Baú das Memórias: Recordando o título de Campeão Nacional de Basquetebol conquistado pelo Malhangalene, meio século depois…
O Clube Desportivo da Malhangalene, oriundo do popular bairro da Malhangalene, na cidade de Lourenço Marques era uma das filiais do Futebol Clube do Porto. Foi crescendo e atingiu notoriedade no hóquei em patins, ganhando títulos Nacionais e onde despontava esse gigante do hóquei em patins, Fernando Adrião.
O basquetebol era a segunda modalidade. Era a quarta equipa, atrás dos conhecidos Sporting de L.M., Clube Desportivo de L.M e Clube Ferroviário de Moçambique.
Na década dos anos 50/60 alinhavam Vieira, Armando, Américo, Gouveia, Simões, J. Coelho, A. Borges e Quintião.
Atingiu maior protagonismo na época de 1969/1970 em que foi segundo classificado no Campeonato Distrital e Provincial, época em que pela primeira vez foi treinador Adam Ribeiro.
Contudo, a época mais brilhante foi a de 1973/1974, que culminou com a conquista do Campeonato Nacional, o último com a participação das Províncias Ultramarinas.
A História dessa época
Contada por Adam Ribeiro
(Treinador na altura)
Quando peguei na equipa encontrei jovens habilidosos, mas só da cintura para cima. O trabalho de pés e técnicas defensivas eram tabu.
Também um pouco indisciplinados. Com trabalho foram melhorando e os resultados apareceram. Como reforço veio um jogador americano, Eric Bungard bom tecnicamente.
Mas passado um ou dois meses, começou a apresentar uma conduta estranha.
Corria pelas ruas e avenidas da cidade e faltava aos treinos e jogos.
Aconselhado por um médico, regressou aos E.U.A..
A equipa sentia dificuldades pois o Sporting, Desportivo , Ferroviário e Académica (esta com um ex-NBA, Greg Howard) tinham postes americanos.
Conseguiu-se então a vinda do Jimmy Romeo, que ia estrear-se contra a Académica.
O seu primeiro treino foi uma desilusão.
Pu-lo a competir 1×1 com o Eustácio Dias e nada mostrou.
Então após o treino disse-lhe: “vais ter de marcar o Greg Howard“, um ex N.B.A. ao que ele me respondeu: “OK coach. I take him!” Olhei para ele duvidoso, não acreditando que o conseguisse parar.
Pois foi, parou-o espetacularmente e vencemos o jogo. Mas o Jimmy Romeo fraturou o dedo médio da mão esquerda. Pensei, está arrumado! Mas para meu espanto faz toda a época com o dedo fraturado.
O Sporting de L.M. foi o campeão Distrital e as equipas do Malhangalene, Académica e Ferroviário tiveram de fazer uma poulle para apurar o segundo, terceiro, e quarto classificados.
O segundo classificado entraria diretamente no Provincial, enquanto que terceiro e quarto respetivamente Malhangalene e Ferroviário tiveram de ir à cidade da Beira disputar o o Pré-Provincial.
O Malhangalene venceu todos os encontros, marcando sempre mais de cem pontos.
Veio o Provincial na capital, sendo vencedor o Sporting L.M. seguido do Malhangalene. Logo de seguida veio o Nacional, o que obrigou a equipa do Malhangalene a fazer 16 jogos no espaço de 30 dias.
Perdendo o jogo de abertura para o Sporting de L.M. por 4 pontos, após ter estado sempre à frente do marcador, sendo Hermínio Barreto, o treinador da equipa adversária responsável pela reviravolta alterando a estratégia defensiva da equipa, passando para uma “zona press em meio campo” o que resultou em pleno. De seguida vencemos o o Sport Lisboa e Benfica em dois jogos, e após prolongamento.
Na abertura da segunda volta vencemos o Sporting por 14 pontos. Entretanto o Sporting perdeu para o F. C. Luanda o que nos obrigou a vencer esta equipa no último jogo do campeonato.
O Eustácio Dias tinha sido expulso no jogo anterior contra o Benfica e era uma baixa de vulto para o jogo decisivo.
O Malhangalene esteve sempre atrás no marcador e só nos últimos segundos passou para a frente e venceu por um ponto.
