Bilhete Postal para a Madalena e João
Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo”.
Gandhi (filósofo indiano,1869-1948)
Em género de preâmbulo a este meu texto, declaro formalmente mover-se a minha vontade em persistir na minha caminhada estrénua contra medidas prepotentes, em que, como diria Eça, “o homem moderno é um pobre Adão achatado entre duas páginas dum código”.
Mesmo que correndo o risco dos meus passos me conduzirem a “um voo cego rumo a nada”( Reinaldo Ferreira, poeta português, nascido em Barcelona que em sua vivência adulta em Lourenço Marques publicou a sua notável obra poética tornada conhecida “urbi et orbi” pelo crítico literário Eugénio Lisboa), restar-me-á sempre a vossa companhia solidária, Madalena, João e de todos aqueles que a vós se associaram em caminhada tão penosa, em defesa de uma mesma causa, em que eu “quando olhar para trás verei que os dias mais belos foram aqueles em que lutei” em obediência ao conselho de Sigmund Freud, estudioso da psique humana.
A vosso conselho, Madalena e João, enviei uma exposição sobre este caso ao Presidente da República, minha derradeira esperança pelo seu reconhecido humanismo cristão ao contrário da insensibilidade de certos vendilhões do Templo.
Quanto ao Partido Socialista, navegou ele com velas enfunadas pelo sopro auxiliar do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, partidos que afirmam aos sete ventos estarem aos serviço dos pobres e oprimidos. Mas será que estão? A minha dúvida, entre outras, reside no seu silêncio sobre recente exclusão dos cônjuges dos titulares da ADSE (usufrutuários de pensões mínimas da Segurança Social), medida legislativa ancorada em porto de abrigo durante duas dezenas de anos, quiçá pelo receio que a sua entrada em vigor se reflectisse na perda de votos em eleições nacionais.
Sem eu entender o porquê desta decisão, as supracitadas pensões são tratadas de igual modo, quer tenham sido feitos ou não descontos para a Segurança Social por parte dos seus usufrutuários. Decisão que não pode deixar de causar estranheza porque tomada por quem se mostra draconiano na interpretação de determinadas leis sem ter em conta direitos adquiridos ( interpretação de matéria em que o parecer de reputados juristas diverge). Em contrapartida, tratamento igual para situações diferentes, é entendida como ferida de inconstitucionalidade. Segundo Rui Alarcão, antigo reitor da Universidade de Coimbra e professor catedrático jubilado da sua Faculdade de Direito, “o princípio da igualdade, que está na Constituição, significa que o que é igual deve ser tratado igualmente e o que é desigual dever ser tratado desigualmente”. Já mesmo na Grécia Antiga era reconhecido por Aristóteles: “A pior forma de desigualdade é tentar fazer duas coisas diferentes iguais!”
O Partido Socialista em tempos de popularidade reconhecida em inúmeras sondagens e euforia económica, antes dos incêndios de Pedrógão Grande e outros que se seguiram , entendeu ter chegada a hora de partejar esta medida, verdadeira maldição para velhos e idosos e leitmotiv de tantos artigos meus de crítica à ADSE por mim subscritos no Diário as Beiras e transcritos neste blogue, um deles com o título intencional: “O silêncio confessional da ADSE” (Diário as Beiras,12/10/2027). Nenhum mereceu a graça do contraditório por parte da ADSE nas páginas dos jornais em que foram divulgados, talvez porque “aquila non capit muscas” (a águia não se entretém a apanhar moscas).
Não quero acreditar, de forma alguma, que a sociedade portuguesa se reveja em interesses materiais de uma política que poupa no farelo dos doentes idosos para ser gasta com a farinha de duvidosas fortunas paridas do nada, qual geração espontânea mesmo depois de Pasteur ter demonstrado que de trapos velhos não nascem ratos como era acreditado na sua época!
E os cidadãos, senhores políticos, os honrados pobres e remediados que pagam a tempo e horas os seus impostos, porque são vítimas de decisões de uma “elite” de políticos (ou que assim se julga!) que trata a infelicidade de velhos e doentes e deserdados da sorte, qual jumento lazarento e sem préstimo algum?
