Richard Almstedt… Um Basquetebolista que os moçambicanos não esquecem!
Por: Alexandre Franco
Ao contrário do que aconteceu com a tentativa que fizemos para entrevistarmos Frank Martiniuk para o BigSlam, onde ele denotou ter medo da FBI, da CIA, ou de coisa parecida, eis que com Richard Almsted foi tudo muito fácil.
Começámos por lhe pedir que nos falasse dos seus primórdios no Basquetebol, ou como começou a bater as primeiras bolas, a ganhar os primeiros ressaltos e a fazer os primeiros “afundanços”…
E vejam só o que aconteceu.
“Nasci em St Louis Missouri, em 1948.
Na minha juventude fui jogador de Basebol. Joguei basquetebol numa liga da igreja da juventude, quando estava na escola secundária (11 – 12 anos).
Também comecei a trabalhar para a cidade de Ferguson, Parques de Missouri e no departamento de recreação quando tinha 13 anos de idade. Esta oportunidade permitiu-me participar na natação, basebol, basquetebol, wrestling (luta-livre) e futebol americano.
Eu tinha apenas 5’8″ (1,73 m) de altura. Estava no segundo ano na escola e não fui escolhido para a equipa de Basquetebol. Mas, entretanto, durante o verão, cresci 10 polegadas o que aconteceu entre o meu segundo ano (15 anos) e os anos júnior (15-16 anos de idade). Quando apareci no campus, o técnico de basquete lembrava-se de mim e pediu-me para jogar na equipa do ensino médio. Tínhamos uma equipa muito boa no colégio e tive a sorte de ganhar uma bolsa de estudos para Monmouth College, IL.
Quando apareci no meu primeiro ano da faculdade (com 18 anos) já tinha 6’10” de altura (2,08 metros).”
Como é que aconteceu Moçambique? Como foste convidado para jogar em Lourenço Marques?
Também sei que jogaste em Angola… Conta.
“No meu último ano na faculdade (1970) recebi um convite para jogar nos Royals Cincinnati (agora o NBA Sacramento Kings).
Ofereceram uma posição com os Flyers Binghamton da Liga Oriental (Esta foi a liga de desenvolvimento inicial NBA). Um dos treinadores na nossa faculdade era John Pfitsch de Grinnell College, em Iowa. O Treinador Pfitsch sabendo que eu estava interessado em jogar basquete depois da faculdade e contactou-me convidando-me para jogar em Portugal. A minha esposa (Vicki) e eu decidimos que ir para Portugal seria uma excelente oportunidade. Eu estava contratado para jogar no Porto no norte de Portugal, mas pouco antes de nossa partida descobrimos que a equipa do Porto tinha um jogador americano que não deveria regressar para a temporada de 1970/71, mas à última da hora, decidiu ficar.
O Treinador Phitsch contactou-me dando-me a oportunidade de jogar em Angola no Sport Luanda e Benfica. A Vicki e eu ficámos ainda mais entusiasmados com a possibilidade de viajarmos para África.
O Benfica de Luanda ganhou o Campeonato Provincial de Angola e eu fui o melhor marcador da liga.
Foi então que seguimos para Moçambique para disputar o Campeonato Nacional em 1971.
O Sporting L. Marques foi o vencedor do campeonato nacional,
tendo nós Benfica de Luanda ficado em quarto lugar, mas eu fui o melhor marcador do campeonato.
Foi durante este Campeonato que as equipas de topo em Moçambique começaram a falar comigo sobre a possibilidade de jogar em Moçambique no ano seguinte.
Fiquei muito interessado em jogar na Académica de Lourenço Marques. Tive a oportunidade de conhecer os jogadores da Académica quando eles jogaram em Luanda em 1970. Fiquei muito bem impressionado com a equipa e com o Professor Teotónio Lima, que era o treinador.
A Académica era patrocinada pela Universidade de Moçambique e esta apresentou-me uma oportunidade única. Eu sabia que queria ser treinador de basquetebol no nível da faculdade ou da universidade após os meus tempos de jogador. A relação com a Académica e a Universidade desempenhou um papel importante na minha decisão de jogar pela Académica.”
Vamos então passar para Moçambique. Quais as melhores memórias da tua passagem por Lourenço Marques?
“Os meus companheiros de equipa na Académica: Um grande grupo de jogadores!
