Rui Quadros nasceu em 1937, na Ilha de Moçambique, sendo o primogénito de uma família de nove irmãos. Filho de Afonso Quadros e de Maria Quadros, cresceu numa família que acompanhava de perto a carreira do pai.
Afonso Quadros foi funcionário do Quadro Administrativo Civil de Moçambique e um apaixonado pela caça, que praticava tanto para garantir o sustento alimentar dos seus funcionários como para eliminar animais selvagens que ameaçavam povoados e culturas. Para além disso, tinha diversas responsabilidades administrativas, como obras, abertura e limpeza de picadas, entre outras.
Devido às constantes transferências inerentes ao cargo, Afonso levava sempre a família consigo. Assim, viveram em vários distritos e locais isolados e inóspitos do interior de Moçambique, como Lunga, Itoculo, Matibane, Lalaua, Muite, Mutuali, Malema, Ligonha, Macuzi, Inhassunge, Gilé, Funhalouro e Saúte.

Ilha de Moçambique

Família Quadros: Helena, Isabel, Pingo, Rui Quadros, mãe Maria (com o Nuno ao colo), Maria João, Francisca, Ana Maria e Jorge)
Saúte
Saúte, localizada na circunscrição do Alto Limpopo, província de Gaza, situava-se entre o rio Save e o rio Limpopo. Até à década de 1980, era considerada a melhor área de caça de Moçambique, com a maior variedade de espécies do país. Para além das raras girafa, avestruz, mezanze, palapala cinzenta, chita, lebre saltadora, raposa orelhuda e lince, havia também grande abundância de elefantes, búfalos, elandes, zebras, gnús, palapalas, gondongas, cudos, leões, leopardos, chacais, hienas, inhalas, inhacosos, hipopótamos, impalas, changos, crocodilos, facoceros e cinco espécies de cabritos. A célebre planície de Banhine, centro desta riqueza faunística, ficava próxima da povoação.
Rui Quadros fez a instrução primária com a sua mãe e concluiu o ensino secundário, aos 17 anos, na África do Sul. Sonhava tornar-se biólogo especializado em fauna selvagem, mas dificuldades familiares impediram-no de prosseguir os estudos.
De volta a Lourenço Marques, viveu na Rua dos Aviadores, na Polana, e iniciou um estágio no Museu Álvaro de Castro, onde aprendeu a embalsamar pequenas espécies, como aves. Posteriormente, dedicou-se à ornitologia no Instituto de Investigação Científica de Moçambique, trabalhando na captura de pássaros e procurando espécies raras ainda não conhecidas ou catalogadas. Na região do Lago Niassa, desenvolveu também interesse pela caça submarina, que praticava tanto pelo prazer como pela rentabilidade da venda do pescado capturado.
Caça
Desde pequeno, Rui acompanhava o pai nas incursões pelo mato. Aos 6 anos começou a manusear espingardas, iniciando-se com as de pressão de ar, passando para calibre .22 e, mais tarde, para armas de maior calibre. Aos 8 anos caçava aves e roedores, aos 9 abateu um búfalo e, aos 12, o seu primeiro elefante.
Com o tempo, tornou-se figura conhecida, não só no meio desportivo como também nos círculos sociais mais requintados de Lourenço Marques. A sua simpatia e compleição física tornaram-no uma referência, com muitas admiradoras.
Levando uma vida agitada, dedicava parte do tempo à caça de crocodilos, cuja pele vendia para financiar algumas das suas extravagâncias, como um Ford Mustang descapotável vermelho, espingardas de qualidade, viagens ao estrangeiro e estadias em hotéis de luxo.
Moçambique Safarilândia
No final da década de 1950, uma nova política de conservação pôs fim à caça utilitária, substituindo-a pela indústria dos safaris de caça. Rui Quadros integrou a equipa de caçadores-guia da Moçambique Safarilândia, concessionária das coutadas 4 e 5, junto ao rio Save. Destacava-se por falar fluentemente inglês e vários dialetos moçambicanos.
Ingressou na empresa em 1960, pela mão do caçador Werner Alvensleben, juntando-se a nomes como Harry Manners, Jorge Alves de Lima, Wally Johnson, Miguel Guerra, Afonso Ruiz, George Dedeck e Manuel Posser de Andrade. Mais tarde, integraram também Amadeu Peixe, Manuel Figueira, José Saraiva de Carvalho, Manuel Rodrigues, Lobão Tello e Sérgio Veiga.