Sem pôr em causa o 25 de Abril que me permite escrever este texto crítico sem ser cortado pelo lápis azul dos coronéis da censura do Estado Novo, mas que extinguiu a PIDE permitindo em sua substituição o tenebroso COPCON, o 25 de Abril que plantou em terreno úbere, como se costuma dizer, uma esquerda caviar, o 25 de Abril que entregou o destino dos portugueses em mãos ávidas de protagonismo que fazem da política um modo de rendoso sustento, “tendo a prática da vida por única direcção a conveniência” (Eça), enjeito, sem pena nem agravo, vozes que, em nome de uma discutível liberdade, apregoam aos sete ventos as suas excelsas virtudes, como apregoam de iguais virtudes uma “descolonização exemplar”, que, apenas, pode ser entendida como a possível em período revolucionário para uns ou de um golpe de Estado para outros.
Já Madame Roland, durante a Revolução Francesa, antes de subir ao cadafalso, exclamava para os seus algozes: “Liberdade, em teu nome quantos crimes se não cometem!” De acerba crítica a uma impropriamente chamada liberdade, se fez arauto o nosso Eça com o florete elegante da prosa que lhe era peculiar,e que bem se aplica hoje a quem tem a liberdade de abusar do poder para tomar decisões imorais sob o pretexto: “Dura lex, sed lex”. Escreveu este autor de obras literárias que são orgulho patrimonial da Literatura portuguesa: “O melhor meio de dirigir os homens será talvez gritar-lhes com entusiamo: ‘Vós sois livres?’ E depois, com um tremendo azorrague, à maneira de Xerxes, obrigá-los a marchar. E marcham contentes, sob o estalido do açoite, sem pensar e sem mais querer, porque a palavra essencial foi dita, eles são livres, e lá está Xerxes no seu carro de ouro para querer e pensar por eles”.
“Last but not least”, muito aprouvera eu, com este meu inconformado texto, ser um pessimista que nada espera da ADSE e se engana, a ser um optimista que tudo espera desta instituição de Assistência na Doença aos Servidores do Estado e se desilude .
A terminar, peço-vos desculpa, Madalena e João, por um pequeno e inicial Bilhete Postal que a minha confessada intolerância transformou num extenso libelo sobre a forma desumana como a ADSE se descarta de velhos e doentes, a exemplo de certos automobilistas que atiram porta fora as beatas dos cigarros sem atender à suas funestas consequências.
Beijos para ti, querida filha, e um abraço “ex corde” para o João, amigo dedicado e sempre presente. De gratidão são merecedores, igualmente, os outros subscritores de comentários ao meu post : “Carta Aberta ao Presidente da República”. Bem hajam!
Coimbra, 06 de Novembro de 2017.
Rui Baptista
3 Comentários
Antonio Matias Ferreira
Sr Professor é uma felicidade poder ler os seus escritos gritos de revolta contra o sistema , que infelizmente, como bem descreve, protege os detentores do poder , e seus afiliados em detrimento dos que como direito maximo os elegeram levados pelas palavras bonitas das suas publicidades durante as campanhas eleitorais que são financiadas pelos grandes grupos económicos e financeiros.
E seu ” poupam no farelo para gastarem na farinha” considero-o como exacto. Não nos devemos esquecer que as leis são feitas para protecção dos que as elaboram. E se a força dos media fosse mais objectiva e se se focasse nas artimanhas do poder e as denunciasse muito melhor estaríamos . Mas infelizmente isto não passa de um sonho, embora a persistência por vezes faz milagres.
Um abraço deste seu ex- aluno da Escola Industrial de Lourenço Marques e um muito obrigado!
Rui Baptista
Meu caro Rui: Um dos maiores elogios que um professor pode ouvir de um antigo aluno, fico-lhe a dever: “Um abraço ao Prof. que foi para nós um bom exemplo”. Bem haja. Um grande e grato abraço.
Rui Azeredo Osório M. e M. de Gouvêa
Lembra-me muito bem do Prof. Rui Baptista porque também pratiquei pesos e halteres no “Ginásio Clube de L.M.” que funcionava então na “Casa das Beiras” e que mais tarde passou para um Pavilhão da “Facim”. Bons tempos esses. Um abraço ao Prof. que foi para nós um bom exemplo.