Lembro-me do Joaquim Neves (éramos as “Torres Gémeas”), Quen Gui, Pedro Cerqueira, Mota Lopes, Luís Oliveira, Adriano Baganha, Fernando Almeida, Carlos Neves, Mora Ramos, Amoroso Lopes, …
Época 1971/72 – Seniores – AAM
Em cima: Adriano Baganha, Aurélio Vaz, Joaquim Neves, Richard Almsted, Mota Lopes, Pedro Cerqueira.
Em baixo: Luís Oliveira, Mora Ramos, Quen Gui, Ernesto Fernandes, Carlos Neves, João Donato.
Época 1971/72 – Seniores – AAM
Em cima: Dave Adkins (Treinador), Carlos Neves, Aurélio Vaz, Quim Neves, Richard Almstedt, Pedro Cerqueira, Adriano Baganha, Mota Lopes e António Lima.
Em baixo: Amoroso Lopes, Quen Gui, Mora Ramos, João Cruz e Luís Oliveira.
Época 1971/72 – Seniores – AAM
Em cima: Richard Almstedt, Adriano Baganha, Herculano Costa e Ernesto Fernandes.
Em baixo: Luís Oliveira, Carlos Neves, Quen Gui, Mora Ramos e Amoroso Lopes.
Alguns dos nossos jogadores estavam nas forças armadas e eu lembro-me que isso se tornou num grande problema durante a temporada 1971-1972. Houve muitos jogos em que faltavam jogadores como Quen Gui, Luís Oliveira e Joaquim Neves. Eu sempre senti que, se tivéssemos todos os nossos jogadores durante toda a temporada 1971-1972 teríamos ganho o campeonato.
David Adkins foi o treinador nesse ano e penso que ele provou como as suas equipas jogavam bem e com todas as peças no seu devido lugar!
A Vicki estava grávida do nosso primeiro filho durante a temporada 1971-1972 e bem me recordo das preocupações que tive pelo facto do nosso primeiro filho nascer em África, o que nos parecia um pouco perturbador. Tivemos um grande apoio dos jogadores na Académica, bem como de jogadores das outras equipas. Lembro-me especificamente que o Mário Machado e a sua esposa foram incríveis apesar da tremenda perda do seu filho, na mesma altura.
Os médicos em Moçambique foram fantásticos e as nossas preocupações foram totalmente infundadas. O nosso filho (Kenny) nasceu em Lourenço Marques, a 25 de Março de 1972, e o seu nome foi dado com base no nome do Quen Gui!
Eu ainda consegui falar com o Quen Gui antes dele falecer e disse-lhe que recordávamos com muito carinho a nossa passagem por Moçambique.”
Recordações de jogos, de adversários, de jogadores e situações que ficaram para sempre na tua memória?
“Lembro-me de batalhas enormes com o Sporting,
o Desportivo, o Ferroviário,
o Malhangalene e o Benfica.
Os jogadores contra quem eu melhor me lembro de ter jogado são o Mário Albuquerque, o Rui Pinheiro, o Nelson Serra, o John Hucks (Sul Africano), o Samuel Carvalho, o George Sing, o Mário Machado, o Paulo Carvalho, o Manuel Lima, o Victor Agostinho, o Mhalon Sanders (americano do Benfica), o Frank Martinuk (americano do Desportivo, no campeonato nacional disputado em L. Marques – 1971).
Muitas vezes penso na camaradagem entre os jogadores de Moçambique. As batalhas em campo eram ferozes, mas após o jogo íamos jantar ao mesmo restaurante, sempre com grande respeito entre todos. As multidões no Estádio (Pavilhão) do Sporting eram surpreendentes! Lembro-me de quebrar a tabela de fibra durante o aquecimento de um jogo a 15 de abril de 1972. A Vicki tinha chegado tarde ao jogo por causa do bebé e não sabia o que tinha acontecido. Os adeptos ficaram muito aborrecidos, mas depois do jogo estávamos todos juntos a confraternizar num dos restaurantes locais, e os mesmos adeptos perguntavam como estava o bebé e conversavam connosco sobre o jogo.
No final da temporada 1971/72, eu e a Vicki estávamos preparados para partir para os EUA, após o último jogo da temporada regular. Mas a Federação (Associação) de basquetebol pediu-nos para ficarmos, para eu jogar pela seleção dos All-Stars.
Colocaram-nos no Hotel Girassol
e tivemos uma experiência realmente maravilhosa durante os nossos últimos meses em Moçambique.
Ano de 1972 – Selecção dos “All Stars”
Em cima: David Atkins (Selecionador), Jim Jones (Sporting C.P.), Richard Almstedt (Académica L.M.), Kit Jones (Ginásio C. Figueirense/Sporting C.P.).
