ARY_o poeta da canções_75 Anos
A propósito do poeta das canções, com tributo marcado para sexta-feira, dia 08Nov13 pelas 21h30 no CAE_Figueira da Foz, convém recordar o homem destemido, pensador/arrojado, eloquente, repentista/determinado, que soltou fogosamente do poético literário para o espectáculo do verso cantado.
José Carlos Ary dos Santos, poeta-declamador (Lisboa_1936-1984), encerra bem si mesmo uma trilogia desconcertante, «Homem =>Poema =>Canção», que assume categoricamente um vendaval de emoções, num turbilhão de sensações!
Mas vamos ao HOMEM, pelo homem, na pena iluminada e visionária de Natália Correia (escritora, intelectual, activista social, 1923-1993), no prefácio de «As Palavras das Cantigas», em deleite perplexo pelo primor de autenticidade, estonteante, atónico, transcrevo:
«[_Agarrar o verdadeiro rosto desse jogral que se deu tanto, é difícil. Talvez por isso mesmo. Porque dando-se em diversas versões do seu desespero fulcral – desesperação de amor só dele, de amor dos outros, de uma certa santidade gravada nos gestos mais suspeitos, em cada uma dessas faces do seu amargor, muitas vezes disfarçado em orgia de viver, ele dava-se inteiramente. Qual é então o verdadeiro Ary? O dilema é difícil, para os que, conhecendo-o mais como actor ricaço de uma pose de «enfant enragé», do que como desesperado real até às fezes da tragédia infantil de todos os brinquedos quebrados, questionam: -Qual deles é o autêntico? O Lord que foi de Escócias de outras eras revividas em damascos, pratas e cristais ou o que, nos seus poemas, rasga o peito para mostrar um coração que sangra pelos infortúnios do Mundo? A resposta que prontamente me acode é: -os dois e ainda mais o sensualão dos cheiros lisboetas, o pária com sobretudo de gola astracã, o rei-bobo guizalhando chalaças para ter como súbditos todos os aplausos do Mundo, o sentimentalão social que se desnuda para dar a roupa aos pobres, o eterno amante sem amor, enchendo esse vazio com risadas que sabem a sangue. E tudo isto fundido numa infância agigantada que tirita de solidão pedindo agasalho nos seus versos.»]
Pelos VERSOS os poemas escritos, arrumados, publicados, cantados, sentidos, declamados, vencedores/vencidos, permitam-me a ousadia de eleger, pelo desígnio que em si encerra, pela alma desnudada ou coisa assim, «O amigo que eu canto»:
«_Desde quando nasci
que o conheço e lhe quero
como a um irmão meu
como ao pai que perdi
como a tudo o que espero.
É um homem que tem o condão da doçura
no sorriso de água nos olhos cansados
é metade alegria, é metade ternura
nas palavras cantadas, nos gestos dançados
nos silêncios magoados.
Tem um rosto moreno
que o inverno marcou
e apesar de ser forte
é um homem pequeno
mas maior do que eu sou.
Tem defeitos, é certo. _Como todos nós!
Sonha às vezes de mais. _Fala às vezes no ar!
Mas quando dentro dele a alma ganha voz
é tal como se fosse o som do nosso mar
se pudesse falar.
Foi capaz de mentir, foi capaz de calar
é capaz de chorar e de rir.
Tem um quê de fadista, tem um quê de gaivota
e a mania que há-de ser artista.
Quando vê que precisa é capas de roubar
mas também sabe dar a camisa.
Foi capaz de sofrer, foi capaz de lutar
é capaz de ganhar e perder.
É um amigo meu
que às vezes me ofende
mas que eu sei que me escuta
que eu sei que me ouve
e também compreende.
Quantas vezes lhe digo, que tenha juízo
que a mania dos copos só lhe faz mal,
que a preguiça não paga, que o trabalho é preciso
ele encolhe-me os ombros num desprezo total
este tipo é assim.
Qual o nome final
deste amigo que eu canto?
Pois claro – é Portugal!
_Bravo! _Bravo! _Bravo! _Bravo! _Bravo! _Bravo!
Aplaudimos, quando gostamos, batemos palmas, quando sentimos a chama imensa a deflagrar dento de nós, mas quando nos sentamos, e o espectáculo vai começar, a primeira emoção é despoletada pelo cantor, a aparência, a presença, a forma de estar, sentir, comunicar, a roupa!
Segundo a corrente «dândi», a roupa antecipa a nossa identidade, é o fundo de uma aparência que nos antecede, que nos classifica e que nos julga! _Só os tolos não julgam pelas aparências, como disse o «dândi» Óscar Wilde (escritor_1854-1900).
Depois vem a música, os acordes, o som malabarista, e, seguidamente em paralelo, o cantar, o timbre, as palavras, a vivência, a mensagem (Viva quem canta, que quem canta é quem diz, quem diz o que vai no peito, no peito vai-me um País! encanta Pedro Barroso).
Na CANTIGA, um hit intemporal, mágico, um momento único, por um momento intenso, conjuguemos/saboreando, as palavras de Ary, a música de Fernando Tordo e a magistral, soberba e delicada interpretação de Carlos do Carmo
(a comemorar 50 anos de carreira), ao mais alto nível, um momento demais, a voz (the voice) imaculada:
Esperando que o espectáculo que presta o tributo a José Carlos Ary dos Santos (assinala os 75 anos do nascimento), traga a magia da palavra, envolta num despertar consciente da sua mensagem, independente do seu tom, valorizando-se o caminho desperto/escorreito e actual do poeta, homem, com as palavras nas cantigas!
Aos Beijos e Abraços, v/Devoto Incensador de Mil Deidades, PauloCraveiro_oBispo_07Nov13.