Orlando: Rei numa família de Condes
Metro e noventa e picos, andar lento e gingão, pouco mais de cem quilos, eis Orlando Conde, o mano mais velho dos irmãos Conde, de onde se destacou Chiquinho. Para a maioria dos beirenses, o seu talento ter-lhe-ia permitido ir bem mais longe, mas acabou passando ao lado de uma grande carreira, devido ao “fecho de fronteiras” que vigorou no pós-Independência.
Segundo filho do “clã” Condes – 7 rapazes e uma rapariga – o nosso personagem é uma das le(ge)ndas vivas do desporto moçambicano pelo que fez nas três modalidades que praticou: futebol, atletismo e basquetebol. Soube acautelar o futuro, sendo nesta altura um empresário de sucesso. Por tudo isso, ganhou o estatuto de rei, numa família de Condes.
De uma coisa os beirenses não têm dúvida: “papá” Conde, que até nem foi grande jogador, foi “progenitor” do mais célebre conjunto de desportistas do Chiveve. Dos sete rapazes, quatro atingiram patamares bem altos, com presenças assíduas na Seleção Nacional de Moçambique.
ORLANDO E CHIQUINHO QUAL DELES O MAIOR?
Chiquinho Conde foi quem teve as maiores oportunidades para explanar o seu vasto talento. Porém, a arte de Orlando, o mano mais velho, continua a viver na retina de quem o viu jogar. O seu grande amor foi o basquetebol, onde foi um “poste” terrível e depois treinador respeitado, tendo chegado a orientar a Seleção Nacional do Zimbabwe.
Mas foi no futebol que brilhou. Dele se recorda, com saudade, a capacidade de execução enganadoramente lenta, filha de opções rápidas, imprevisíveis, felinas. Peitudo, brigão na área, bom no jogo de cabeça, “herdou” do basquetebol o grande sentido de desmarcação, tempo de salto e repentismo.
Dos irmãos Condes/futebolistas, os moçambicanos em geral e os beirenses em particular transportam uma dúvida que nunca virá a ser esclarecida: Chiquinho e Orlando, qual deles foi o maior?
A seguir aos dois, brilharam Geraldo e Elcídio, clientes assíduos dos Mambas.
EUSÉBIO “ROUBOU-O” AO BASQUESTEBOL
Traçado o perfil familiar, segue-se a pergunta. Como tudo começou?
– Tudo ficou facilitado porque no Bairro do Esturro, onde vivi a minha juventude, havia muita gente a praticar desporto. Por trás da minha casa, o meu pai mandava cortar o capim, para nós jogarmos. Daí surgiam as apostas – vinte escudos – nos jogos frente a Munhava ou Matacuane. Foi assim que começamos a competir e a conhecer pessoas de outras zonas da cidade da Beira. Foi na época em que o Eusébio “explodiu” em Portugal e eu era um dos seus “fãs”. Sonhava ser como ele. Tinha na altura 8/9 anos.
Daí à atividade federada, foi um passo…
– Uns colegas, ainda na escola primária convidaram-me a ir para o Ferroviário, mas para jogar basquetebol. Eu era magro, mas tinha uma boa altura e por isso acedi. Foi o meu maior amor desportivo. No Ferroviário da Beira, clube pelo qual toda a nossa família passou, não havia discriminação, como no Sporting, SLB e outros. Sentíamo-nos bem. Deram-me um par de sapatilhas e comecei a aprender essa modalidade.
Época 1971/72 – Juniores Ferroviário da Beira
Campeão Distrital Beira
Em cima: Júlio Mascarenhas (Treinador), José Ramos, Emídio Martins, Orlando Conde, José Brás Fernandes, Ernesto Ferreira e David Pina (Dirigente).
Em baixo: António Dias, Chin Lop “Pinguinhas”, Francisco Cabral, Carlos Henriques, Assane Khan e Carlos Carvalho.
Mas, em simultâneo, fazia atletismo e futebol, como desportos secundários. Fui andando até aos juvenis, altura em que um médico achou que deveria optar entre o basquetebol e o futebol. O meu pai discordou e aconselhou-me a manter-me no ativo nos dois desportos.
Amor pela bola-ao-cesto, talento para o futebol. Além disso, o sonho de vir a ser como Eusébio…
– É verdade. Quando cheguei aos juniores, já não dava para viver de amores divididos. O médico da Mocidade Portuguesa – o Dr. Veiga Gomes – nas análises, detetou que a minha tensão era alta. Mais isso só acontecia durante os testes médicos. Face a isso, o médico do Ferroviário da Beira mandou-me para Lourenço Marques, onde permaneci 45 dias, verificando-se que não havia problemas comigo. Levei uma carta a autorizar a minha atividade sem restrições. Só que, a dada altura, devido a uma lei que obrigava a uma paragem de 48 horas entre a prática de duas modalidades, tive que optar. E como já estava a fazer sucesso como ponta-de-lança no futebol, aos 16 anos, decidi-me pelo desporto-rei. Tinha a idade de juvenil, jogava já pelos juniores, mas o treinador, não satisfeito, achou que deveria fazer alguns jogos em seniores, para ganhar “calo”. O sonho de vir a ser como Eusébio falou mais alto, abandonei o basquetebol e a minha segunda modalidade, passou a ser o ténis-de-mesa. Decorria o ano de 1974.
