O MEU LIVRO DE CURSO DO INEF (1955)
A única forma de prevermos o futuro é ter poder para formar o futuro”.
Eric Hoffer (filósofo social, 1902-1983)
Estando eu a arrumar (ou melhor, a tentar arrumar!) a minha modesta biblioteca de consulta constante para os textos que escrevo, deparei-me num escaninho escondido de uma das suas prateleiras, como que a reprovar-me pela pouca atenção a que o votara, o meu Livro de Curso do INEF, com a capa desenhada pelo meu colega e saudoso amigo João Boaventura (já falecido), no esquecimento de uma parte importante da minha saudosa juventude académica merecedora de Colares Pinto, colega do INEF, de um soneto a que a amizade e a notável veia poética do seu autor deram vida duradoura, que deve ser recordada, porque, como escreveu Marcel Proust, certas recordações são como os amigos, sabem fazer reconciliações. Reproduzo esse soneto:
“Senhoras! Vou-vos apresentar
Porque assim me deu na real gana
Uma surpresa enorme de espantar:
O mais belo exemplar da raça humana
Ei-lo: aqui o tendes. Este pêlo
Que aqui vedes enfeitando a mente
Não é pêlo porque, humanamente,
O pêlo não é pêlo…é cabelo.
Estes vidros, aqui, tão reluzentes
E verdes como a cor da clorofila
Não são óculos, são imãs atraentes
São, no amor, como cães de fila…
E estes ombros reparai donzelas
Outros como estes nem sequer sonhados
Foram ainda “regardez” oh belas
Como são largos e fortes, trabalhados.
E estas pernas! Bom aqui perdão
É melhor que ele ande !..oh anda…
Novo romeu, em frente à banda,
Formai agora vossa opinião.
O nome, ah, o nome, ao ver a lista
No rol bem numeroso, é o mor de todos
É um nome atlético, com poder a rodos,
Rui…Vasco não da Gama, mas Baptista”.
(Autor dos versos: Colares Pinto)
Em remorso tardio, escrevo hoje este texto a redimir-me da minha ingratidão pelos livros, e outras letras impressas de documentos que guardo com desvelo, alguns amarelecidos pelo tempo, sendo fonte de consulta constante para os livros e artigos de jornal ou de revistas, que escrevo (aqui, sim, ao computador!) espalhados pelo chão à mão de semear pela minha sempre declarada iliteracia informática.
Ou seja, a minha iliteracia não me permite grandes navegações num “mare magnum”de informação, nem sempre digna de crédito, unicamente viagens em barquito a remos que me fazem calos nas mãos. Busco eu razão para este facto (para além da sabedoria popular que nos diz que “burro velho não aprende línguas”) no desencanto de Ortega y Gasset (“A Rebelião das Massas”):
“Muitos meios e saber de pouco servem. Vivemos num tempo que se sente fabulosamente capaz de realizar, porém não sabe o que realizar. Domina todas as coisas, mas não é dono de si mesmo. Sente-se perdido na sua própria abundância. Com mais meios, mais saber, mais técnica do que nunca, afinal de contas o mundo actual vai, como o mais infeliz que tenha havido, permanentemente à deriva”.
Do desânimo sobre os perigos da má informação trazida pelo mundo informático, utilizada, até, em provas de doutoramento universitário vergonhosamente copiadas, colho exemplo em Steve Ballmer,
presidente da Microsoft: “Eu testo, mas não uso no dia-a-dia [computadores]. Mais importante, meus filhos não usam. Eles são bons garotos”.
De igual modo, Erich Fromm (psicanalista e sociólogo alemão, 1900-1980)manifesta-se receoso de um futuro que já não conhecerá: “O problema não é que os computadores possam pensar como nós, mas que nós possamos pensar como os computadores”. Será que estou a tentar encontrar desculpas esfarrapadas para a minha iliteracia informática e teimosia de velho em me não me render à servidão do mundo computacional?
O futuro da robótica o dirá!