21 DE OUTUBRO … recortes da nossa história.
Faz hoje uma semana que contei a um grupo de amigos, através duma plataforma digital de informação, o que eu vivi no 21 de Outubro de 1974. Foram muitas e importantes as reacções que me chegaram, razão pela qual, com a devida vénia, vou partilhar nesta minha crónica semanal.
Já lá vão 41 anos. Era segunda-feira. Logo pela manhã, deviam ser 8 horas, caminhava de casa para o meu local de trabalho. Quando chego à esquina da Rua da Sé com a Rua da Rádio, (onde se situam as Telecomunicações de Moçambique) começo a ouvir tiros que vinham do jardim Vasco da Gama (hoje, Tunduro).
Não sabia o que fazer. De repente vejo que o local está cercado por elementos fardados que não eram da Polícia. Eram guerrilheiros das FPLM. Eram comandados por alguém que me pergunta: “para onde vais”? Eu disse para onde ía. “Então vai, sempre encostado ao muro”.
Fui. Eu e alguns colegas meus que estavam na mesma situação. Conseguimos entrar no Rádio Clube.
O comandante que dirigia aquela “tropa” era o saudoso Aurélio Manave.
Esse grupo de revoltosos, que semeou luto e dor, pretendia ocupar uma vez mais (a primeira foi a 7 de Setembro) a Rádio.
Dum lado os descontentes armados. Do outro as FPLM, que naquele momento, tinham como principal preocupação guarnecer o RCM bem como os CTT, ali ao lado da rádio.
Durante grande parte da manhã desse dia, foi uma verdadeira aflição ouvir todo aquele tiroteio. Por vezes, consoante a força do estrondo, dava a impressão que os tiros vinham do interior da própria Rádio.
Na altura eu estava nos Serviços Redactoriais, sector onde se redigiam as notícias e se produziam os boletins noticiosos, que ficava situado no rés-do-chão do edifício. Era (foi) um martírio. Não conseguíamos a concentração necessária para escrever uma única notícia que fosse.
Mas não era só na Rádio que as coisas aconteciam. No “Notícias” também, como me contou e eu transcrevo, o meu colega e amigo Yussuf Adam:
“Estava lá dentro quando começaram os tiros. Saí pelas 17 horas e tive que ir levar uma mensagem ao Quartel General. Tinha que falar com o camarada Cabo. O recado era para o camarada Mouzinho, o chefe do grupo de guerrilheiros que defendia o “Noticias”. Na carta pediam-se reforços, Das 13 às 17 horas, enquanto os tiros continuavam na rua, o Areosa Pena recolheu as pessoas para o interior do Sector de Revisão do jornal. Estavam lá dentro o Guilherme de Melo, a Maria Helena, o Carlos Alberto e mais alguns colegas. A sala estava cheia. No meio do tiroteio o Guilherme de Melo chorava. Ele sabia que aquela Sétima Companhia de Comandos, que se encontrava acantonada no Parque de Campismo, a aguardar embarque para Lisboa, ía provocar aquele distúrbio. Mesmo assim trabalhámos durante toda a noite, com um número muito reduzido de profissionais. A “linotype” foi manobrada pelo “rodas baixas”. Na manhã do dia seguinte saímos do jornal com a edição na mão”.
Na baixa da cidade, a arcada do Prédio “Nauticus” acabou por se transformar numa verdadeira carreira de tiro. Muitas pessoas, tal como me contou o meu antigo colega do RCM, Ricardo Branco, esconderam-se na “Poliarte 2” um estabelecimento de venda de discos que se situava naquela Arcada e onde hoje funcionam escritórios da Companhia de Seguros EMOSE.
Uma notícia da época, referia 41 mortos e 88 feridos graves, como sendo o balanço dos graves acontecimentos ocorridos em Lourenço Marques e subúrbios naquela 2ª feira, 21 de Outubro de 1974.
“Provocados por um grupo descontrolado de comandos do exército Português que contaram com o apoio de agitadores brancos e pretos, esses acontecimentos acabaram por ser dominados pelas forças populares da Frelimo e por unidades militares portuguesas mas, apesar desta colaboração íntima e eficaz, a maneira criminosa como a situação surgiu e evoluiu originou a morte, a destruição e a miséria em muitos lares da capital e suas zonas suburbanas”.
Um comunicado conjunto do Alto Comissário da República Portuguesa (Almirante Vítor Crespo) e do Primeiro Ministro do Governo de Transição (Joaquim Chissano) publicado na terça feira dia 22 de Outubro de 1974, por sinal data do seu trigésimo sexto aniversário, detalhava minuciosamente o que acontecera e acrescentava que “esses agitadores responsáveis, brancos e negros, serão severamente punidos”.
Estes são recortes da nossa própria História.
João de Sousa – 28.10.2015
4 Comentários
José António
7.a Companhia de Comandos era de Moçambique, não percebo a alusão que ia embarcar para Portugal. Deve haver uma troca com outra Companhia. A 7.a só poderia embarcar para Montepuez.
José Morais
Os acontecimentos de 07 de Setembro e de 21 de Outubro, ambos de 1974, só serviram para os Europeus, que viviam em Moçambique, ficarem a saber, que a partir daquele momento, já nao tinham qualquer futuro em Moçambique.
Os Africanos em geral e a Frelimo em particular, estavam mortinhos, por lhes ficarem com os bens.
O que rapidamente, veio a suceder.
Braga Borges
7 de Setembro e 21 de Outubro, venha o diabo e escolha.
Dave Adkins
Lembro-me o ataque de 21 de Outubro de 1974, mas nunca entendi os detalhes do que passou. Tinha regressado aos E.U. em junio depois do anuncio de Lisboa que Portugal ia abandonar a guerra em Moçambique. Acho que primera noticia que recebi era dum ataque de Frelimo durante hora de pique contra gente inocente no centro, Ao ler a acima escrito parece que o ataque surgiu em mais duma locação, incluvsivo o centro e os suburbios perto do aeroporto. Para mim,o objetivo da violencia não era claro – era crear mais caos na vida diaria da cidade? Outro relatório excelente pelo João de Sousa. . Gostaria de saber mais do ataque.