MUDAM-SE OS TEMPOS
Dizem-me que se está a preparar uma lei que tem como objectivo regular o “consumo” de música estrangeira no País. A julgar pelas notícias já tornadas públicas, a lei vai determinar, em percentagem, a quantidade de música internacional que poderá ser difundida pelas rádios e televisões nacionais e igualmente a percentagem de contratação e promoção de artistas estrangeiros no território nacional.
À falta de melhor designação, poderíamos chamar a esta medida legal de “proteccionismo à actividade e indústria musical nacional”. Medida importante, necessária e que deveria estender-se a outros sectores (fala-se do cinema moçambicano) de actividade nacional, ora asfixiados pela importação desenfreada de itens similares aos produzidos localmente, alguns deles sem qualidade.
A título de exemplo poderia ser citada a capulana, cuja importação, da Ásia e do Médio Oriente, na década de noventa, a preços de “dumping” (abaixo do custo real da produção nacional) deu o golpe de misericórdia à já de si moribunda e condenada, indústria têxtil nacional.
Por outro lado, proteccionismo nacional sem controlo, poderá eventualmente matar a sã competição vinda de outros quadrantes geográficos e comerciais ficando nós obrigados a consumir produtos nacionais, sem qualidade, somente para proteger o que é “made in Mozambique”.
Proteccionismo às actividades nacionais é uma faca de dois gumes que os Governos devem ser hábeis de manejar para não ferir a demanda do povo com uma oferta sem qualidade.
Independentemente de tudo, eu aplaudo a ideia porque ela defende, dignifica e valoriza o trabalho artístico de alguns dos nossos músicos, que, bastas vezes, enfrentando dificuldades de vária ordem, fazem um enorme esforço para nos brindar com canções de qualidade. Digo “alguns dos nossos músicos” porque infelizmente nem todos afinam pelo mesmo diapasão.
Vou-me abster aos aspectos relacionados com a percentagem musical que as nossas estações de radiodifusão devem cumprir.
Ao tempo em que Rafael Maguni e Leite de Vasconcelos dirigiram a Rádio Moçambique, esta questão foi colocada.
Foi definido na altura que a nossa rádio estatal devia tocar 60% de música moçambicana, 20% de música africana ou de raiz africana e os restantes 20% de música anglo saxónica e de outros quadrantes do mundo.
Já nessa altura (estou a falar-vos de 1975 para diante) existia essa preocupação.
Mas porquê apenas 60% de música moçambicana. Porque na altura não havia música de qualidade suficiente, que permitisse aumentar essa percentagem.
Hoje, quem se der ao trabalho de escutar as emissões da Rádio Moçambique, dá conta que no período compreendido entre as 05.00 e as 22.00 horas, só se toca música moçambicana, relegando para segundo plano as canções estrangeiras, que só podem ser tocadas quando integradas em programas específicos, e que são transmitidos no chamado “período nocturno”.
Mas… as músicas moçambicanas que a RM toca são todas elas, músicas de qualidade? Claro que não são. Há música que ouvimos que nem devia ser transmitida num Canal Nacional da nossa Rádio Pública. Mas infelizmente essas canções (algumas) sem qualidade, (qualidade de gravação, da letra, dos arranjos, da composição, etc …) vão ocupando um espaço considerável da programação da principal estação emissora do nosso País.
Então, o esforço não deve ser apenas o de criar percentagens (com as quais eu concordo) de músicas moçambicanas a serem tocadas e/ou exibidas pelas estações de Rádio e Televisão nacionais, mas sim o de fazer acompanhar esta medida com a criação de condições para o aumento gradual da qualidade das nossas canções.
É preciso que haja continuidade desse legado musical de qualidade que existe e que nos foi proporcionado por vozes que hoje (na maior parte dos casos) começam a ser postas de lado.
Ou será que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”?
PS: Xadreque foi uma das vozes que, com a inegável qualidade da sua música, “alimentou” as emissões da Rádio Moçambique. “Ximbomana” que nos faz recuar ao tempo do chamboco, é apenas um exemplo. Que descanse em Paz.
Xadreque Mucavel
João de Sousa – 21.10.2015