A Safarilândia ganhou prestígio internacional, atraindo caçadores dos Estados Unidos, Europa e Ásia.
Vida Social
Rui Quadros conviveu com personalidades da alta finança, estrelas de cinema e escritores, sendo convidado para caçadas nos quatro cantos do mundo: búfalos na Austrália, cabras do deserto no México, ursos no Alasca, veados e pumas na Argentina, javalis na Europa, onças e capivaras no Brasil, entre outras.
Realizou mais de 800 safaris de caça e foi um dos poucos moçambicanos a completar o prestigiado “Big Five” — elefante, leão, leopardo, búfalo e rinoceronte.

“Big Five” de África
Após a independência de Moçambique, a indústria dos safaris foi suspensa. Rui mudou-se para a África do Sul, onde criou o projeto turístico Game Farm em Umfolozi e Hluhluwe, especializado em caça e foto-safaris ao rinoceronte branco. Porém, a instabilidade na década de 1980 afetou gravemente o setor, levando-o a abandonar o país com grandes prejuízos.
Tiro
Em Lourenço Marques, Rui dedicou-se também ao tiro em stands. Como júnior, sagrou-se campeão de Moçambique na prancha e nos pombos, títulos que renovou repetidamente, vencendo também inúmeras provas internacionais. Ao longo dos anos, acumulou centenas de taças, medalhas e troféus.
O tiro, um desporto caro e restrito às elites, acabou por lhe abrir oportunidades profissionais, garantindo-lhe um emprego na refinaria de petróleo SONAREP, através de um dirigente amigo e colega de tiro.
Atletismo
No atletismo, Rui representou sempre o Grupo Desportivo de Lourenço Marques (GDLM), iniciando-se em 1954, no Torneio de Abertura, como principiante. Entre os seus colegas de pista estavam Álvaro Santos (Varito), António Batalha, Cagica Bernardo, Conceição de Sousa e H. Vaz.
Em 1957, na categoria de júnior, foi Campeão Provincial dos 400 e 800 metros e integrou a equipa campeã da estafeta 4×400 metros. Abandonou a competição em 1961, devido à sua intensa vida profissional, ficando por concretizar o potencial de um atleta com capacidade para chegar ao nível internacional.
Nota: Parte desta biografia contou com o contributo de Marcelino Gonçalves, que documentou a vida de Rui Quadros, e com excertos de The Delagoa Bay Company, acompanhados de fotografias do caçador moçambicano.
O autor agradece profundamente a ambos, esperando ter cumprido o objetivo de registar a importância de Rui Quadros no atletismo.
Rui Quadros representou sempre o Grupo Desportivo de Lourenço Marques (GDLM) e destacou-se sobretudo nas provas de 400 e 800 metros, além da estafeta 4×400 metros e do triplo salto.
Marca e resultados do atleta:
1954
28 e 29.11.1954 – Torneio de Abertura
300 metros Principiantes – 1ª Meia Final
1º Rui Quadros (GDLM) – S/T
Final
1º Sérgio Tome (GDLM) – 38,7 seg.
2º J. Labistour Alves (CFM)
3º Rui Quadros (GDLM)
4º Carlos Castro (CFM)
5º José Cidrais (SCLM)
20 e 21.12.1954 – Campeonatos Regionais de Juniores
800 m:
1º Humberto Gonçalves (GDLM) – 2.05,8 seg. – Recorde Provincial.
2º Leonel Tavares (CFM) – 2.06,0 seg.
3º K. Haribhal (GDLM) – 2.08,7 seg.
4º Rui Quadros (GDLM) 2.09.8 seg.
5º M. Reamane (CFM)
6º Horácio Silva (CFM)
400 m:
1º Humberto Gonçalves (GDLM) – 53,1 seg. – Recorde Provincial.
2º Leonel Tavares (CFM) – 54,4 seg.
3º Fernando Nicolau (SCLM) – 54,8seg.
4º Rui Quadros (GDLM) – 55,2 seg.
5º J. M. Correia (CFM)
6º J. Fabre (GDLM)
4×100 m – 2º M/Final:
1º SCLM – Equipa A – 49,6 seg. – (V. Vilhena, Rui Bezerra, C. Garcês e Dinis Bento)
2º GDLM – Equipa B – (V. Aires, C. Almeida, Nuno Revés e Rui Quadros)
3º CFM – Equipa A – ( A. Clemente, A. O. Andrade, Carlos Castro e J. M. Salvado)
Final dos 4×100 m:
1º SCLM – 47,6 seg.
