A minha actividade no sector da Reabilitação Física,
em Lourenço Marques
Prof. Rui Baptista anos 60
“E ondas do mar, e ondas do tempo, levam a voz de Prometeu, levam o seu grito de protesto e de revolta e de verdade aos horizontes longínquos” (João de Barros).
Por a história ser feita, também, com pequenos acontecimentos tendo como personagens homens comuns, atrevo-me em trazer a público alguns aspectos da minha acção profissional durante os 18 anos que estive em Lourenço Marques.
Por vezes, prisioneiro em grilhetas de sofrida recordação delas me quero libertar pelo exorcismo em dar notícia de sórdidas manobras de gabinete, e lúgubres intrigas de corredor, que impediram a minha tomada de posse do lugar de presidente do Conselho Provincial de Educação Física de Moçambique, depois de assinada a portaria ministerial de nomeação (1966).
Por desgosto difícil de suportar em manifesto clima de traição de alguns dos meus pares, o corte radical com o passado, até então, em animosa e jubilosa actividade como professor de Educação Física da Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque de Lourenço Marques,
no desporto escolar, no dirigismo associativo desportivo e em clubes desportivos (com destaque para o Clube Ferroviário de Moçambique: Ginásticas Educativa e de Competição e Culturismo, hoje apelidado de Musculação) de que espero dar notícia em escritos futuros.
Depois, todo um longo mester na Reabilitação Física – como que em terapia de esquecimento – desde o livre exercício profissional em Lourenço Marques até à respectiva docência no ISEF da Universidade do Porto.
Desde sempre, uma participação constante nos meios de comunicação escrita e falada, em artigos de opinião e entrevistas radiofónicas no Rádio Clube de Moçambique, e todo um jubiloso caminhar para onde era solicitada a minha voz e tudo aquilo que ela tinha para dizer em palestras e conferências, v.g., Associação dos Naturais de Moçambique e Sociedade de Estudos de Moçambique de que viria a ser presidente da respectiva Secção de Ciências.
Por entrega incondicional a uma profissão e a seu múnus, fiz uso da polémica, em que fui entusiasta na argumentação, firme nas convicções, retumbante no grito de revolta que levei à planície cómoda dos indiferentes e ao palácio ardiloso dos poderosos. Por vezes impiedoso, nunca esqueci no contraditor a pessoa a respeitar: discuti ideias, nunca questionei o direito à opinião de homens que entendi falhos de razão.
Mas porque vivi em época de mordaça para quem defendia opiniões em público, sofri ameaças veladas ou à luz do descaro de entidades oficiais que desejavam amordaçar quem se atrevia a contestar os senhores no poder. Outras vezes, pedi a exoneração de alguns cargos oficiais por não me curvar à vontade dos vizires ou, à boa maneira de Camilo, não obedecer a tolos!
Assim parti para novos rumos profissionais no sector da Reabilitação Física de que me orgulho por ter atravessado fronteiras moçambicanas com projecção no âmbito de um país então na vanguarda da medicina, a nível mundial. Para o efeito, reporto-me, a um documento comprovativo, passado pelo “primus inter pares” da Cirurgia Ortopédica sul-africana, Mr. David Roux, membro do muito prestigiado “Royal College of Surgeons of England” (uma visita à Wikipedia, esclarece que estes profissionais de excelência, no sector médico da cirurgia, renunciam, frequentemente no Reino Unido, por razões tradicionais da sua herança de barbeiros da Idade Média, ao título de “Doctor” (Doutor) optando pelo de “Mister” (Senhor).
Reza esse certificado ( traduzido abaixo para português porque, como se dizia na Roma Antiga: “ Em Roma sê romano):
“A QUEM INTERESSAR:
“Isto é para certificar que tive um relacionamento profissional com o Senhor Rui Baptista, de Lourenço Marques nos últimos sete anos. Ele é um fisioterapeuta de renome, em Lourenço Marques, e tenho-lhe confiado, durante estes anos, o cuidado pós-operatório de muitos pacientes ortopédicos meus de Moçambique. Ele providenciou sempre um serviço excepcional e, se pensar imigrar para a África do Sul, eu teria o maior prazer em apoiar a sua candidatura e endossar a sua qualidade de bom activo para a África do Sul, em particular no campo paramédico de ginástica curativa e fisioterapia”.
Como escrevi no início deste meu texto, por a história ser feita, também, com pequenos acontecimentos tendo como personagens homens comuns apenas pretendi fazer o historial do corte radical que se processou na minha vida profissional exercida inicialmente, com muito entusiasmo, no campo do Desporto Escola e depois encaminhada para o sector da Reabilitação Física pelo destino de uma nomeação, falhada à última hora, para presidente do Conselho Provincial de Educação Física de Moçambique. Não fui eu que abandonei esse passado, foi o destino que assim o determinou.
A prova de amizade, direi mesmo de carinho, que continuo a receber de antigos, e muito por mim considerados, alunos da saudosa Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque
(e da Escola Comercial Dr. Azevedo e Silva, onde tive apenas uma passagem docente meteórica, em vésperas de 25 de Abril) é merecedora do testemunho (ou mera explicação) de um homem comum que comunga do princípio de que “a vida é um pouco mais complexa do que se diz, e também as circunstâncias. Há uma necessidade premente de mostrar essa complexidade”, como escreveu Marcel Proust.
Nada mais do que isto ou, em boa verdade, uma pontinha de satisfação, por um passado de serviço à sociedade moçambicana reconhecido no elevadíssimo padrão do campo médico-cirúrgico da África do Sul do nosso tempo por David Roux, cirurgião, de que a História (com letra maiúscula) guardará memória e gratidão.
P.S. : Depois da descolonização de Moçambique, assentei arraiais nas margens do Mondego (1975),
prosseguindo a minha acção no sector da Reabilitação Física, comprovada com este ofício do Centro Hospitalar de Coimbra:
2 Comentários
clara vanzeller
Cumprimento-o pela sua comunicação sobre o trabalho efectuado em Moçambique que, lá acompanhei até ao 25 de Abril.
Posteriormente, fomos colegas, em E.Física, no Liceu José Falcão nos anos lectivos 74/75 e 75/76.
Um beijinho
Rui Baptista
Colega Clara: É sempre agradável sermos surpreendidos com a recordação de ambos dos saudosos tempos da “Cidade das Acácias”. e da nossa vinda para a docência do Liceu José Falcão. Que é feito de si? Retribuo o beijinho.