CARLOS GASPAR antigo basquetista do Malhangalene!
Por João de Sousa
NUNCA DUVIDEI QUE O MALHANGALENE SERIA CAMPEÃO NACIONAL EM 1974” – Carlos Gaspar, antigo praticante de basquetebol.
Numa manhã de Janeiro, uma voz feminina ao telefone diz-me que “vai falar com o meu marido, porque o conhece muito bem”. Uns segundos de espera e eis que uma voz grave me cumprimenta. E pede-me para ser adivinho. Afinal quem estava a falar comigo ao telemóvel? Pedi que falasse um pouco mais. Ele foi falando. Foi dizendo frases soltas. “Eh pá, já sabes quem está a falar contigo ao telefone”? Disparei de imediato: “mochina”. Era assim que todos nós no Malhangalene (e não só) conhecíamos o Carlos Gaspar. Já não nos falávamos desde 1995. Nesse ano, quando ele exercia a função de Director Geral do Entreposto, “mochina” teve a amabilidade de nos convidar (eu, a minha esposa e o meu filho de apenas 10 meses de idade) para um jantar em sua casa. 20 anos depois, o reencontro numa pastelaria da cidade de Maputo, ali para os lados da 24 de Julho, na esquina anterior ao célebre “Piripiri”.
Dessa conversa resultaram estas linhas, que vos convido a ler.
Começo por te pedir o teu Bilhete de Identidade?
“Nasci em Lourenço Marques em 1949,
tenho 66 anos de idade, vivi sempre em Moçambique até 1974, depois fui para Portugal a convite do Futebol Clube do Porto, estive lá dois anos e depois disso voltei à minha terra natal. Neste meu retorno estive a trabalhar na Steia, que era o antigo agente da Caterpilar no País, até meados de 1977. Voltei de novo a Moçambique em 1995 para assumir as funções de Director Geral do Entreposto. Terminado o meu contrato regressei a Portugal em 2003. Agora voltei outra vez, para gozar umas férias, aproveitando o facto de estar aqui a residir e a trabalhar o meu filho mais velho”.
Muito bem … vamos falar de basquetebol. Como foi esse começo ? Houve influência de alguém? De amigos, de colegas da escola?
“João o meu início foi nos passeios das ruas de Lourenço Marques. Entre cada três árvores havia duas tabelas de basquetebol. Esta brincadeira começou mesmo em frente à minha casa. E sobre este começo recordo-me duma história que te vou contar. A minha avó era inglesa. Foi ela que me obrigou a aprender inglês desde muito cedo. Ela fazia-me os ditados numa forma muito lenta. No período das aulas de inglês eu ouvia a bola a bater no passeio e alguém que de fora para dentro me dizia: “Gaspar, vamos começar o jogo”. A minha avó ao ouvir esse chamamento dos putos da minha rua, ditava mais devagar, para, naturalmente, alongar o tempo da aula. Isso provocou em mim a vontade de jogar basquetebol. Depois fui convidado (não me lembro por quem) para ir jogar basquete no Malhangalene.
Entrei para os juvenis. Nessa altura o treinador era o Américo Ferreira da Silva”.
O Malhangaleme foi o teu único clube?
“Em Moçambique só joguei pelo Malhangalene. Em Portugal fiz duas temporadas no Futebol Clube do Porto”.
Para além do Américo Ferreira da Silva, que outros treinadores tiveste?
“Eu tive como treinadores o José Cunha, o Zé Graça,
o José Lopes,
o Francisco Marques e o Adam Ribeiro”.
Desses treinadores que mencionaste, com quem é que te relacionaste melhor?