A ascensão foi meteórica. O “caloiro”, rapidamente se impôs:
A jogar nos seniores, ainda em idade de juniores, tive como colegas grandes jogadores, como Rui Marcos, Clemente, Ferreira e Cardoso. Eu era magrinho e ingénuo. Tive que trabalhar bastante, mas o treinador Óscar Silva acreditou em mim. Pôs-me a titular. Não era profissional, trabalhava nos Caminhos de Ferro, treinava três vezes por semana.
Apesar disso, bem cedo veio a saturação…
É uma história curiosa. No ano de 1974, cansado de futebol. Queria descansar, continuar a estudar e fazer outra coisa. O técnico disse-me: Orlando nem penses nisso. Insisti, disse-lhe que não tinha motivação e ele disse-me: ok! Fica em casa, não precisas de treinar, mas todas as vezes que tivermos jogos, vens connosco. E foi o que aconteceu. Passei a jogar sem treinar. Daí comecei a ter consciência do meu valor.
Tempos áureos do futebol beirense. Dessa elite, alguns colegas foram para Portugal e atuaram ao nível mais alto:
– Recordo-me de vários: Tamagnin Néné, Shéu, Mário Borja, Ratinho, Zeca Ribeiro, Romeu, Fernando Simões, foram grandes vedetas que jogaram comigo.
Colegas da capital “queimavam-nos”
Tinha um bom poder de desmarcação, chutava com os dois pés e era bom no jogo de cabeça, graças à impulsão e tempo de salto, “herdados” dos anos de basquetebolista. Jogava muito sem bola. Era fácil adaptar-se a qualquer sistema que o treinador entendesse…
Daí a normal e regular convocação à Seleção Nacional:
– Fiz 25 jogos, dentro e fora do País. Na altura, mesmo os suplentes eram de uma craveira técnica assinalável. Recordo-me do Sérgio Albasini, Marito, Rui Marcos e Fumito. Eu, que não era da capital, no início tinha medo de nunca vir a ter lugar entre eles.
Acha que havia menosprezo pelos “forasteiros”?
– Não era com os treinadores, mas entre colegas, que nos tentavam “queimar”. Os de Lourenço Marques, muitas vezes quando nos faziam um passe de 10 metros, aquilo era um remate, que nos obrigava a dominar a bola, nem sempre nas melhores condições. Até que o treinador fez uma reunião para dizer que sabia o que se estava a passar, referindo que o objetivo era único. Tudo ficou ultrapassado. Da Beira, vinham regularmente Rui Marcos, Djão, José Luís, Ângelo e eu.
Quantos golos terá marcado, pela equipa de todos nós?
– Não foram muitos. Acho que o Sitói marcou mais do que eu. Isso também porque, pelas minhas características, dava mais golos a marcar do que aqueles que convertia. Com o meu puder de salto, em regra dominava com o peito e servia os colegas que vinham detrás. Essa era a minha principal apetência apesar de jogar na área. Mas quero destacar um tento, no Botswana que ficou nos anais.
Mesmo a jogar na Beira, chegou a ser campeão de Moçambique?
– Sim, na última prova antes da Independência denominada “Moçambola”.
Época 1974 – Seniores Ferroviário da Beira
• Campeão Distrital Beira • Campeão Provincial Moçambique
Em cima: Óscar Silva (Treinador), Ferreira, Orlando Conde, Manelito, Rui Marco (capitão), Salzone, Cardoso, C8?, Paulo, Agostinho e Raul Fernandes (médico).
Em baixo: Armindo, Fernando, António Sameiro, Nazaré, Cam Tom “Amenga”, Joaquim, Cardoso e Coelho.
Renato Caldeira – 04.05.2021
Alguns momentos vividos em Portugal com antigos amigos e desportistas da cidade da Beira – Moçambique.
O tempo passa, mas as amizades perduram através dos tempos…
7 Comentários
Marty Khan
Orlando, when you coached Arcadia Knickerbockers Basketball team in Harare, I played for that team. It would be great to speak with you again. You can reach me at martykhan1@yahoo.com. Your old friend Marty Khan
Victor Vidal
Grande desportista, está nos genes da família! Meu amigo de juventude e com muito prazer nos encontramos recentemente. Um abração
Chyttollo Boy
E a Irma deles, de que se faz referencia, Qual foi sorte dela? Por curiosidade.
Manuel Martins Terra
Mais uma grande figura eclética do desporto moçambicano, que como diz e bem o Renato Caldeira, é Rei num clã de Condes. O Orlando, podia muito bem jogar em Portugal, porque qualidade era coisa que não lhe faltava. Alinhou algumas vezes pela seleção beirense, nos jogos com a seleção da capital. Em Janeiro de 1975, na Beira, vi-o jogar a final do ultimo provincial, frente ao Sporting de Lourenço Marques. O Ferroviário da Beira, venceu por 2-0, e logo com um golo do Orlando, que fez uma excelente exibição, o que não admira, porque o difícil era ele jogar mal. Parabéns ao Orlando Conde, pela sua excelente carreira.
Mário Deus
Orlando, simples, humilde, grande desportista eclético e, acima de tudo, grande companheiro, independentemente de cores clubísticas. Amigo até sempre.
José Medeiros
O Orlando não é o mais velho, “havia” o Felizardo, este era o mais velho deles todos. Felizardo, Orlando, Almiro, Geraldo, Chiquinho, Alcídio.
Tomaz Timm
Chiquinho, é o mais novo