Agora divulgo um segredo:
“…a meio da época adquiri um livro do treinador americano Charles R. Ward, com o título Match-up Defense (hoje chamam-lhe zonas ajustadas)…”
Essa defesa entusiasmou-me; iniciava com uma zona 2×3 e com uma rotação dos jogadores no sentido contrário aos ponteiros do relógio, ajustando-se aos adversários. No lado da bola havia HxH puro, enquanto no lado fraco havia muita flutuação com princípios de zona.
Esta defesa complicou a estratégia ofensiva dos adversários e deu-nos bons dividendos. Fomos a melhor defesa do campeonato.
Alguns desses momentos inesquecíveis, em recortes de jornais da época:
A equipa do Malhangalene era constituída pelos seguintes jogadores:
Carlos Cachorreiro – 19 anos, Estudante;
Joaquim Fernandes – 19 anos, Estudante;
Avelino Ferreira – 23 anos, Militar;
Eustácio Dias – 19 anos, Funcionário;
David Carvalho – 19 anos, Agente de Trânsito;
José Costa Leite – 20 anos, Estudante;
João Domingues – 23 anos, Bancário;
Carlos Gaspar – 25 anos, – ;
Eurico Gonçalves – 18 anos, Estudante;
António Araújo – 17 anos, Estudante;
José Cardoso – 19 anos, Estudante;
Jimmy Romeo – 24 anos, Professor de Educação Física;
Treinador-Adjunto: Juvelino Ferreira;
Treinador: Adam Ribeiro;
Presidente do Clube: Aurélio Grilo.
Algumas imagens da Festa de Homenagem aos Campeões Nacionais de Basquetebol da época de 1973/74:
Em cima: António Teixeira (o popular “Malhanga”), Avelino Ferreira, Carlos Gaspar, Eustácio Dias, Jimmy Romeo, Eurico Gonçalves, Carlos Cachorreiro, Aureliano Graça (seccionista), Amélia Ribeiro (esposa do treinador Adam Ribeiro que não pôde estar presente à festa), Aurélio Grilo (Presidente da Direção) e Joaquim Fernandes.
Em baixo: Abel Moutinho (vice-Presidente da Direção), João Domingues, António Araújo, José Cardoso, David Carvalho e José Costa Leite.
Foi o ponto mais alto do basquetebol do Malhangalene, clube que no seguimento do 25 de Abril e da independência das ex-colónias, mudou a designação e nasceu assim o Estrela Vermelha.
Passados 35 anos, alguns destes ilustres campeões, reencontraram-se no reduto do BigSlam – a cidade da Figueira da Foz, no almoço de encerramento do 8º Encontro de Moçambicanos em 2009!
- Nota do BigSlam: Se te recordas deste acontecimento “Malhangalene Campeão Naional 1973/74” deixa o teu comentário com as tuas memórias no final deste artigo. Kanimambo!
14 Comentários
Tomané Alves
Se bem me lembro (e bem que lembro), esse Campeonato foi designado de Campeonato Inter-territorial (que teve outra história incontada), pois já foi realizado depois de 25 de Abril de 1974, e os tempos moldavam-se a novas “casacas” em que clubes conectados com o colonialismo deixavam de ter lugar. Para concluir: o último Campeão Nacional (do Império Português) foi o Sporting clube de Lourenço Marques, com o título conquistado em Luanda em 1973.
Nino ughetto
Lembro me bem desse bom tempo. Eramos verdadeiros desportistas, amigos uns de outros, uma família… mas o tempo não volta atrás… “tudo passa tudo acaba” fico deprimido cada vez que me recordo do bom tempo em minha terra meu Lourenço Marques. Um abraço saudoso aos que ainda estão presentes.
Manuel Martins Terra
Uma data histórica e uma época de ouro do CD Malhangalene, que apresentava em campo uma mística muito especial, assente no espírito de todos por um e um por todos, com uma equipa de grandes valores, que justificou as grandes abadas no Campeonato Provincial, e que depois com brilhantismo se sagrou Campeão Nacional de Basquetebol. O CD Malhangalene , associando-se ao brilharetes conseguidos pelo SCLM, e atendendo que só nos meados dos anos 60, do século passado, foi permitida ás equipas ultramarinas disputarem a fase final da modalidade, é caso para dizer que o melhor nível de basquetebol, se praticava em Moçambique. Parabéns, a todos esses grandes basquetebolistas, que nos deixaram as melhores recordações.
