História de um clube de bairro: Real Sociedade (CDRSM)
Inicialmente denominado “Real Sociedade da Sommerschield”, o Clube Desportivo Real Sociedade de Moçambique (CDRSM) nasceu informalmente no ano de 1964 por iniciativa da “malta do parque” da Sommerschield, um grupo de miúdos daquele bairro que diariamente se juntavam no parque central para as brincadeiras, jogos e “disparates” próprios da idade.
Nessa fase, o relvado principal era utilizado para a disputa de renhidas partidas de futebol que, não sendo permitidas pela CM, algumas vezes terminavam em hilariantes cenas de “fintas” à polícia.
A primeira opção para o nome tinha sido simplesmente “Real” de Lourenço Marques, por associação ao Real Madrid, à época o clube de futebol com maior projecção internacional. Mas, por se ter verificado que aquele nome era já usado por outros, foi necessário fazer rapidamente uma nova escolha. Para não abandonar a ligação à ideia original e pela afinidade do nome com outro clube de futebol espanhol (no caso, o Real Sociedad), surgiu então a alternativa “Real Sociedade”, que foi bem aceite por todos. Porém, por uma questão de simplificação, no meio desportivo local ficou vulgarizado o tratamento e identificação do clube simplesmente por “A Real”.
Segundo os pioneiros, as cores adoptadas para o emblema tiveram origem nas partidas de futebol disputadas no parque quando, para distinguir as equipas, uns ficavam com a camisa vestida e outros de tronco nu, dizendo-se então que jogavam os “castanhos” contra os “amarelos”. Daí a inspiração para as cores dos equipamentos originais, às listas verticais em castanho e amarelo-torrado. Também os bastões de críquete (ou “clíquete”, na genuína versão verbal) fazem parte do símbolo do clube em alusão a um memorável episódio “trágico-cómico” passado no parque, que ficou celebrizado pelos relatos dos que o presenciaram e protagonizaram, envolvendo o Eduardo Lopes “Badola” e um agente da polícia.
As actividades desportivas desenvolvidas nos primeiros anos centraram-se fundamentalmente em participações nos torneios de futebol de salão organizados na cidade, na realização de jogos amigáveis de futebol de onze e, com menos regularidade, de andebol e basquetebol.
Ano de 1971 – Futebol Salão
Torneio do Clube Militar
Em cima: Carlos Madureira, José Carlos Sepodes, Alfredo Vaz Pereira, Carlos Simões e Luis Mira.
Em baixo: Vítor Madeira, Henrique Bettencourt, Rui Duarte e José Mota.
Depois, com a introdução da prática do minibasquete em Moçambique, é com toda a naturalidade que a Real constitui e inscreve as suas próprias equipas nas competição e torneios que se realizam em Lourenço Marques.
Entretanto, alguns familiares e amigos mais velhos que já competiam regularmente em provas de automobilismo inspiram a criação do “Team Real Sociedade”, cujo principal objectivo consistia na luta pelos primeiros lugares das classificações por clubes nas provas de ralis.
É nesta fase que se evidencia o dinamismo e a grande capacidade mobilizadora do popular “Zé Bomba” – José Manuel Paiva Henriques, que ficou consagrado como o impulsionador e principal responsável pelo desenvolvimento das duas modalidades onde a participação da Real mais se focava, bem como pela criação das condições que permitiram inserir esta nova colectividade no panorama do desporto federado lourenço‑marquino.
A concretização desse desejo foi formalizada com a legalização do clube, o que sucedeu após a elaboração dos respectivos estatutos e sua posterior aprovação pelas entidades oficiais competentes. Com a realização, no dia 2 de Outubro de 1972, da Assembleia-Geral de fundadores que elegeu e deu posse aos primeiros órgãos sociais, ficou enfim oficialmente constituído o Clube Desportivo Real Sociedade de Moçambique (CDRSM). Para o cargo de Presidente da Direcção foi eleito José Carlos Marques Sepodes, escolhido como nome de consenso entre as “hierarquias históricas” que na altura rivalizavam, tendo José Manuel Paiva Henriques ocupado o lugar de Vice-Presidente.
Já então a coletividade Real Sociedade começava a impor-se no contexto desportivo da capital, através dos seus escalões de formação de basquetebol e da participação do Team Real Sociedade nas provas automobilísticas, pois eram estas as modalidades em que o nome do jovem Clube mais se evidenciava.
O atletismo não foi além de algumas incursões tímidas e pontuais, mais por iniciativa individual e vontade dos atletas em representarem o clube. Ainda assim, o José Jardim destacou-se como praticante do salto à vara com as cores da Real, tendo obtido um título de recordista nacional de iniciados.