“Sem desprimor para nenhum deles, porque de todos eles aprendi muito, relacionei-me melhor com o Francisco Marques. E se me permites eu quero fazer uma comparação entre o Chico Marques e o Adam Ribeiro, conhecido nos meandros do basquetebol por “Linda”. O Adam Ribeiro não era um bom orientador. Perdia-se. Entrava bastas vezes em desespero. Devo dizer-te no entanto, e esse é um aspecto importante, que o “Linda” tinha uma bagagem teórica sobre basquetebol invejável. Ele lia tudo. Via muitos filmes dos jogos da NBA. Eu próprio assisti a alguns desses filmes em casa dele. Adam Ribeiro era extremamente teórico. Ele era bom a transmitir os fundamentos teóricos aos jogadores”.
Com o Chico Marques era o contrário?
“Sim João, era exactamente o contrário. O Francisco Marques em fundamentos era fraco. Como orientador era forte”.
Que referências tens daqueles que foram os teus companheiros no Malhangalene?
“Gostei do João Domingos. Era um bom “base”. Do Avelino Ferreira…”
Avelino Ferreira e João Domingues
… a propósito, que é feito dele?
“Eu encontrei o Avelino várias vezes em Londres. Por razões profissionais eu ia à Inglaterra com muita regularidade. Em várias viagens que fiz, encontrei-me com ele. E o nosso primeiro encontro foi proporcionado por um irmão mais velho do Avelino. Há muito tempo que não sei dele. Se a memória não me falha a última vez que estive com o Avelino foi em 1994”.
Continuemos a falar dos teus companheiros de equipa…
“Gostei de jogar com o João Domingos, com o Avelino Ferreira, com o Eustácio Dias. Ele foi um dos “pivots” com quem eu me entendi melhor. Eu acho que fazíamos uma boa dupla. Gostei também do americano Jimmy Romeo. Era um jogador muito simples, preocupava-se muito com a equipa, com os colegas. Não gostava de se sobressair. Não era um exibicionista e nisto era muito diferente dos outros americanos que jogavam no Sporting, Desportivo ou Académica”.
Jimmy Romeo e Eustácio Dias
E os teus adversários?
“Os que mais me marcaram foram o Mário Albuquerque, Paulo de Carvalho, Manuel Lima, José Arruda, Nuno Narcy, Joaquim Neves, Mário Machado e Samuel de Carvalho”.
Nesse tempo o basquetebol ao nível de equipas seniores circunscrevia-se ao Sporting e ao Desportivo?
“Sem dúvida nenhuma. Depois vinha o Ferroviário e o Malhangalene. Um Malhangalene que era um clube de bairro. Esta predominância do Sporting e do Desportivo começa a entrar numa fase de declínio a partir de 1973. Eu acho que o Malhangalene poderia, a partir do momento em que ganhou o campeonato nacional, fazer muito mais”.
Era mais difícil para ti defrontares o Desportivo ou o Sporting?
“Sem dúvida o Sporting. Criou-se a ideia de que o Malhangalene não ganhava ao Sporting há vários anos. E isso era verdade. Essa ideia prevaleceu sempre. Quando o Malhangalene defrontava o Sporting, nós entrávamos para o campo já meio derrotados. Por diversas vezes nós perdemos alguns jogos no confronto com o Sporting duma forma desastrosa, que não era normal. No Campeonato Provincial os dois jogos que perdemos diante do Sporting foram derrotas inexplicáveis. Tudo se modificou no Campeonato Nacional de 1974”.
Época 1973/74 – Seniores
Vice-Campeão Provincial Moçambique • Campeão Nacional
Em cima: Adam Ribeiro (Treinador), Carlos Cachorreiro, Eustácio Dias, Eurico Gonçalves, Jimmy Romeo, Avelino Ferreira, Carlos Gaspar “Mochina”, Aurélio Grilo (Dirigente), David Carvalho, José Marques (Massagista).
Em baixo: Joaquim Fernandes, João Domingues, José Cardoso, José Costa Leite, António Araújo, Aureliano Graça (Seccionista).
Quando entraste para o jogo final desse campeonato de 1974 estavas consciente que o Malhangalene iria ser campeão nacional de basquetebol?