2º GDLM – Equipa B
3º CFM – Equipa A
1957
13 e 20.01.1957 – Campeonatos de Juniores
400 m:
1º J. Labistour Alves (CFM) – 53,1 seg.
2º Daniel Larsen (CFM) – 54,6 seg.
3º A. Morgado (CFM) – 54,7 seg.
4º Rui Quadros (GDLM) – 55,2 seg.
5º O. Esteves (GDLM)
6º Bezerra (SCLM)
1958
23.11.1958 – Torneio de Abertura
800 m Juniores:
1º Rui Quadros (GDLM) – 2.08,5 seg.
2º Raimundo Santos (GDLM) – 2.11,8 seg.
3º C. Albano (CFM) – 2.15,0 seg.
4º H. R. Pinto (SCLM)
5º J. M. Correia (CFM)
Triplo Juniores:
1º A. Gouveia (GDLM) – 13,69 m.
2º Rui Quadros (GDLM) – 12,49 m.
3º Francisco Costa (SCLM) – 11,67 m.
4º I. Gonçalves (CFM) – 11,32 m.
5º João Alves (CFM) – 10,33 m.
1959
11 e 12.01.1959 – Campeonato de Juniores
400 m – 2ª Série:
1º Rui Quadros (GDLM) – 54,8 seg.
2º Zabide Aly (SCLM) – 55,7 seg.
3º A. Conceição (GDLM)
800 m – 2ª Série:
1º Antonino Batalha (GDLM) – 2.07,6 seg.
2º Rui Quadros (GDLM) – 2.08,0 seg.
3º Amândio de Sá (SCLM)
4º P. Fernandes (CFM)
5º A. Mascarenhas (CFM)
6º Daniel Firmino (CFM)
Triplo:
1º A. Gouveia (GDLM) – 13,22 m.
2º A. Pardal (CFM) – 12,34 m.
3º A. Coelho (GDLM) – 11,93 m.
4º Rui Quadros (GDLM) – 11,90 m.
5º A. Pereira (GDLM) – 11,30 m.
6º J. Marques (GDLM) – 11,13 m.
4×400 m:
1º GDLM – 3.39,0 seg. – Rui Quadros, Cagica Bernardo, Abílio Moreira e Silva Graça) – Recorde de Juniores.
18 e 19.01.1959 – Campeonatos de Seniores
400 m – 1ª M/Final:
1º Rui Quadros (GDLM) – 54,2 seg.
2º Jean Fabre (GDLM) – 54,5 seg.
3º Amândio Sá (SCLM) -55,0 seg.
Final:
1º Conceição Sousa (GDLM) – 53,2 seg.
2º Rui Quadros (GDLM) – 53,4 seg.
3º Jean Fabre (GDLM) – 53,5 seg.
4º Amândio Sá (SCLM)
5º Carlos Cruz e Silva (SCLM)
6º João Correia (CFM)
800 m:
1º A. Madeira (CF;M) – 2.02,1 seg.
2º Antonino Batalha (GDLM) – 2.05,2 seg.
3º Amândio De Sá (SCLM) – 2.05,5 seg.
4º Adriano José (SCLM) 2.06,7 seg.
5º Rui Quadros (GDLM) – 2.09,3 seg.
6º J. Almeida (SCLM)
4×400 m:
1º GDLM – 3.38,6 seg. (Rui Quadros, Conceição e Sousa, Abílio Moreira e Silva Graça)
2º CFM – 3.38,8 seg. – (Leonel Tavares, Amândio Madeira, Carlos Castro e Edmundo Abreu)
3º SCLM – 3.41,3 seg. – (Carlos Cruz e Silva, Zabide, Adriano José e Amândio de Sá)
26.01.1959 – Campeonatos femininos e Dia dos Recordes
400 m Juniores:
1º Conceição de Sousa (GDLM) – 53,8 seg.
2º Rui Quadros (GDLM) – 54,8 seg.
4×400 m:
1º GDLM – 3.40,0 seg. – (C.Cagica, Rui Quadros, A. Batalha e C. Sousa)
16.02.1959 – Torneio de Encerramento
400 m:
1º Rui Quadros (GDLM) – 54,6 seg.
2º Conceição Sousa (GHDLM) – 54,8 seg.
3º Amândio Sá (SCLM) – 55,1 seg.
