O treinador de Atletismo António Matos, sua vida e suas circunstâncias
Com a felicidade estampada nos rostos, o treinador António Matos e a sua ex-pupila Manuela Alves no “1º Encontro de ex-atletas do Parque José Cabral”
O homem é o homem e as suas circunstâncias” (Ortega y Gasset, 1883-1955).
O treinador de Atletismo António Mateus de Ferreira Matos, de seu nome completo, a pedido meu, acedeu em facultar-me elementos da sua brilhante e extensa carreira para publicação deste seu currículo de vida sobre o seu passado e o seu presente em que, apesar de debilitado por problemas de saúde, continua a transmitir agora, em passada mais lenta pelo estropício dos anos, o seu saber nas pistas das margem esquerda do Mondego.
Assim, começo por traçar breves dados biográficos de António Matos. Nascido em Viseu, no primeiro ano da década de 30, muito cedo foi viver para Lourenço Marques onde seu Pai, Dr. Álvaro de Matos, seria colocado como professor no Liceu Salazar, vindo a ser reconhecido como um professor em quem a exigência e a competência o tornavam em figura respeitada na sociedade moçambicana e recordada por alunos. Colho exemplo no meu querido Amigo e seu antigo aluno, Eugénio Lisboa, professor jubilado da Universidade de Aveiro, que deu, num post seu, publicado no blogue ”De Rerum Natura” o testemunho das suas” aulas interessantíssimas de Inglês”.
Mas regressemos ao jovem António Matos , com 17 anos de idade, e ao despontar da sua vocação para o Atletismo, numa época em que o Futebol já era desporto-rei com a respectiva coroa a ser disputada pelo Hóquei em Patins de Moçambique que viria a ostentar o ceptro de campeão mundial desta modalidade em defesa das cores verde-rubro da bandeira de Portugal.
Com essa idade, António Matos, no salto à vara, com cana de bambu, saltou 2,80 metros. Querendo ensinar aos outros o que experenciara em si e tinha colhido, pela leitura do livro “Championship Techinique in Track and Field”, da autoria de Dean Cromwell, inicia a sua carreira de jovem treinador. Na altura, tendo verificado que Joseph Wilson ( primo do futebolista Mário Wilson), seu vizinho e futuro psicólogo com funções profissionais na Federação Portuguesa de Futebol, não possuía o biótipo dos lançadores de sucesso, passa a treiná-lo para a corrida dos 100 metros planos.
Entretanto, aparecem-lhe 12 adolescentes que treina na Pistas do Parque José Cabral da Mocidade Portuguesa. Em 1952, com 22 anos de idade é convidado para treinador do Grupo Desportivo de Lourenço Marques, tendo-se os seus pupilos destacado com realce para o velocista Jorge Mealha da Costa que iguala o recorde Nacional de Portugal com o tempo de 10,6 segundos. Passados dois anos foi nomeado seleccionador de Atletismo de Moçambique para um encontro internacional na África do Sul.
Em 1959, com a intenção de aperfeiçoar os respectivos conhecimentos técnicos, desloca-se a Inglaterra, com uma bolsa de estudos concedida pelo Conselho Provincial de Educação Física de Moçambique, onde frequenta com aproveitamento um prestigiado Curso Avançado de Treinadores de Atletismo na Universidade de Loughbough.
Continua a treinar o Desportivo de Lourenço Marques, sendo-lhe, em 1969, endereçado convite para treinar a Associação Académica de Moçambique (AAM) iniciando os respectivos treinos com algumas boas referências do panorama de atletas: Luís Oliveira, Nicolau de Sousa, Amir Amuza, António Soares Mendes, Luís Massiuana, António Saraiva, Marto Dias, Erasmo Muate, Luís Carlos Pais, etc. No ano em que inicia a sua função de treinador da AAM destacam-se os seguintes atletas: António Saraiva que estabelece novo recorde provincial no salto em altura com 1,85 metros; Nicolau de Sousa com novo recorde provincial nos 500 metros com o tempo de 1.06,8 segundos; e Luís Carlos Pais que em iniciados, na prova de 150 metros, estabelece novo recorde provincial com o tempo de 18,8 segundos. Treina, também a excelente atleta Isabel Santos.