“Sem dúvida alguma. Embora sabendo que entrávamos para o jogo com uma baixa. O Eustácio Dias estava lesionado. Nunca duvidei. Estava confiante na vitória. E ela aconteceu. Fomos campeões!”
Época 1973/74 – Seniores
Vice-Campeão Provincial Moçambique • Campeão Nacional
“Homenagem aos Campeões Nacionais”
Emcima: António Teixeira “Malhanga”, Avelino Ferreira, Carlos Gaspar “Mochina”, Eustácio Dias, Jimmy Romeo, Eurico Gonçalves, Carlos Cachorreiro, Aureliano Graça (Seccionista), Amélia Ribeiro, Aurélio Grilo (Dirigente), Joaquim Fernandes.
Em baixo: Abel Moutinho (Dirigente), João Domingues, António Araújo, José Cardoso, David Carvalho, José Costa Leite.
Passaram por ti vários árbitros. Quais foram os que mais te marcaram?
“O Armando Moreira, o Freitas Branco, o António Azevedo”.
Armando Moreira e António Azevedo
Recordações do basquetebol?
“Muitas. Mas o que faz falta hoje são os Torneios da Coca Cola que se organizavam anualmente. Dali saíram os grandes jogadores moçambicanos daquele tempo”.
Uma palavra final?
“João, obrigado por me teres convidado para esta conversa. Um abraço para todos aqueles que ainda se lembram de mim. E agora como já estou “kota” e estou reformado, ando a gozar o resto da vida não fazendo nada. Desejo a todos a melhor sorte do mundo e que tenham tudo aquilo que sempre sonharam ter”.
João de Sousa – Janeiro de 2015
6 Comentários
Laura Maria Saraiva Seixas
Memórias a preservar e divulgar – kanimambo Big Slam! – grandes Vitórias e inesperadas derrotas, a pior de todas a traição dos “nossos governos” como referiu Nino ughetto e eu subscrevo.
Manuel Teixeira
Olá Carlos Gaspar! Sou o Teixeirinha! Há coisas muito curiosas… Vai fazer agora anos que o Malhanga ganhou ao SCLM no pavilhão do Sporting… Pois nesse dia vi pela primeira vez aquela que viria a ser minha esposa, há já 50 anos 😂😂😂 Boas recordações do Malhanga da Flor das Avenidas e de toda aquela malta jovem na altura. Ainda nos encontramos no Porto, mas depois cada um seguiu o seu destino. Um grande abraço e seria um prazer voltarmo-nos a encontrar 👍 Boa saúde e Bom Ano 🙏🙏🥂🙏🙏
Luis Batalau
Era um assiduo frequentador dos jogos de basquetebol. Lembro-me bem do atleta em causa. Eram grandes jogadores. Abraço e Feliz Ano Novo
Nino ughetto
Foram tempos maravilhosos… quem poderia imaginar que seriamos traidos pelos nossos governos. Enfim, tudo passou tudo acabou. Um abraço d’um Moçambicano eterno
josé carlos alves da silva
Outros tempos, outros atletas, outras pessoas, outros clubes, outras memórias. Grande jogador, grande basquetebolista. Crakc puro. Abraços
Domingos Vilas Boas Jardim
Lembro-me bem dos basquetebolistas aqui referidos. Sou do tempo ver Gaspar, Leonel, João Domingues, já falecido há cerca dum ano, etc. nos juniores e mais tarde, já depois de vir do norte onde cumpri cerca de 17 meses de tropa (1970), vê-los já como seniores a dar espectáculo de basquete, que culminou com a conquista do campeonato nacional em Lourenço Marques, nos fins de1974. Cheguei a encontrar-me com ele, João Domingues, na altura com 72 anos, e com o Eustácio Dias, num fraco encontro de antigos atletas do CDM, ocorrido em num hotel de Lisboa, nas imediações do Campo Grande. Quando recebi a informação da seu falecimento, via BigSlam, fiquei surpreendido porque nesse encontro de meses antes achei-o com muito bom aspecto. Paz à sua alma.