A IGNORÂNCIA E O DESRESPEITO PELA LÍNGUA
Recentemente participei num encontro informal sobre desporto. Várias foram as opiniões dos intervenientes. Porquê a estagnação duma actividade que já deu louros ao País? Porquê tanto marasmo e apatia? Porque é que as vitórias não acontecem?
As intervenções dos participantes foram várias. Cada um apresentava as suas ideias. Uma delas mereceu a minha atenção. Veio de Nuno Narcy, um antigo praticante e dirigente do basquetebol que, sem apelo nem agravo, colocou o dedo na ferida: “a pirâmide está invertida”. Antigamente ele e tantos outros como ele, começavam tomar gosto pelo desporto nas aulas de educação física e desportos. Que o digam o Professor Rui Baptista, o Prata Dias ou o Isménio Tadeu, para citar apenas estes.
Da mesma forma como o gosto pelo desporto começa na escola, também a necessidade de escrever e ler correctamente a nossa língua oficial começa no ensino primário. Mas não fica por aí.
Lembro-me que regressado das aulas na Escola João Belo (hoje 7 de Setembro),
onde fiz toda a minha instrução primária, a minha mãe (ela mais do que o meu pai) se preocupava em saber como tinha sido o meu dia de aulas. Questionava-me sobre os deveres de casa, designação que passou a “trabalhos para casa”, popularmente conhecido por TPC.
Como estudava no período da manhã, o TPC era feito à tarde. E supervisionado pela minha mãe. Ela complementava o que os meus professores da instrução primária me ensinavam. E com ela aprendi a somar, diminuir, multiplicar e dividir. Com ela aprendi a escrever, a fazer uma redacção, a escrever uma carta, a falar correctamente o português.
Hoje esse envolvimento dos pais e/ou encarregados de educação quase que não se faz sentir. Se somarmos esse desinteresse dos pais à má qualidade de ensino nas nossas escolas primárias, secundárias e de nível superior, é fácil perceber porquê tanta calinada junta no que a ler e escrever correctamente a nossa língua oficial diz respeito.
Imaginem esta cena, que me foi contada há duas semanas. Um amigo meu estava a ver o telejornal e depara com um agente da polícia de trânsito a explicar ao repórter como determinada viatura tinha sido furtada. Segundo o polícia “o larápio fez uma fotocópia da chave de ignição”. Devo confessar-vos que esta eu não conhecia.
A questão de escrever e falar mal português, que lamentavelmente parece ser uma constante nos nossos jornais, revistas, rádios e canais de televisão dá-me a nítida sensação de que ao nível de cada órgão de informação, toda a linha de comando está comprometida com a asneira. Começa em quem escreve e acaba em quem lê.
Tenho conhecimento de situações de verdadeira humilhação a que muitas vezes está sujeito o formador. Há exemplos desses na Rádio Moçambique. Já ouvi um “top official” da nossa estação pública de radiodifusão dizer: “porquê chamar um reformado para dar aulas, quando temos pessoas no activo com capacidade”?
Que fazer quando na cabeça de muitos dos nossos gestores (da comunicação social) está arreigada a ideia de que quem não está no activo não serve? Hoje se um chefe decidir rasgar o texto, atirá-lo para o caixote do lixo e mandar ao “foca” fazer tudo de novo (quantos de nós passamos por isso) esse chefe é bem capaz de ser repreendido pelo seu superior hierárquico, com uma possível abertura dum inquérito, para que se achem as causas de tão depravado comportamento.
Quando denunciamos erros de palmatória há sempre vozes entendidas que procuram justificação na “inovação linguística, ou na apropriação desta pelos diferentes contextos sócio-culturais” ou ainda “porque a língua é dinâmica”.
Só que, como me segredou o meu amigo Filipe Ribas “a canção do dinamismo da língua, escudo protector das calinadas, é uma verdadeira marcha fúnebre. Quanto aos quadros que preenchem alguns órgãos de informação, temos de atentar na mão-de-obra barata e no nepotismo atávico que impera.”
Infelizmente a nossa experiência, capacidade e conhecimento são detalhes efémeros. A nossa idade é o passaporte para se ser considerado inútil e passar a arquivo morto.
João de Sousa – 18.02.2015