíaca E mesmo se tivesse de ocorrer um ataque cardíaco, o suprimento de sangue melhorado ajudaria a manter o tecido em volta do coração sadio e aumentaria a chance de recuperação mais rápida”.
Repito, não batia a bota com a perdigota. Ou seja, o investigador atrás referido por Cooper, mais não praticara do que levantamento de um peso com um dedo conseguindo resultados valiosos enquanto que o culturista que, por exemplo, flexiona os músculos bíceps contra a resistência de halteres contribui para o respectivo prejuízo vascular, como se os princípios fisiológicos que presidem à contracção dos músculos flexores do dedo médio da mão não fossem os mesmos que regem a contracção do bíceps e do braquial anterior!
Impunha-se-me, portanto verificar a validade destas asserções proferidas por uma sumidade no treinamento físico dos astronautas americanos, merecedor de uma comenda conferida pelo Presidente dos Estados Unidos pelos marcantes serviços prestados à causa da aptidão física do povo americano, através de testes que envolveram mais de 5.000 “cobaias” humanas! Inclusivamente o senador americano William Proxmire torna-se pródigo em elogios a Kenneth Cooper quando escreve sobre o livro “Aptidão Física em qualquer idade”
(Forum Editora, Rio de Janeiro, 1972):”Um notável livro e uma valiosa contribuição para uma América mais sadia. Tenho a certeza de que quando o livro for um ‘best-seller (e quanto a isso não tenho a menor dúvida) irá contribuir mais para a saúde e longevidade dos americanos do que qualquer outra descoberta ou realização do ano no campo da Medicina”.
Escreveu Ortega y Gassset: “Surpreender-se é começar a entender”. Impunha-se-me, como tal, passar da surpresa ao entendimento e nada mais efectivo que me embrenhar num campo experimental pouco explorado.. Foi o que fiz com o estudo que passo a relatar com incidência nas variações hemodinâmicas do fluxo sanguíneo produzidas pelo treinamento com pesos e halteres.
Metodologia:
– O esquema-tipo, com a duração de 40 minutos, executado em 3 séries de 10 repetições, com cargas máximas, constou dos seguintes exercícios: 1. Press (ombros); 2. Bench press (peitorais); 3. Remada (dorsais): 4. Curl (braços); 5 . Sit-ups (abdominais); 6. Squat (pernas).
– Antes do início, duração e final do treino (realizado no Ginásio do Clube Ferroviário de Moçambique, em 9 de Julho de 1973, com início às 19 horas)) foram registados os valores das tensões arteriais pelo médico Jorge Pessoa Monteiro, assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lourenço Marques, coadjuvado pelo finalista dessa mesma faculdade, Raul Silveira.
– O treino e os exames médicos realizaram-se depois de um dia de trabalho profissional, o que acrescido a um natural nervosismo pela presença dos examinadores terá tido influência emocional não verificadas em condições normais de treino.
– Repouso entre séries: condicionados pelo material de pesos e halteres existentes, os culturistas testados foram divididos em grupos de 3 e o descanso entre as séries foi pautado pelo tempo de execução do exercício por parte dos dois companheiros de cada grupo. Em condições habituais, o treino realiza-se em grupos de dois sendo o descanso entre as séries mais curto e, em consequência, mais expressivos os valores das tensões por um trabalho cardiopulmonar mais intenso.
– Participaram nesta experiência culturistas não testados anteriormente no Teste de Cooper, levado a efeito no Parque José Cabral (relatado no post anterior), a saber: João Coelho, 32 anos de idade e 6 meses de treino); Ali Jamal (24 anos e 2,5 anos de treino); Manuel dos Santos (19 anos e 2,5 anos de treino); Alberto Santos (24 anos e 9 meses de treino); Mário Oliveira (18 anos e 6 meses de treino). Houve elementos testados em 1972 no Parque José Cabral que não participaram por impedimentos vários.
