Restaurante Costa do Sol
Dos locais conhecidos e afamados da então cidade de Lourenço Marques, o Restaurante Costa do Sol era um deles. Tal resultava dos pratos que lá se podiam comer ao almoço ou ao jantar, dos bailes ao sábado à noite, da sua localização privilegiada à beira praia, e da demanda pelos habitantes da cidade, mas não só, nomeadamente pelos turistas sul-africanos.
Localizava-se no final da avenida marginal, de fronte da praia da Costa do Sol, com a avenida marginal de permeio. Foi mandado construir por três portugueses em 1937, inaugurado em 1938, e em 1939 foi adquirido por um grego, todos radicados em Lourenço Marques.
Restaurante que a muitos terá deixado boas recordações, sejam do bom comer, do convívio à mesa, ou de outras razões mais. Recordar é viver, e é bom conhecer.
A história da sua vida não é conhecida de todos, e justifica que o seja. Esta foi a motivação para a escrita deste meu artigo.
Para tal, socorro-me de um texto da autoria de João Correia Vieira, publicado no blog Moçambique Para Memória Futura, que a seguir passo a transcrever com a vénia que é devida:
“Neste ano (1938), a estrada asfaltada inicial a partir do Peters/Ponta do Mar atingiu a Costa do Sol. A construção do restaurante iniciou-se em 1937. Foram seus primeiros donos o Sr. Oliveira (da Auto-Pronto), o Sr. Santos (gerente da Fábrica das Massas), o Sr. Boavida (da Casa Vidago) e o Sr. Tavares (oficial maquinista de um costeiro).
O edifício foi comprado em 1939 por Gerasimos Petrakakis, de nacionalidade grega, que chegara a Lourenço Marques em 1938. Petrakakis introduziu melhoramentos e sucessivos aumentos, chegando a transformar o restaurante em hotel.
Em 1938, Petrakakis deixou Rethymo, na Grécia, e emigrou para Moçambique, após convite do seu tio Kyriakakis para trabalhar no Hotel Central. No entanto, passado pouco tempo Petrakakis decidiu abrir o seu próprio negócio. Comprou um antigo salão de chá e pediu emprestado ao seu tio o equipamento necessário, tais como talheres, mesas e cadeiras, de maneira que em 1939 o “Costa do Sol” abriu portas.
Indubitavelmente, o mais famoso e um dos mais antigos restaurantes de Lourenço Marques, que se transformou num ponto de referência da Cidade até 1975 e muito para lá desta data, foi o “Costa do Sol” de Gerasimos Petrakakis.
Na ponta norte da Avenida Marginal, permanecia aberto durante o dia e de noite, servindo os clientes do casino adjacente. De início, era somente servido chá. Pouco depois, o “Costa do Sol” transformou-se em restaurante e mais tarde Petrakakis também construiu o hotel. Nessa época, as infraestruturas em Lourenço Marques eram escassas, o fornecimento de água e energia mais próximo ficava a 9km!
Mesmo assim, perante estas dificuldades, Gerasimos Petrakakis manteve o restaurante aberto 24 horas por dia, servindo os “camarões à Lourenço Marques” que acabariam por se tornar o prato mais famoso do restaurante.
O “Costa do Sol” ganhou também fama pelo divertimento que oferecia, apresentando espectáculos com dançarinas dos cabarets da Cidade.
Nas décadas seguintes, a elite política e empresarial, não só de Lourenço Marques mas também da vizinha África do Sul, passou a frequentar o restaurante grego. Por ali passaram espiões nos anos 30 e 40, personalidades políticas, como a família real Swazi ou astros da música como Tom Jones em décadas posteriores, que o “Costa do Sol” acolheu nas suas salas bem como na típica varanda Arte Deco com vista para o Índico e para a Ilha Xefina.
Ao longo dos tempos tornaram-se uma tradição as festas de casamento e os bailes ali oferecidos aos clientes, momentos inesquecíveis para quem lá dançou valsas, tangos, rumbas e outras danças de salão.
O Restaurante Costa do Sol, gastronomicamente, ficou famoso e marcado por um único prato de marisco: Camarão Tigre Grelhado, ou, como dizem os anglo-saxónicos que o tornaram conhecido em todo o mundo, “LM Prawns”. Em Lourenço Marques, o restaurante do grego Petrakakis estabelecia o padrão, era o pináculo do camarão tigre, servido grelhado (ou assado) na brasa!
Mas não se comia excelente camarão tigre grelhado na Cervejaria Piri-Piri, na Cervejaria Nacional e em tantos outros “templos” do marisco em Lourenço Marques? Com certeza que sim!
