No rescaldo do Campeonato do Mundo de Futebol de 2014
Só há uma forma de entender o fenómeno desportivo: na perspectiva das estruturas sociais. O que há de característico e fundamental no desporto é, justamente, o que define e caracteriza a sociedade em que ele se realiza” (José Esteves,professor de Educação Física, in “O Desporto e as Estruturas Sociais”).
Tendo em conta a amargura que transpareceu no rosto dos amantes portugueses do desporto-rei, e numa altura propícia a críticas em que, por vezes, segundo Pascal, “o coração tem razões que a razão desconhece”, julgo vivermos uma belíssima ocasião para não deixar cair no esquecimento os verdadeiros males que afectaram a desconsoladora participação da nossa Selecção Nacional no Campeonato do Mundo de Futebol de 2014. Isto é, a culpa, como é hábito nacional , não deve morrer solteira!
Por esse facto, torno a abordar um assunto que tanta tinta fez correr, tantas horas televisivas ocupou, tantas tertúlias de mesa de café mereceu, por os campeonatos mundiais de futebol se tornarem, por vezes, numa espécie de tribunal popular em que, por vezes, são sentados unicamente no banco dos réus os respectivos seleccionadores nacionais. Colho o exemplo do despedimento do brasileiro Filipe Scolari (que chegou a ser tido inicialmente de motu proprio ) diferente da posição assumida por Paulo Bento que, isentando-se de quaisquer culpas no cartório, disse, peremptória e publicamente, perante as câmaras de televisão, que não se demitiria. Pudera, não! Como escreveu João de Deus: “O dinheiro é tão bonito / Tão bonito o maganão! / Tem tanta graça o maldito / Tem tanto chiste, o ladrão”.
Quanto à direcção da Federação Portuguesa de Futebol,
parafraseando uma expressão utilizada nas actas das audiências dos tribunais portugueses “aos costumes disse nada”, também ela, ainda nada disse sobre medidas futuras a tomar para evitar novos e previsíveis desaires. E aqui põe-se a questão: mas serão os selecionadores nacionais os únicos culpados? Porventura, estarão isentos de culpa os governantes com a tutela do Desporto, os dirigentes federativos que se põem em evidência quando as vitórias lhes batem à porta e recolhem ao silêncio quando as derrotas lhe entram casa adentro? E os próprios jogadores, estrelas de um firmamento futebolístico que nem sempre cintila, fazendo dos campeonatos mundiais de futebol uma feira de venda de si próprios, com a ajuda preciosa dos seus agentes, atingindo os seus passes cifras astronómicas e, ipso facto, descurando o necessário jogo de equipa de uma modalidade desportiva colectiva por excelência?
Ou seja, em que cada jogador joga apenas em possível (e nem sempre conseguido) proveito próprio, desrespeitando os interesses da equipa nacional que representa, e atentando, em desespero de causa, contra a integridade física dos jogadores da equipa adversária, fazendo com que o desporto profissional corra o risco de se tornar num verdadeiro circo dos tempos da Roma Imperial. Entretanto, em nossos dias, nos camarotes vipes, altas personalidades da vida nacional, alijam possíveis responsabilidades, enquanto na arena seleccionadores e jogadores se tornam pasto de verdadeiros e ululantes fanáticos que enchem os estádios e tudo deles exigem, passando das palmas aos assobios, num abrir e fechar de olhos, já que não podem exigir o sacrifício das suas vidas, em desforço de uma nação humilhada.
E, desta forma, são esquecidos os aumentos de impostos, os cortes nos ordenados e pensões de velhos e doentes, um serviço nacional de saúde a rebentar pelas costuras, um ensino alfobre de mediocridade, uma economia deficitária com bancos recapitalizados com o dinheiro dos contribuintes e o aumento de desemprego – o maior flagelo de qualquer sociedade. Irónica e paradoxalmente, são, por vezes, em época de eleições, estas desgraças transformadas em bandeiras de êxito governativo de uma sociedade em que os pobres deste mundo de Cristo estão cada vez mais pobres, a classe média passou a pobre e os ricos estão cada vez mais ricos por mando, ou simples conivência, daqueles que, por usarem suspensórios, exigem que o povo aperte o cinto de calças com o cós descaído na cintura de um corpo com fome ou uma alimentação pobre.
Por ”o desporto caracterizar a sociedade em que se realiza”, como bem enfatizou, e nunca é de mais repetir, José Esteves, doutor honoris causa pela Universidade Técnica de Lisboa, , interrogo-me, e interrogo o leitor: poderá a nossa selecção, debaixo da orientação de Paulo Bento, ainda mesmo remendada com um ou outro novo jogador, vir a fazer melhor no Campeonato Europeu de Futebol que se avizinha? Julgo que só por milagre! E os milagres não acontecem todos os dias. Por isso mesmo é que são milagres. Seja como for, que a eliminação da equipa das quinas tenha servido de lição para que se não repitam erros passados em tentar, através de mezinhas de curandeiro resolver os verdadeiros problemas da nossa infaustosa participação no último Campeonato do Mundo.
A preparação do próximo Campeonato Europeu bate-nos já à porta.
Entretanto os graves problemas que afectam a sociedade portuguesa continuarão a ser deitados para trás das costas, voltando tudo à tristeza do nosso dia-a-dia até que a alegria volte a espelhar-se nos rostos lusitanos por os majestosos estádios de futebol do Velho Continente se encherem de novo em renovada esperança no esquecimento das sábias palavras de Sthepen Covery: “Se continuarmos a fazer o que estamos a fazer continuaremos a conseguir o que estamos a conseguir”.