4º Edmundo Abreu (CFM)
5º Carlos Cruz e Silva (SCLM)
6º Carlos Castro (CFM)
800 m:
1º Alfredo Mabombo (CFM) – 2.04,8 seg.
2º Antonino Batalha (GDLM) – 2.05,7 seg.
3º Amândio Sá (SCLM) – 2.07,6 seg.
4º Rui Quadros (GDLM) – 2.09,0 seg.
06.12.1959 – Torneio de Abertura
400 m:
1º Conceição Sousa (GDLM) – 53,5 seg.
2º João Correia (CFM) – 54,1 seg.
3º Carlos Cruz e Silva (SCLM)
4º Rui Quadros (GDLM)
5º Adriano José (SCLM)
6º W. Pestana (CFM)
1960
17 e 18.01.1960 – Campeonato de Seniores
400 m – Final:
1º Fernando Coelho (CFM) – 53,5 seg.
2º Carlos Cruz e Silva (SCLM) – 53,6 seg.
3º João M. Correia (CFM)
4º Rui Quadros (GDLM)
4×100 m:
1º GDLM – 46,4 seg. – (Conceição de Sousa, Cagica Bernardo, João Albasini e Sérgio Tomé)
2º SCLM – 47,0 seg. – (F. Costa, Z. Moisé, A. C. Fonseca e Costa André)
3º CFM – (J. M. Correia, A. Ramos, Álvaro Colisson e Fernando Coelho)
4º GDLM – Equipa B – (Rui Quadros, A. Albasini, J. Bento e João Albasini)
4×400 m:
1º GDLM – 3.38,1 seg. – (Carlos Cagica, Rui Quadros, Camilo Mighietti e Conceição Sousa)
1961
15 e 16.01.1961 – Torneio de Abertura
4×100 m:
1º CFM – 46,7 seg. – (José Magalhães, Carlos Castro, A. Ramos e A. Madeira)
2º GDLM – 47,1 seg. – (Rui Quadros, Octávio Vicente, Sérgio Tomé e H. Vaz)
3º SCLM – 49,3 seg. – (Horácio, Octávio de Sá, Monte e Carlos Cruz e Silva)
05 e 06.02.1961 – Taça José Crisóstomo Ferreira
4×400 m:
1º CFM – 3.37,7 seg. – (Amândio Madeira, A. Ramos, Boavida e Fernando Coelho)
2º GDLM – 3.41,8 seg. – (Antonino Batalha, Rui Quadros, J. Bonett e H. Vaz)
Melhores marcas do atleta:
400 m – 53,4 seg.
800 m – 2.08,0 seg.
Triplo – 12,49 m.
4×100 m (GDLM) – 47,1 seg.
4×400 m (GDLM) – 3.38,1 seg.
3 Comentários
Armando Calado
Foi ele que teve a ideia e o projecto do Badoca Parque em Vila Nova de Santo André. Ainda antes, talvez 2 anos, da abertura ao público, que foi no final dos anos 90, fui com o meu pai, Fernando Calado, que morava em V.N. de Santo André, conhecer o parque a convite de Rui Quadros. Eles eram amigos de África e tinham feito caçadas juntos e também conviveram em todo o território de Moçambique, no tempo que o meu pai trabalhou na Geologia e Minas.
Foi um dia bem passado e onde visitámos e comemos juntos, o parque já tinha alguma variedade de animais, mas sem a dimensão de hoje. Tive o grato prazer e a honra de ouvir, siderado, algumas histórias deles em África, sobretudo em Moçambique e na África do Sul, onde também nós morámos, até Abril de 1975 em L.M e depois na África do Sul, em Vanderbilj Park, no Norte Transvaal. Lembro-me da esperança dele em abrir o parque ao público quando fosse possível. Queixava-se da falta de apoio da Câmara e andava à procura de financiadores para prosseguirem com o projecto. Sei que o meu pai, antes de falecer, ainda esteve mais uma ou 2 vezes com ele. Hoje, ao ler este post sobre Rui Quadros, vem à minha memória recordações de muitos momentos e histórias em Africa, e da felicidade do meu pai quando falava das caçadas e dos amigos como o de Rui Quadros. As melhores medalhas que carregamos na alma, são as recordações dos momentos que nos sentimos realmente felizes e que simplifica ao máximo o sentido da vida, no universo de cada pessoa.
2luisbatalau@gmail.com
Sim, estou bem lembrado do atleta que foi. Muito conhecido pela caça e pelos safaris!
BigSlam
Recordando o atleta e caçador profissional moçambicano – Rui Quadros.