No meio: “Núcleo de Minibasquete” – Guilherme Silva Pereira, Daniel Silva, António Azevedo.
Em baixo: Mahlon Sanders (Benfica L.M.), Robin Clark (F.C. Luanda) e Dale Dover (F.C.Porto).
Ano de 1972 – Seleção L. Marques
(L. Marques x “All Stars”) – Pavilhão do Sporting L. Marques
Em cima: Juvelino Pereira (Seleccionador-adjunto), Fernando Alves, Mário Albuquerque, Rui Pinheiro, Eustácio Dias, Samuel Carvalho, Victor Agostinho, Adam Ribeiro (Seleccionador), Abílio (Dirigente).
Em baixo: Alberto Jorge, Mário Machado, Nelson Serra, David Carvalho.
O basquetebol era a modalidade “coqueluxe” em L. Marques, o pavilhão do SCLM com capacidade para 6.000 lugares, estava normalmente repleto e por vezes com público dentro do recinto de jogo!!!
Confira a imagem seguinte.
Ano de 1972 – Académica (AAM)
(“All-Stars” – 74 x Académica – 72)
Em cima: António Lima (Seccionista), Dave Adkins (Treinador), Adriano Baganha, Mota Lopes, José Quintela, Pedro Cerqueira, Aurélio Vaz, Joaquim Neves.
Em baixo: Mora Ramos, Luis Oliveira, Augusto Baganha, António Jerónimo, Quen Gui, Nuno Tristão.
Ano de 1972 – Selecção dos “All Stars”
Em cima: Jim Jones, Kit Jones, Richard Almstedt e Dave Adkins (Selecionador).
Em baixo: Dale Dover, Robin Clark e Mahlon Sanders
Ano de 1972 – Misto L. Marques
(Misto LM x “All Stars”) – Pavilhão do Sporting L. Marques
Em cima: Juvelino Pereira (Seleccionador-adjunto), Abílio (Dirigente), Paulo Carvalho, Fernando Alves, Manuel Lima, Aurélio Vaz, Samuel Carvalho, Victor Agostinho, Adam Ribeiro (Selecionador).
Em baixo: Mário Machado, Augusto Baganha (AAC), Adriano Baganha, David Carvalho e Alberto Jorge.
Lembro-me também da gratificante experiência de treinar os Juniores da Académica. Um dos jogadores – Rui Martins, que é agora o Vice-Reitor da Universidade de Macau,
também me convidou para ir a Macau durante a primavera de 2018 como professor convidado. A Vicki e eu estamos muito entusiasmados com esta oportunidade.
Para ver a reportagem desta viagem do Richard Almstedt a Macau clique AQUI!
Para além do basquetebol, lembro-me da beleza da Moçambique. Visitámos o Xai-Xai
e a Praia do Bilene muitas vezes
e agora que sou um ávido mergulhador espero poder voltar um dia àquelas maravilhosas praias.
Também fizemos duas viagens ao Parque Nacional da Gorongosa.
A segunda viagem foi aquela que o David Adkins fala no seu livro.”
O Basquetebol após Moçambique?
“A minha carreira no basquetebol depois de Moçambique continuou na Universidade de Houston. Fui treinador-adjunto na Universidade de Houston de 1972 a 1974,
equipa que era treinada pelo treinador Hall of Fame Guy V. Lewis,
foi uma excelente experiência.
Passei a treinar o basquetebol universitário no Lone Star College North Harris 1974-1981.
Um dos meus jogadores (Lynden Rosa) da Universidade de Houston (Phi Slama Jama) joga nesta equipa que é realçada no atual ESPN 30 entre os melhores 30 (Phi Slama Jama).
Através da minha experiência na Universidade de Houston criei amizade com grandes jogadores, casos de Elvin Hayes e também Hakeem Olajuwon.
Richard Almstedt com o almirante David Robinson – Bryan College Station.
Em 1981 também passei pelo mundo da arbitragem, foi um desafio dos árbitros que tinham arbitrado muitos dos meus jogos ao longo dos anos.
Tive uma carreira muito bem-sucedida onde não esqueço ter sido companheiro de Lebron James, enquanto no ensino médio, assim como Shaquille O’neal na escola e na faculdade.”
E foi assim que conversámos com Richard Almstedt,
um americano que não esquece Moçambique, não esquece os seus companheiros de equipa da Académica (AAM), assim como muitos dos jogadores que foram seus adversários em Moçambique.
Para terminar uma foto em família,
- Kanimambo Richard Almstedt por esta entrevista. Muitas felicidades e aquele abraço do BigSlam!
