O rodapé
O rodapé é uma barra de madeira que se coloca ao longo da parte inferior duma parede. Mas não é este rodapé o objecto do meu escrito de hoje. Quero referir-me a um outro rodapé. Ao texto corrido que normalmente surge na parte inferior do ecrã durante a emissão dum programa de televisão.
Ao olharmos para o rodapé de alguns dos nossos canais de televisão somos confrontados com um sem número de barbaridades gramaticais que bradam aos céus. Esses erros passam sem que ninguém do interior da estação televisiva mova uma única palha. São esses responsáveis, cujo dever é, entre outras coisas, corrigir o que está mal, que alinham no sistema do “deixa-andar”.
Quando em rodapé dum noticiário de um dos nossos canais de televisão de maior audiência aparece a palavra “forão” em vez de foram ou “assessórios” em vez de acessórios, é sinal de que alguma coisa está mal.
Na transmissão directa da tomada de posse do Presidente Jacinto Filipe Nyusi, ouvi (e vi) um dos jornalistas indigitados para fazer esse trabalho dizer “vamos ver se consigo arrancar algumas palavras ao Presidente Keneth Kaunda”. Aprendi (nesta vida estamos sempre a aprender) que em televisão as palavras “arrancam-se”. Sinceramente!
Uma outra barbaridade que eu registei refere-se à notícia dada por um canal de televisão sobre o incêndio que deflagrou na Pastelaria Nautilus, na Avenida Julius Nyerere em Maputo. O repórter que deu a notícia referiu-se por mais do que uma vez a um incêndio “numa casa de pastos” Com que então “pastos”? A este tipo de profissionais, um colega meu de longa data, tarimbado ao tempo do “Jornal Sonoro” da Rádio Moçambique costuma chamar de “jornalistas formados no ar condicionado”.
Já agora mais uma. Num dos jornais que se publicam em Maputo aparece, numa determinada notícia a palavra “elecopteros” em vez de helicópteros. Por outro lado tem aparecido num dos nossos canais de televisão uma exortação no sentido de oferecermos produtos não “pericíveis” para apoio às vítimas das cheias da Província da Zambézia. Acredito que o autor do texto quisesse escrever “perecíveis”. Provavelmente a culpa é do dedo que teclou mal o vocábulo.
Afinal de quem é a culpa? De quem escreve mal? De quem ensina? De quem admite?
Onde ficou o José Maria Relvas? Onde ficou o Francisco Torrinha? Quero acreditar que esta nova geração de profissionais da comunicação social não deve fazer a mínima ideia de quem são (foram) estes senhores e da importância que eles tiveram no ensino da língua portuguesa que por sinal continua a ser a língua oficial no nosso País.
Eu já estou como um amigo meu que me dizia “para quê uma gramática se já temos doutores que a partir dum canudo se tornam os donos da sapiência”?
Não sei como é que o novo ministro da educação, o Professor Doutor Jorge Ferrão, que até é um excelso purista da língua portuguesa, conseguirá lidar com estes fenómenos? Será que alguém consegue colocar o guizo no pescoço do gato?
Quando comentava com um amigo este problema, ele foi peremptório em afirmar: “se fosses a mencionar todas as calinadas que nascem como cogumelos depois da chuva, não haveria papel que chegasse para o fazeres.”
João de Sousa – 04.02.2015