Porém, e há sempre um “porém” ou um “mas”, não é só da matéria prima (sólida e líquida) e da sua preparação que o espírito se alimenta! No ritual da degustação que eleva o espírito do comensal, impelindo-o para o divino através de sensações do palato que atingem êxtases sublimes, são também centrais e influentes o espaço onde ele tem lugar, o ambiente do interior e a largueza, riqueza e qualidade visual da envolvente exterior, a localização!
E em todos estes três factores acrescidos, nada em Lourenço Marques, durante décadas, chegava perto daquele restaurante grego na Costa do Sol!
Ali – olhando a Baía do Espírito Santo e a vasta superfície de água índica em tons de azul e cinzento a perder de vista, onde ancoravam os navios antes de acostarem ao Cais Girão, em frente ao enorme parque de estacionamento enquadro por dunas e casuarinas – sentados na ampla sala interior ou na varanda da esplanada elevada no exterior, não era somente o repasto dos frutos do mar que surtia o efeito mágico! Era além disso, muito por “culpa” do serviço de mesa polido, dedicado e profissional, o sentimento que se era, até se sair depois de pagar, a pessoa mais importante do mundo!
E a sofisticação emergia, fazendo esquecer que estávamos em África, no fim da noite de luar na varanda ao sabor de um bom uísque, observando o movimento dos transeuntes, o mar e os barcos ancorados na baía …
O Restaurante Costa do Sol continua a funcionar em Maputo, se bem que já não propriedade da família Petrakakis.
Segundo nos contam testemunhos que o visitam, continua a oferecer um magnífico cardápio, adequado às emoções fortes, onde se destacam a salada Roquefort e o Marisco Misto à Costa do Sol.
Fim de transcrição.
Com todo gosto aqui deixei um testemunho de como a minha cidade natal foi construída do nada. Neste caso, por gente vinda de paragens longínquas, sem fortuna mas com espírito trabalhador, empreendedor e de sacrifício.
Que a História de Moçambique não se esqueça de todos os que o construíram.
Fontes da fotos: HousesOfMaputo, BigSlam, Delagoa Bay.
Pierre Vilbró, Maio 2022
10 Comentários
João Nogueira da Costa
A pedido de Emanuel Patrakakis, transcrevo o seu e-mail de hoje, 29.10.2023:
Emmanuel Petrakakis
dom, 29/10/2023 09:46
Carissimo Joao
Muito obrigado por teres mandado este artigo eu nao tenho facebook pelo que peço da minha parte de introduzir nos comentarios esta minha contribuição:
“Excelente artigo sobre o restaurante ficamos muito agradecidos um resumo bem elaborado do que em 72 anos de trabalho árduo de aqueles que la dedicaram uma vida inteira. Tivemos tambem a honra de ter a clientela ao longo dos anos que prestigiaram o restaurante nos seus altos e baixos.
Juntos todos que por la passaram e subiram aquelas escadas circulares fizeram com que o restaurante forjasse a sua historia acompanhando tambem a historia de Mocambique. Estamos a elaborar um livro com fotos sobre o restaurante em breve informamos quando pronto.
Um enorme Kanimambo ao Pierre.”
forte Abraco
Emanuel Petrakakis
watsap 00258 84 8259419
Manuel Martins Terra
Acho que os atuais proprietários do Restaurante Costa do Sol, são os filhos do Sr. Rocha, que detinha o Hotel Limbombo, o antigo e o novo construido na década 70, na Vila da Namaacha. O Costa do Sol, continua uma referência e aconselha-se.
Zé Carlos
Podia falar horas e horas sobre a Costa do Sol e o Costa Sol, pois as boas recordações são incontáveis.
Relato os seguintes pequenos episódios porque estão vivamente gravados na memória. O meu Avô chegou a Moçambique com o Corpo Expedicionário em 1916. Esteve destacado em Quionga e no fim da Guerra em 1918, radicou-se em LM.
Quando tinha os meus 4 e 5 anitos já ele estava reformado e quando podia, começou a levar me a sítios para mostrar o desemvolvimento e a explicar como era ‘antigamente’.
Nessas andanças, fiquei a conhecer muita história desde desemvolvimento e quando andávamos a ver as antigas salinas ou as obras do canal de escoamento das águas das chuvas que anualmente inundavam os bairros pobres a camingo do
e ficava um lago autêntico ao longo da Av. de Angola, Av. do Brasil, bairro do Caniço e por ali fora, invariávélmente, no fim das voltas íamos ao restaurante Costa do Sol onde o Avô era um cliente bem conhecido do Sr. Petrakakys, pois nós frequentava-mos o seu restaurante regularmente em grande grupos de família.