Nos quadros seguintes serão registados os diversos valores das tensões arteriais máxima, mínima e diferencial
QUADROS DAS TENSÕES
QUADRO I
Valores das tensões máxima, mínima e diferencial
QUADRO II
Relação diferencial repouso / pós-treino
INTERPRETAÇÃO DOS VALORES TENSIONAIS EM REPOUSO E PÓS-TREINO
a) Em repouso, os valores tensionais enquadram-se nos “padrões para o ‘statu’ de voo da Força Aérea americana: até à idade dos 35 anos, menos 140/90, entre 35 e 45 anos, menos de 150/90, e acima de 45, menos de 154/94, é aceitável” (“Aptidão Física em Qualquer Idade”, Kenneth Cooper, p. 41). O valor da tensão arterial mínima de Alberto Santos ( 95 mm/Hg.) é a excepção que para ser confirmada deveria implicar novas medições; por outro lado, o facto de ele treinar só há 9 meses poderá justificar uma fraca elasticidade das artérias.
b) Apud Silva Rocha ( “Medicina Desportiva”, Rocha, João Silva, “Edição da Federação Portuguesa de Futebol”, 1961), “num trabalho intenso a diferença da tensão arterial máxima, em repouso e depois do esforço, pode ir até 12 a 15 cm., e por vezes, ainda mais”.
c) Em cm Hg, a diferença entre a tensão arterial máxima, antes do início e o final do treino, cifrou-se nos seguintes valores: José Guimarães, José Coelho, Ali Jamal, António Marques e Alberto Santos (2.0 ); Rui Baptista e Mário Oliveira e Manuel Santos (1.5 ); Manuel Santos (1.0);Jaime Gouveia (-0.5 ).
d) Em idêntica situação, “a pressão arterial mínima varia pouco com o esforço muscular contrariamente ao que sucede com a pressão máxima: uma modificação de ou 4 cm de mercúrio pode considerar-se uma modificação importante”.
e) Em cm Hg, a diferença entre a tensão arterial mínima, antes do início e o final do treino, cifrou-se nos seguintes valores: José Guimarães, Manuel Santos e Mário Oliveira (1.5 ); Rui Baptista, José Coelho e Jaime Gouveia (1.0 ); António Marques (0.5 ); Ali Jamal e Alberto Santos (0).
f) “A tensão diferencial, mais do que a máxima ou a mínima, é o melhor elemento para julgar a maneira como o organismo reage ao esforço físico; desde que a pressão diferencial se mantenha ou aumente, a situação é excelente quaisquer que sejam os outros elementos da pressão arterial; quando ela diminui, para o mesmo trabalho, seja pelo abaixamento da máxima, seja, mais frequentemente, pela elevação da mínima é um sinal de fadiga; a pressão diferencial poderá variar desde 7 ou 8 cm de mercúrio nos esforços de média intensidade, até atingir 16 cm, e por vezes mais nos esforços mais intensos”.
g) Em cm Hg.,a tensão diferencial, antes do início e o final do treino, cifrou-se nos seguintes valores: José Guimarães (3.5); José Coelho e Mário Oliveira (3.0 ); Rui Baptista, Manuel Santos e António Marques (2.5 ); Ali Jamal e Alberto Santos (2.0 ); Jaime Gama (0.5 ).
De uma forma geral, pode assim ser traduzida a acção do treino com pesos e halteres sobre a função cardiovascular: 1. O volume sistólico (quantidade de sangue lançado na corrente sanguínea em cada sístole) aumentou substancialmente; 2. Através dos valores da tensão arterial mínima – tradutora do bom estado das artérias – ficou demonstrada a “saúde” da árvore vascular para veicular o aumento do fluxo sanguíneo ; 3.Da adaptação cardiovascular se infere a capacidade de transporte de oxigénio ao nível do tecido muscular e pelos resultados do “Teste de Cooper”, realizado anteriormente no Parque José Cabral (descritos no meu post anterior), o seu muito satisfatório índice.; 4. As modificações hemodinâmicas correram em paralelo com uma melhor ventilação pulmonar, denunciada pelos valores do perímetro toráxico diferencial e capacidade vital obtidos nas medições realizadas, também elas, no Parque José Cabral.