No ano seguinte, ainda ao serviço da AAM, treina algumas das mais categorizadas atletas que para aí se dirigem conseguindo êxitos que vão de recordes provinciais a recordes nacionais. Desse naipe de atletas destacam-se Conceição Vilhena, Sónia Lemos, Argentina Abreu, Susel Abreu, Luísa António e a supracitada Isabel Santos.
O tempo alcançado nos 80 metros Juvenis por Conceição Vilhena, Isabel Santos, Sónia Lemos e Argentina Abreu de 10,5 segundos seria Recorde Provincial.
O tempo de 41,1 segundos, 4×80 juvenis, da AAM seria homologado como Recorde Nacional de Cubes de Portugal.
Sónia Lemos com o tempo de 19,5 segundos, nos 150 metros, estabeleceu novo Recorde Nacional na Categoria de Juvenis.
Na estafeta 4×100 metros Juniores/Seniores, as atletas Conceição Vilhena, Sónia Lemos, Isabel Santos e Argentina Abreu, com o tempo de 51,6 segundos, estabelecem novo Recorde Nacional.
Isabel Santos, no salto em comprimento, com a marca de 5,07 metros sagrar-se-ia recordista Provincial na categoria de Juvenis.
No sector masculino, a marca de 1,88 metros no salto em altura obtida por António Saraiva seria Recorde Provincial de Juniores/Seniores.
Em Agosto de 1970, é treinador da AAM no encontro com o Clube Ferroviário da Beira, realizado na cidade da Beira.
Em 1975, após a Independência de Moçambique, com a oposição dos atletas moçambicanos Stélio Craveirinha e Abdul Ismael, sob o pretexto nacionalista de António Matos não ter nascido em Moçambique, mas apoiado por Carlos Castro e outros, é convidado e aceita o convite para seleccionador de Moçambique no Encontro Internacional com a Tanzânia realizado no Estádio da Machava.
Em 1976, regressa a Portugal , vindo viver para Coimbra. Nesta cidade, treina atletas da Associação Cristã da Mocidade (ACM) conquistando os seus atletas o Campeonato Regional de Atletismo tendo ficado em 2.º lugar a equipa do Santa Clara vencedora habitual. Pouco depois, é nomeado Treinador e Seleccionador Regional tendo em vista a competições a terem lugar nas cidades do Porto e Braga.
Entretanto, o então Governador de Macau, Melo Egídio, presidente do clube 1.º de Maio de Macau convida-o para ir para esta região da Ásia. Aceita o convite por um período de 2 anos que se viriam a transformar em 17 anos considerados por si como os “melhores anos da sua vida”.
Em novo retorno à ocidental praia lusitana, vai viver para a Marinha Grande onde não encontra terreno propício para a sua actividade (por invejas de quem não é suficientemente humilde para reconhecer o valor dos outros) . Mas como é homem de “antes quebrar do que torcer”, a pedido de dois alunos seus treina-os com a condição de ser apenas uma vez por semana: ao sábado.
Corre o dia 18 mês de Maio de 2014. O Clube de Veteranos de Atletismo de Coimbra (CLUVE),
presta uma merecida homenagem a este veterano treinador de Atletismo, contas feitas, o actual decano de treinadores de Atletismo de Moçambique, que treinou atletas de Portugal em fronteiras africanas e asiáticas. E em que os resultados alcançados pelos seus atletas são prova provada (como hoje se diz) da sua competência e amor à modalidade desportiva da sua vida: O Atletismo.