Voltando aos passeios, lá ficáva-mos a recuperar e geralmente para mim mandava vir prego no pão e uma CocaCola e o ‘velhote’ miúdos de galinha em molho de piri-piri ‘extra hot’ e vinho branco.
Do lado de lá da ponte de madeira, no bairro dos Pescadores, todos os anos íamos a casa de uns amigos do Avós fazer uma festa onde ficáva-mos de um dia para o outro, nós, os miúdos acampava-mos no quintal e entre as muitas iguarias, era sempre servido leitão assado à moda de Angeja, o meu Avô era originário dessa Vila e sabia os segredos da gastronomia Angejense.
Uma das tarefas entregue a garotada era ir a pé com o recado para ir buscar pedras de gelo ao restaurante Costa do Sol com caixas forradas por dentro a chapa de zinco.
Estive várias vezes no Costa do Sol depois do reboliço, sendo a ‘1ra vez’ em ’92 quando começou a normalizar a situação com a A. do Sul e onde fui servido por um empregado que se lembrava dos meus Avós e família, o Sr. Alberto se não me engano. Nessa altura já era filho, Manny se a memória não falha, que estava encarregado do negócio, mas notava-se muito os efeitos causados pela situação sofrida naquela altura, mas a qualidade gastronómica ainda estava presente.
Subsequentemente com o melhoramento, o Costa do Sol também beneficiou. Já não vou a Maputo a nice anos e fiquei aqui a saber que a família Petrakakys deixou o Costa do Sol.
É o fim de uma era, agora recordada por quem ela passou.
Fernando Abreu Costa
Um pequeno detalhe do vosso artigo fez-me recuar 72 anos nas minhas memórias infantis, quando descrevem a estrada que ligava o Peters e o Restaurante Costa do Sol… pois em 1950 o ponto alto para mim (com 3 anos) era ir ver os macacos a saltitar nas árvores ao longo das dunas que escondiam a praia, sendo o caminho de areia muito branca e não alcatroado.
emanuel petrakakis
Excelente artigo sobre o restaurante fico emocionado e agradecio pelo lindo resumo de mais de 80 anos de trabalho arduo da minha familia que transportou nos atraves dos varios momentos historicos da nossa querida cidade.
Aproveito para anunciar que estamos a montar um livro de fotografias com algum texto e gostariamos de incluir este seu artigo. Meu mail epetrakakis@gmail.com para quem tiver fotos.
Fernando Almeida
Lembro-me de ir várias vezes ao Rest. Costa do Sol comer o caril de caranguejo e os celebres camarões tigres grelados. A seguir atravessava a ponte e ia comprar as ameijoas grandes pretas, que grandes caldeiradas. Bons tempos que já não voltam,
O que é bom acaba depressa.
Rafael Rodrigues Nunes
Existem tantos lugares que frequentávamos, mas cuja história desses locais desconhecemos.Gostei imenso desta descrição.Venham mais.Estive lá em 2007 quando revesitei Moçambique e havia nas redondezas um mercado de peixe e um restaurante artesanal onde se comia o peixes acabado de pescar que desviava muita gente para lá.
Francisco Duque Martinho
Lembro-me perfeitamente de, com alguma frequência, ir com os meus Pais ao fim da tarde “petiscar” ou jantar à Costa do Sol. As memórias percorrem praticamente toda a minha juventude, desde anos 50/60, tendo bem presente, para além dos camarões, os magníficos caranguejos, grandes e com imensa carne, que ali se comiam. O meu Pai, bom garfo e amigo de Petrakakys, era sempre “mimoseado” com um queijo grego de que não sei o nome, mas muito apetitoso. Boas recordações de bons tempos !
Manuel Martins Terra
Caro amigo Pierre, uma excelente recordação do Restaurante Costa do Sol, que fez parte de alegres confraternizaçoes e muitos bailaricos, que fizeram furor entre os laurentinos. Lembro-me de em tempo de férias escolares, apanhar o machimbombo da carreira 17, que vinha do Alto-Mae até ao terminal defronte do Restaurante, para uns mergulhos na praia fronteiriça e pescar umas pescadinhas, a partir da velhinha
ponte de madeira, que dava acesso à Aldeia dos Pescadores. Mais tarde e pouco antes do regresso a Portugal, eu e um grupo de amigos gastavamos os escudos que ainda nos restavam nos bolsos, em mariscadas e naqueles pratos de amêijoas gigantes, bem regados com limão, piripiri e coentros, com a Laurentina ou a 2M, a servirem de extintores. Da esplanda, como era agradável sentir a brisa do mar. Bons e velhos tempos, para sempre recordar. Um abraço amigo, Pierre por esta evocação que tanta saudade nos traz.
ABM
Muito bem,