O ponto alto do envolvimento nesta modalidade ocorreu em Junho de 1974, com a realização do “I Torneio Internacional da Real Sociedade”, onde participaram o Umbile Congella Athletic Club (U.C.A.C.), da cidade de Durban, atletas da selecção de Moçambique e dois representantes da Real, Eduardo Costa e José Jardim.
No automobilismo, sobressaem a dedicação e capacidade organizativa dos irmãos Fernando e César Almofrey, que contribuíram decisivamente para a afirmação do clube nas modalidades de pista e estrada e para uma crescente adesão de concorrentes e entusiastas que conduziram o Team Real Sociedade à conquista de inúmeros troféus ganhos tanto nas classificações por clubes como individuais. Foi ainda assumida a organização anual do rali da Real, que passou a integrar o calendário do Campeonato de Ralis do Sul do Save. Por ter vencido este campeonato durante três anos consecutivos, em 1972, 1973 e 1974, a Real conquistou a correspondente taça a título definitivo (3 anos seguidos ou 5 interpolados).
Dos pilotos que fizeram parte da equipa de ralis merecem destaque, entre outros, os irmãos Ferreira da Silva, Hassan Mayet, Antunes Guimarães ou José Graça. O próprio Zé Bomba, cujos extraordinários dotes de condução eram por todos reconhecidos, foi também um grande representante da Real não só nos ralis mas fundamentalmente em memoráveis provas de velocidade que disputou no autódromo.
Mas sem dúvida que onde o clube obteve mais notoriedade e atingiu maior dimensão foi no basquetebol. Para além de competir em todos os escalões das camadas jovens, em Outubro de 1972 constituiu também a sua equipa sénior, passando a partir daí a participar nos torneios e campeonatos federados de primeiras categorias.
Época 1972/73 – Seniores
(Apresentação da primeira equipa de seniores da Real Sociedade – Pav. da Malhangalene no dia 15.10.1972)
Em cima: Eduardo Lopes “Badola” (Dirigente), António Medeiros Jr, Carlos Simões “Kiko”, José Carlos Sepodes (Capitão), António Azevedo, Orlindo Lopes, Luis Garcês “Tico”, José Rodrigues, Eduardo Branco “Becas” (Treinador).
Em baixo: Adriano Saraiva, Luis Graça Pereira, José Mota, Edgar Almeida “Garito”, Fernando Almeida “Pinóquio”, Rui Carvalho.
Época 1972/73 – Juniores
(Apresentação da equipa de Juniores da Real Sociedade – Pav. da Malhangalene 10.1972)
Foi várias vezes campeão distrital e provincial de juniores, juvenis e iniciados, alcançando o auge em 1975 quando, já na recém-independente República Popular de Moçambique, se sagrou campeão nacional em todas as categorias de formação: Iniciados, Juvenis e Juniores, tornando-se assim no clube com mais títulos no ano da independência de Moçambique.
Época 1975 – Iniciados
• Campeão Provincial Maputo • Campeão Nacional República Moçambique
Em cima: Carlos Pauleta (Dirigente), Marcial Ferreira, Alberto Van-Zeller, Hélder Nhandamo, Eurico Dias, Carvalho Mandivate, António Azevedo (Treinador).
Em baixo: Vitor Ferreira, Fernando Donato, Carlos Ferreira, José Branco, Hermínio Simbine.
Época 1975 – Juvenis
• Campeão Provincial Maputo • Campeão Nacional República Moçambique
Em cima: António Azevedo (Treinador), Mário Costa, Carlos Alberto, Rolando Van Zeller, Rui Miranda, Júlio Tranquada, J. Portugal (Dirigente).
Em baixo: Carlos Candeias, Jorge Barriga, Alexandre Mata, Aníbal Manave, Mário Dionísio.
Época 1975 – Juniores
• Campeão Provincial Maputo • Campeão Nacional República Moçambique
Em cima: António Azevedo (Treinador), Henrique Vieira, Pedro Dias, Rogério, José Paulo Lobo, Jorge Taborda Carvalho.
Em baixo: “Zé”, Carlos Bértolo “Camané”, José Gamito Faria “Belhu”, Rui Miranda, Carlos Candeias.
Foi assim que começou o basquete nesta popular e emblemática colectividade. Clica no vídeo e recorda esses momentos…
Os treinadores que formaram e orientaram as primeiras equipas participantes das competições oficiais foram o Fernando Almeida “Pinóquio”, o António Azevedo e o Professor Hermínio Barreto, nos escalões de formação e o Eduardo Branco “Becas” nos seniores. Os treinos eram realizados no recinto desportivo do Colégio Verney, situado na então Av. Nossa Senhora de Fátima. Para além de se encontrar próximo da sede do clube, o campo possuía iluminação que também permitia treinar à noite.