Muito ficou por dizer. Todavia, não posso deixar de falar agora do cidadão António Matos, associando-o à minha pessoa para lamentar que a nossa amizade viesse a ter lugar somente em 73. A razão conto-a em pouca palavras. Em fins da década 50, sendo eu preparador físico da equipa de basquetebol do Ferroviário, num jogo decisivo com a equipa do Desportivo para a conquista de um determinado campeonato, ou simples troféu, estando o Ferroviário a perder, segundos antes do final do jogo, é assinalada uma falta ao Desportivo. Falta essa marcada com êxito pelo Ferroviário que fez com que ganhassem os locomotivas. Saltei de contente, situação que não caiu bem nos dirigentes do Desportivo, passando eu, como tal, a ser considerada “persona non grata”, embora, tempos antes, tivesse sido preparador físico (utilizando pesos e halteres) de nadadores seus e do Sporting que se deslocaram a Portugal para os Campeonatos Nacionais de Natação, em Portugal (1957), tendo as sua nadadoras pulverizado vários recordes nacionais.
Em 1972, pedi-lhe para colaborar comigo na realização do Teste de Cooper, a fim de estabelecer uma comparação entre a capacidade aeróbica de culturistas e praticantes de atletismo. A propósito, passo a citar uma passagem do meu livro “Os Pesos e Halteres, a função cardiopulmonar e o doutor Cooper” (p. 31): “António Matos logo se prontificou pondo não só gentilmente os seus atletas à minha disposição, como registou os tempos obtidos e testemunhou todos os dados coligidos: a si e aos seu atletas aqui lhes deixo o testemunho público do meu agradecimento”.
Este ano, através do seu sobrinho, Luiz Filipe, no “BigSlam”- “O Nosso Ponto de Encontro”,
a pergunta minha sobre o paradeiro do Tau (assim conhecido no meio dos seus familiares, amigos e admiradores), informou-me que ele se encontrava a viver em Coimbra cidade em que resido, também, sem ambos disso termos conhecimento, desde 1971. De imediato, marcado um encontro, nos reencontrámos passados 40 anos, em recordação de saudosos tempos da nossa vivência na “Cidade das Acácias”.
E dessa feliz oportunidade, nasceu esta modestíssima homenagem à sua pessoa que peca, outrossim, por tardia. Que ele me saiba perdoar a singeleza das minhas palavras que se redimem pela amizade cimentada ao longo dos anos sem perder o viço que a verdadeira amizade deve guardar e resguardar porque, como escreveu, no século XIX, Pierre-Joseph Proudon: “Em todas as decadências o primeiro sintoma é a depravação do sentimento de amizade”.
Um grande e apertado abraço, meu Amigo António Matos, e um bem haja pela sua vida e paixão ao serviço do Atletismo, em paragens dos continentes africano, europeu e asiático.
Rui Baptista – 07.10.2014
2 Comentários
Antonio Matos
A minha avançada idade já não me permite ter a ligeireza dos anos passados mas felizmente a minha sanidade mental está intacta e como tal passo a relatar o episódio em apreço. Marcada uma reunião com todos os atletas que iam competir com a Tanzânia no anfiteatro do Conselho Provincial de Educação Física. O Presidente da Associação de Atletismo informou todos que tinha sido nomeado Seleccionador Nacional. Stélio Craveirinha e Abdul Ismail obstaram tal facto, uma vez que eu não era moçambicano. Exactamente o que se passa com o Carlos Queirós que mão é iraniano, o Scolari português, Fernando Santos grego Fabio Capello russo, Jurgen Klingsman americano. Mais palavras para quê?
Rui Baptista
Meu bom Amigo Tau, li com emoção o seu comentário de que só agora tomei conhecimento. Não podia deixar, de forma alguma, ficar indiferente ao facto da sua memória ser posta em causa. Memória que eu testemunhei durante o tempo que durou o nosso reencontro em que a suas lembranças corriam em catadupa, Um grande e amigo abraço Rui