13 Comentários
Octávio Pó
Parabéns Richard Almstedt! Foste um dos meu7s grandes ídolos de basquete! Para além do mais, eu era da Académica. Nós e o Sporting, tínhamos as melhores equipes. Foste realmente um Grande, grande jogador! Moçambique, de resto, tinha o melhor basquete de todo o espaço português. Sem margem para dúvidas. Era o basquete, e não só Parabéns, também ao Samuel pela excelente entrevista.
josé carlos alves da silva
Tudo dito é bem dito. Ficam as saudades duma vida, de milhares de pessoas, dum tempo, duma época que foi um sonho. Ainda não acordei desse sonho. BigSlam obg por reviver pessoas nunca mais as vi desde 76. Mais não digo, ordens meu Médico Cardiologista. Não posso exceder-me. Obg e abraços e bjs para todos e todas
Luiz Branco
Dá um aperto no peito…saudades.
Carmen Ramos
Bateu a saudade… Obrigada Big Slam por nos trazer estas recordacoes tao bonitas, e parabens ao Richard (de quem me lembro bem) pela brilhante carreira que prosseguiu!
Diana Gui
Olá, sou a filha do Quen Gui e encontrei, por mero acaso, este site. Tão bom recordar o meu Pai. Bjs
BigSlam
Olá Diana, deves sentir grande orgulho pelo teu pai, pois foi um dos símbolos do basquete moçambicano e em particular da Académica de Moçambique e do Atlético Chinês da Beira. Um grande desportista e um grande amigo! Que esteja em paz!
Aparece sempre neste nosso “Ponto de Encontro!”
Aquele abraço do BigSlam.
Isabel Maria Nascimento Barros Santos
Muito obrigada pelo trabalho do Alexandre Franco e Samuel Carvalho! As lágrimas soltaram se! Muitas saudades desse tempo! Obrigada! Vocês são Maravilhosos!!!
Dave Adkins
Saudades. Cheers, Richard.
Ricardo Martins
Excelente viagem por uma modalidade única. Tenho um neto que se iniciou no mini, este ano com 8 anos. Vou passar-lhe esta entrevista para compreensão dos valores e vivências. Ser matriz do basket moçambicano é um privilégio. Ter convivido e aprendido com estes nomes que hoje pululam pelo Mundo das universidades das Academias com americano-moçambicanos… qual “cia” qual carapuça… Martinuk melhor a jogar… que a negar entrevistas. O futuro é referir Teotónio Lima, Hermínio Barreto, Augusto Baganha… e chorar KenGuy…ou Correia Mendes… abraçar Quim Neves ou George Sing. Sobre o “meu” Sporting não esqueço o Mario, Nelson, Luís, Belmiro, Tam, Dionísio… Abílio… e porque não o Terry ou o ocasional Hugs. Morgado… Meirim… com os petiscos do Domingos Moura na porta do meu pavilhão.
Obrigado Alexandre e Samuel pela viagem guiada ao meu baú de juventude desportiva. A Académica é sempre o baluarte de muito e bom desporto…
Quero ler mais… disto… no nosso Bigslam!
Antonio Ramos
Correção:
de facto ganhamos o jogo por 1 ponto, mas tínhamos perdido a 1a. mão por 2 e, erradamente, não houve finalíssima. Nesse jogo, eu fiz a minha 5a. falta sobre o Nelson, mesmo no fim do jogo e ele falhou propositalmente 1 dos 2 lançamentos, para evitar o prolongamento.
Abraço,
Tó Mora Ramos.
Antonio Ramos
Olá, Richard.
Grande equipa, a da Académica de 71 a 73. Devíamos ter ganho aquele jogo arbitrado pelo Freitas “Verde”!
Gostei de ver que tens gratas memórias desse tempo.
Grande abraço,
Tó Mora Ramos, to.mora.ramos@gmail.com
Antonio Ferreira
É uma bela entrevista.Bem documentada ,com fotos muito boas .Conheço e lembro-me perfeitamente de quase todos os jogadores, alguns americanos ,os quais joguei contra eles.Do Rich Almsted não, pois nessa altura já estava no norte a cumprir serviço militar.Não sei se ele estava integrado numa equipe de americanos que jogavam em Portugal e que fizeram uma digressão por Africa.Foram a Nampula jogar com uma selecção militar na qual eu me incluia.Fica-me essa dúvida.
António Rendas Pereira
Excelente, relembra uma das melhores épocas do basquete Moçambicano.Nesta altura tinha subido a sénior, representando a Real Sociedade.