Tendo-se mantido como um projecto fundamentalmente suportado pela carolice de um grupo de amigos, a colectividade não resistiu à partida para destinos longínquos de muitos dos seus dirigentes e fundadores, a partir de 1974. Assim, logo em 1977 foi comunicado às autoridades que superintendiam o desporto moçambicano o encerramento definitivo do Clube Desportivo Real Sociedade de Moçambique.
Mas os amigos, fundadores e ex-atletas da Real continuam a reunir-se num almoço anual que por regra se realiza no último sábado de Maio e onde, para além da habitual alegre confraternização, são ainda recordadas as histórias e episódios que marcaram a ligação ao Clube. São também nessa ocasião lembrados com saudade os companheiros que entretanto já nos foram deixando. Tendo-se cumprido em 2014 os 50 anos da génese da “Real”, o almoço daquele ano foi marcado por essa celebração e por uma oportuna iniciativa da Carla Amaral, que consistiu na elaboração de uma publicação com fotos dos presentes, também ilustrada com depoimentos e imagens que remetem para inesquecíveis memórias dos tempos iniciais.
- Créditos: José Carlos Sepodes; José Carlos Sereno; João Mendes de Almeida/Ricardo Brízido; Carla Amaral; Victor Pinho; Mário Rui Melo Alves.
- Nota: O texto não respeita o último acordo ortográfico.
José Manuel Mota – Outubro de 2021
- Se tiveres alguma foto de carácter desportivo ou social que não esteja aqui contemplada, envia para o email do BigSlam: geral@bigslam.pt
21 Comentários
jose alexandre russell
Uma história bem contada, de um clube que começou como sendo de bairro, e depois expandiu-se para além disso. A Real Sociedade criou o seu próprio espaço, e entrou sempre com galhardia nas modalidades que tinha. Bonita recordação.
Cândido Ramiro Filomeno do Carmo Azevedo
Interessante história. Mas se a realidade como clube com estatutos surgiu depois de 70, no futebol de salão já tinham uma equipa alguns anos antes, pois recordo-me de já em 67 ou até antes, jogar futebol de salão contra a “Real Sociedade”, onde um dos craques era o famoso “Chesman” e outro o Alfredo Vaz Pereira.
Firmino Fonseca
Boa tarde a todos.
Em primeiro lugar, uma palavra de agradecimento ao José Manuel Mota, por este magnífico trabalho, que traz de volta belas memórias do que foi a nossa juventude em Lourenço Marques e, mais particularmente, na Sommerschield.
Eu e os meus irmão – Firmino Fonseca, José Miguel Fonseca, Piti Fonseca, e primos nossos – José Sena, André Meirelles, Pedro Meirelles, e amigos como Pedro Braga, José Aranda da Silva e Guta Cabral, (não consigo lembrar-me de todos, infelizmente) estivémos na génese da Real Sociedade da Sommerschield, na modalidade do Futebol de Salão, ainda nos anos 1960, quando o Clube era realmente e só, um Clube de Bairro, antes de ter beneficiado, mais formalmente, de Estatutos.
Julgo ainda ter uma fotografia da nossa equipa dessa altura, que vos enviarei com muito gosto, caso a consiga encontrar.
Mais uma vez muito obrigado por estas memórias, e um grande abraço para todos.
Nelson Silva
Levado pelo Zé Paiva Henriques, meu colega em “A Tribuna”, tornei-me sócio do Real Sociedade – o número 21, se a memória na me falha. Assisti até a assembleia geral e tomada de posse de órgãos sociais, mas – não o vendo mencionado na peça – devo estar confundido, porque me recordo da presença do Dr. José Carlos Sereno nessa cerimónia, tomando posse. Bom trabalho, recordando o mais jovem clube da capital moçambicana que, em pouco tempo, tanto contribuiu para o desporto.
José Gonçalves
Belo texto, que nos remete para os tempos da juventude, da cidade que nunca esqueceremos e do Moçambique que tanto amávamos. A Real era, sem dúvida, um clube com enorme potencial e recheado de bons valores, tanto ao nível dos praticante como dos dirigentes. Recordo com saudade os amigos Badola e Zé Bomba, para quem vai um grande abraço, estejam onde estejam. Obrigado, também, ao autor do texto.
José Manuel Mota
Obrigado pelo comentário, José Gonçalves! Um abraço.
