A rádio é uma arte!
No velhinho rádio de válvulas de marca “Bush”
as canções, as notícias e os programas que o Rádio Clube de Moçambique (a sucedânea do Grémio dos Radiófilos, fundado a 18 de Março de 1933) transmitiam, entravam em nossa casa sem pedir licença.
Nesse tempo ouvíamos o “Domingo Alegre” dos dois Tonecas, o António Silva e António Alves da Fonseca. Era uma lufada de boa disposição no dia do descanso semanal. O “Teatro em Sua Casa”, dirigido pela Sarah Pinto Coelho e que depois da independência de Moçambique passou a chamar-se “Cena Aberta”, acho que por sugestão do saudoso Leite de Vasconcelos. O Programa de Variedades, com a Orquestra dirigida pelo Maestro Artur Fonseca, de onde ressaltavam, para além do “naipe” de cançonetistas, os diálogos humorísticos interpretados pelo José Bandeira, Milú dos Anjos, Lima Pereira e Álvaro de Lemos.
A Orquestra Típica dirigida pelo maestro António Gavino ou “A Palavra é de Prata” do jornalista Manuel Luís Pombal. Renato Silva animava “em direto” as noites de domingo. O conjunto que, tanto quanto estou lembrado, gravou alguns singles, sendo que um deles foi com o Romão Félix, o “Parafuso”, marido na “ficção musical” da sua sempre querida e adorada Josefina.
E para os crónicos da “voltinha dos tristes”, na Marginal, ao domingo à tarde, depois do futebol, fica a lembrança do “Guiando e Ouvindo Música”.
Eram os relatos de futebol que a GOLO nos proporcionava, animados por vozes marcantes da época como foram os casos de Paulo Terra ou Amadeu José de Freitas. Era o “Africa à Noite” transmitido ao vivo do auditório do RCM por onde desfilavam grupos moçambicanos tais como o Djambo,
João Domingos ou Harmonia.
Mas havia mais. Havia vozes que “conheci” nos meus tempos de menino da Escola João Belo ou do Liceu Salazar, com os quais, muitos anos depois, tive o privilégio e o prazer de trabalhar. Eram os casos de José Mendonça, Manuela Arraiano, António Luis Rafael,
Álvaro de Lemos, Maria Helena, Fernando Rebelo, Eugénio Corte Real,
Leite de Vasconcelos, Ausenda Maria e Eugénio Corte Real
Lisete Lopes, Maria Adalgisa,
Sampaio e Silva, Maria Ricardina, Eduardo Hélder, ou Fernando Ferreira. Depois vieram outros. Leite de Vasconcelos, Gulamo Khan, João Gomes Leitão, Fátima Mendonça, Maria de Lurdes, Eugénia Maria, Hélder Fernando, Maria da Graça, Gabriel Alves ou Alípio Correia.
A independência chegou e com ela novos desafios. Adequar a Rádio a uma nova realidade. Com outras vozes tais como Glória Muianga,
Isabel Archer, Maria Judite, José Pina, Orlando Anselmo, José Custódio, Agostinho Luís, Jaime Pacho, João Matos, Farida Costa, Izidine Faquirá, Luísa Menezes, Anabela Adrianopoulos e Orlando Anselmo, para falar apenas destes. Novas vozes mas também programas emblemáticos que ficam para sempre na história da radiodifusão moçambicana, tais como “Uma Data na História”, quiçá um dos mais antigos programas da “grelha” da RM, ou ainda “O Sentido das Palavras”, “Poesia e Contos de Todo o Mundo”, “Magazine”, ou a “Cena Aberta”, o teatro radiofónico onde se vincaram nomes como os de Né Afonso ou Maria Pinto Sá. Seria imperdoável se me esquecesse do “Coração da Noite” ou do “Sabadar”.
Programas realizados e produzidos por vozes de verdadeiros artistas da Rádio, que aprendi a admirar e considerar. Hoje contam-se pelos dedos de uma só mão aqueles que fazem da rádio uma arte. Provavelmente porque muitos, principalmente os que têm poder de decisão, ainda não perceberam ou não querem perceber que “rádio é algo mais do que um meio de comunicação”. É um meio de expressão e como tal, uma arte.
Este mundo moderno e cada vez mais globalizado juntou às artes clássicas (arquitetura, escultura, pintura, literatura, desenho ou música) as novas artes tais como o cinema, a televisão, e a rádio. Qualquer delas tem os seus artistas. Gente com vocação e talento nato, aperfeiçoado por anos de estudo, experiência e perseverança. Quem não tiver estes predicados não pode ser artista da rádio.
Fazer rádio é mais do que o desejo de trabalhar na ou para a rádio. É preciso talento e imaginação criadora. Hoje, salvo raríssimas excepções, o panorama é inverso. Os vaidosos e inconscientes da realidade radiofónica “assaltaram” os estúdios das diferentes emissoras existentes em Moçambique. E aí praticam toda a sorte de tropelias e barbaridades. Volto a repetir o que já referi numa crónica anterior dedicada à comunicação social. Por muito que custe a muita gente é uma barbaridade ouvir dizer “arreia” em vez de areia, “carinha” em vez de carrinha, “este caro é muito carro”, “garragem” em vez de garagem ou ainda “ejmo senhor” (Exmo. Sr.) em vez de Excelentíssimo Senhor. Mas não são só os “erres” que me preocupam. São os atropelos gramaticais provocados por erros de concordância entre masculino e feminino, entre singular e plural ou os erros de conjugação verbal de modo imperativo, principalmente quando se trata do uso de “tu” e “você”. Trabalhar na rádio não é obra para simples curiosos ou pretensos iluminados. É obra para quem tem vocação.
PS: A rádio fez-se escutar pela primeira vez na então cidade de Lourenço Marques a 18 de Março de 1933, data da criação do Grémio dos Radiófilos, faz agora 81 anos.
Aos que em Moçambique lutam por fazer da Rádio uma arte, o meu aceno de simpatia.
João de Sousa – 18.03.2014