Álvaro Damas
Grande Malhangalene. Clube de bairro com muito Prestigio no desporto Moçambicano e Nacional.
Muitas Saudades.
Um grande abraço para o Meu vizinho, Eustácio Dias e seu Irmão Ernesto.
Álvaro Damas
ricardoquintino@netcabo.pt
Recordar é viver. Saudades do Malhanga. Resto de um bom verão a todos os colaboradoes e Administrador do Bigslam
LUIS BATALAU
NÃO PODEMOS ESCONDER A VERDADE. NO BASQUETE, HOQUEI EM PATINS E FUTEBOL ERAMOS OS MAIORES. COMO LUSO MOÇAMBICANO AINDA HOJE SINTO MUITO ORGULHO DE MOÇAMBIQUE. AGORA É O 7º PAÍS MAIS POBRE DO MUNDO. A CORRUPÇÃO É TOTAL. E OS BRANCOS É QUE ERAM RACISTAS!!!
Mary Olivier
O que é que este excelente artigo e o desporto teem a ver com a pobreza de Moçambique e com o racismo?
Quem verdadeiramente ama aquela maravilhosa terra e gentes não faz este tipo de comentário!!!
luiz branco
O seu comentário é justo só que omite uma coisa: quem fez o comentário provavelmente sente onde se podia ter chagado se as pessoas (algumas brancas e algumas de outras cores de pele) tivessem sido bem tratadas e pudessem ter permanecido e contribuido para o futuro.
Abraço
Carlos Santos
Claro, a Srª. Mary Olivier o que pretende com o seu texto é proteger a corrupção existente em Moçambique e ocultar a miséria que graça na população como consequência da referida corrupção. Bem haja
Mary Olivier
Sr Carlos Santos o senhor não me conhece portanto agradeço que não tire ilações erradas de palavras que não escrevi e muito menos acusar-me dos seus pensamentos.
A minha integridade jamais me permitirá defender a corrupção.
Quanto à situação de pobreza do povo, que muito me choca e lamento, devo dizer-lhe, embora faça parte do meu foro íntimo, que mensalmente colaboro com uma instituição local.
Se todos transformassem as palavras em actos talvez pudéssemos ajudar quem tanto precisa.
Finalmente volto a recordar que o artigo divulgado pelo BigSlam é sobre desporto!
Felicidades para si!
Carlos Trocado
É verdade Luís.
O sucesso de um país é o seu sistema educativo, sistema de transportes, sistema de saúde, sistema rodo e ferroviário, sistema de saneamento básico e político. Do sistema de comunicações e o sistema produtivo. Enfim, do sistema económico.
Temos de admitir que quando um país ou o seu povo (maioria) toma determinadas opções tem de levar com as suas consequências. Nos expulsámos os brancos e outros peles-claras de África posto que acreditávamos (acreditamos) que eles eram desnecessários. Tudo bem, faz parte da coisa histórica.
Todavia, temos de aceitar que nós, os africanos, percamos as prerrogativas que os europeus nos trouxeram para África, in illo tempore, e que nos permitiu dar saltos civilizacionais. Temos de o admitir, para o bem e para o mal. Portanto, não podemos reclamar vagas nas escolas superiores na Europa, acesso facilitado aos sistemas de saúde europeus e sobretudo abstermos de exigir ajuda quando algo nos corre mal militar e ambientalmente.
Sejamos sérios, corajosos e trabalhadores pois o que decorre desta imagem e sublinhado pelo Luís Catalau, é que em África houve décadas de progresso, dinamismo incorrupto e sabedoria administrativa.
Luis 'Manduca' Russell
Parabéns, Grande Malhanga!
josé carlos alves da silva
Lembro me muito bem destes jogos espectaculares. Belos tempos. Saudades. Parabéns ao Malhanga
Jorge Diniz Sousa
Grande BAÚ, cheio de memórias incríveis, muito bom recordar esses tempos . Um grande ABRAÇO PARA O EUSTACIO DIAS DO JORGE DINIZ!!!!