Embora sendo sabido que o aumento volume/minuto (quantidade de sangue ejectada num minuto) nos atletas treinados se faz essencialmente através do aumento da onda sistólica (quantidade de sangue ejectado em cada batimento cardíaco) e não do aumento da frequência/minuto do pulso, registaram-se contudo estes dados aferidores da boa forma dos culturistas testados, estabelecendo-se a respectiva relação diferencial entre o início e o fim da realização do esquema-tipo. Assim:
QUADRO DAS PULSAÇÕES
Last but not least, escrito pelo Engenheiro Rogério de Carvalho, também ele praticante de pesos e halteres, refiro o posfácio ao meu livro “Os Pesos e Halteres, a Função Cardiopulmonar e o Doutor Cooper”. Texto que muito honrou, e prazer não menor me trouxe, por ver rios de outras fontes do conhecimento (e aqui recordo o meu companheiro assíduo dos “ferros”, tão ferrenho como eu próprio, o médico Tito de Morais, do “Instituto de Investigação Médica de Moçambique”, que me acompanhou em conferências, não isentas de divergências pontuais entre nós, sobre esta polémica matéria na “Associação de Naturais de Moçambique”) desaguarem no mar quase desconhecido, direi mesmo tenebroso, de uma malvista modalidade desportiva que acirrava a desconfiança de colegas meus de profissão – e da própria Escola onde me formei (INEF) – que me tinham como uma espécie de renegado, ou verdadeiro apóstata, olhando-me de soslaio do alto das suas “cátedras” de fervorosos adeptos da Ginástica Sueca ou de actividades desportivas de “gentlemen” da” Velha Albion” ou do tradicional meio universitário do outro lado do Atlântico de uma pujante e rica América. Este, o texto integral do posfácio supracitado:
“Se as conferências, sobre pesos e halteres, do Dr. Rui Baptista tiveram o seu mérito assegurado, pela autoridade do conferencista, a publicação deste livro, nem por isso, se deixava de impor como primeiro contragolpe em defesa da caluniada ginástica com pesos, como concreto e valioso passo para retirar a modalidade do campo sempre impreciso do empirismo e como meio de libertar os cultores mais timoratos da preocupação subconsciente pelo futuro dos respectivos e preciosos sistemas cardiovasculares.
Ainda que circunscrito, quando mais não seja pelo título, a um domínio restrito, o estudo do Dr. Rui Baptista atinge o ‘coração’ do problema. Este mais um dos seus inegáveis merecimentos: a reputação dos pesos e halteres, aliás como muitas outras reputações, anda entregue ao virulento boato e a imprecisões tendenciosas; dir-se-ia mesmo que o cultivo dos ‘ferros’, imerecidamente reacendendo a brutalidade à origem plebeia dos Hércules de feira, se opõe, no consenso burguês, herdado do século XIX, ao culto das coisas do espírito que, por sua vez, e não se sabe bem porquê, se associa à palidez e à debilidade do corpo.
O saudável desenvolvimento muscular é, no vasto e alheado mundo dos que ignoram os ginásios, indício de falta de sensibilidade e tacanhez de inteligência. E quero lembrar que, de entre as acusações, já de âmbito académico, atribui-se à ginástica o malefício de tornar mais ansiosos os tensos e mais neuróticos ou deprimidos, graças a um qualquer e desconhecido processo de contracção muscular.
Mas onde, em absoluto, os pesos e halteres parecem não ter absolvição possível é no que respeita ao coração que ‘arruína’ e aos pulmões que ‘arrebenta’. Rui Baptista, seu público defensor, fez mais do que atingir tecnicamente o centro de gravidade dos meios de detracção: opõe-se com ousadia, estribada no conhecimento e na investigação, ao doutor Cooper, estrela de momento, formidável adversário dos pesos e halteres pelos recursos à americana de que dispõe e pelo prestígio da astronáutica a que está ligado.
Este estudo permitirá, mais do que o conseguiram, sem dúvida, esclarecedoras conferências, desfazer tabus e atrair à modalidade a legião de tímidos que a maledicência arreigada dos tradicionalistas vem assustando.
Rui Baptista é, dada a natureza da luta e dos adversários, mais do que um técnico – é um cavaleiro andante; cavaleiro andante de uma cruzada tão útil e nobre que todos nós, sectários quase inatos da mesma seita, só lhe podemos louvar os justos e autorizados golpes de montante que, com os riscos que correm todo o apóstata, vem desferindo por uma causa que há-de acabar por vencer, através de todas as modas, no fundamental campo da cultura física com PESOS E HALTERES!”