Manuel Martins Terra
Uma bela recordação trazida com muita oportunidade pelo José Manuel Mota, que nos reporta a fundação do Clube Desportivo da Real Sociedade, que muitos outros emblemas laurentinos, tiveram o seu berço em bairros. Foi o caso do CDRS, que depois de uma experiência tímida passou a projetar-se como uma coletividade eclética que rapidamente ganhou expansão e afirmando-se no desporto federado, com especial destaque para o Basquetebol, onde se destacavam alguns basquetebolistas de valor, caso do Carlos Simões,José Sepodes e do António Azevedo. Não me restam duvidas que se não fora a extinção verificada em 1977, depois do êxodo de muitos praticantes e dos seus laboriosos dirigentes, o Real Sociedade tinha todas as condições para vingar no desporto moçambicano. Ambição e querer, era o lema dos seus dirigentes.Apenas por curiosidade, não sei se o CDRS de LM, tinha algo em comum com a Real Sociedade, na cidade da Beira? Apenas uma coincidência, ou talvez não.
Carlos TROCADO FERREIRA
Parabéns pelo excelente texto, documentação e de toda a emoção que perpassa pela sua leitura. Um bem-hajas, José Manuel, com um abraço.
José Manuel Mota
Obrigado, Carlos! Abraço.
João Santos Costa
Parabéns e muito obrigado, Zé Mota! Por este teu excelente artigo sobre o “nascimento” de um clube, que começou por ser um clube de bairro, mas que depois passou a fazer parte dos grandes da nossa LMarques.
Li com muito interesse, porque está muito bem escrito e documentado com fotografias da época. E também porque o seu nascimento foi o único a que assisti durante toda a minha vida em LMarques. E, que me recorde, foi o último a ser criado antes da independência.
Parabéns também para a Carla Amaral por, no último sábado de Maio, dinamizar o almoço com os fundadores, atletas, amigos e simpatizantes da Real Sociedade.
Um grande abraço, Zé Mota.
José Manuel Mota
Obrigado, João! Grande abraço.
Victor pinho
Alo José Mota. Agradecemos muito esta história da formação da Real Sociedade e toda a excelente reportagem. No que respeita ao Atletismo para além do José Jardim extraordinário saltador á Vara que representou este clube faltam aqui nomes e referências como a do grande Sprinter que foi e representou a Real Sociedade Eduardo Costa e mais o Juvenil Carlos Castelo Branco, Mário Resende e Armando Duque.Tenho reportagens do Torneio Real Sociedade e fotos do Eduardo Costa, Mário Resende e Carlos Castelo Branco em provas envergando a camisola da Real Sociedade. Uma pergunta: da-me autorização de no capitulo do livro” A Historia do Atletismo de Moçambique ” onde refiro os clubes que em Moçambique tiveram secção de atletismo acrescentar mais alguns dados foi que estão neste bom trabalho? Obrigado. Parabéns pela recordação de um clube que foi uma referencia especialmente no Basquetebol.
José Manuel Mota
Obrigado, Victor Pinho! O texto consiste apenas numa compilação resumida de informação por mim recolhida, onde pude incorporar alguma da vivência pessoal directa no período de arranque do clube. Recorri por isso a fontes diversas, onde se incluem também as suas excelentes publicações sobre o atletismo em Moçambique.
Considerando tratar-se de matéria de natureza pública, não serão por mim colocadas quaisquer reservas à sua livre utilização. Pode por isso usar o texto ou extractos do mesmo como bem entender.
Grande abraço.
Mario alexandre de Jesus Gomes
Recordar é viver! Óptima reportagem!
BigSlam
Por motivos de ordem técnica ao qual o BigSlam é alheio, os comentário feitos via Facebook estão neste momento inoperacionais.
Só é possível deixarem o vosso comentário, neste espaço reservado para o efeito no BigSlam.
Conto com a vossa imprescindível participação!
BigSlam
Recordando um clube mítico nascido no bairro da Sommerschield e que já dava cartas no desporto em Moçambique.
Jorge Taborda
Meu querido Amigo
Simplesmente brilhante. Outra coisa não seria de esperar de ti
Ainda à menos de dois anos estive com a família no jardim e na nossa famosa sede a recordar os velhos tempos
Obrigado por manteres vivas aquelas recordações é um grande abraço deste teu amigo
Jorge
José Manuel Mota
Ó amigo Jorge, continuas um gajo simpático … ! Obrigado pelo teu comentário.
Grande abraço.
Joao barbosa
Motinha, excelente artigo. Abração Becas
José Manuel Mota.
Obrigado, Becas! Abração.
Francisco Duque Martinho
Optima reportagem e recordação. Parabéns aos autores.