CARTA AO MEU IRMÃO AMÉRICO
Por Cândido Azevedo
Querido Américo
Há poucos dias foi a data do teu aniversário. E mais uma vez senti essa enorme tristeza, essa imensa saudade e verti algumas lágrimas. Há já alguns anos que não ouço a tua voz, nem vivo o teu apertado abraço. Mas sei que estás comigo, com as nossas irmãs e com os nossos amigos.
Há cerca de dois anos, sem querer, descobri o BigSlam, ponto de encontro dos desportistas de Moçambique.
Decidi, passado algum tempo, divulgar esta carta junto dos nossos amigos, para que não se perca no meu baú de memórias. Fi-lo porque foi nesse desporto moçambicano, com os seus dirigentes, técnicos, desportistas e roupeiros, sem raças nem credos, que ambos vivemos tempos de profunda, bela e sincera amizade. E essa divulgação é justa, porque esse enorme grupo de amigos que fizemos, ainda hoje, quando me desloco a alguns convívios de gente moçambicana, muitos, desconhecedores da tua partida para esse outro lado do caminho, perguntam por ti; outros, constantemente te recordam. E recordar-te junto dos teus amigos como dedicado desportista que foste, é para mim orgulho e obrigação aqui dar conta.
Comecemos.
Desde que vieste ao mundo, (eu já cá estava, só e entre 3 queridas irmãs), ficámos de imediato ligados por uma cadeia de instantes, de gestos, actos e experiências, partilhados por esse amor tão delicado que, quantas vezes ainda inconscientemente se constrói entre irmãos. E não estava eu mais “só”, entre elas. Agora éramos dois. A tua chegada nada diminuiu em mim, pelo contrário, tudo aumentou: ganhei em companhia masculina, na partilha de segredos e brincadeiras próprias de rapazes, na “luta com o sexo oposto”. Entretanto elas, eram já quatro.
Crescíamos juntos. Brigas? Quem as não tem, mas nada que durasse, pois, minutos depois já não nos lembrávamos. Crescíamos lado a lado, nós e elas, os seis, ligados num equilíbrio que se tornava belo e assaz invejável, bastas vezes referido pelos outros sem desdém, principalmente nos campos desportivos, como os “manos Azevedo”.
Tenho que parar! As lágrimas surgem-me silenciosamente… pois escrever sobre um irmão que tanto amámos e que partiu inesperadamente é seguramente um exercício difícil, que obriga a mergulhar no mais profundo de nós, pois todas as memórias vêm ao de cima…
Retomemos.
Ao folhear o livro com a “história da minha vida” encontro-te em todos os capítulos. Logo no primeiro, na distante Nagar Haveli,
ex-Estado Português da Índia, onde nasceste pequenino, moreno e de olhos brilhantes, desde cedo colocado no meu quarto. Tinhas um ano e eu três. Contava a nossa querida mãe que pela noite, quando choravas, era eu o primeiro a atender-te, aflito… para depois correr a chamá-la e ela exausta, exausta sim pelos trabalhos que a mais nova agora dava, a Dalila, me dizia: “- Deixa Cândido, chorar uns minutos faz bem ao Américo…”.
Pouco tempo depois, já em Damão, ainda bem crianças, após a chuvada da monção pela hora do jantar, em caminhadas aventureiras pela calada da escuridão, a pouco mais de cem metros de distância da porta da casa, levava-te a ver os pirilampos. Aí ficávamos eternos minutos a admirá-los sem apanhá-los, contemplando a sua luminosidade e a beleza da sua fragilidade dançando na brisa que se fazia. Ali de pé, de mãos dadas e naquele silêncio, seriam aqueles traços de luz a escrita dos nossos sonhos ou seria o nosso destino em asas? Recordo-me de vultos no escuro a aconselharem-nos em língua guzarate “Subha ratri. Chokara’o ghare ja’o.” (Boa noite. Vão para casa meninos …).
No ambiente militar onde vivíamos, influenciados pelos militares metropolitanos tornámo-nos benfiquistas. As irmãs, as quatro, influenciadas por outros militares, só para contrariar os rapazes, fizeram-se sportinguistas.
Mais crescidotes, já em Bicholim, Goa, no quintal do casarão onde morávamos e onde eu corria o arco e lançava o pião, choravas por não o conseguires e então de manga verde e sal nas mãos ou roendo tamarino, levava-te a passear pelas ruas do bazar mesmo em frente, onde éramos reconhecidos e cumprimentados em concanim por “babá, babá Chef acho cheddo” (olá meninos filhos do Chefe).
Deixámos Goa e no “Lúrio” viemos para Moçambique.
Sim, Moçambique, a terra que fizemos nossa! Nos meses na casa da avó, que nos acolheu, mesmo ao lado do Clube de Trás-os-Montes, na 24 de Julho, o nosso passatempo preferido era correr os carrinhos “dinky toys” pelas bordas do passeio, ou os renhidos jogos de hóquei sem patins em pátios interiores dos prédios com o Rolandinho, o Luís Serrano, o Pfumo, o Pronto, o Dominico Florentino e muitos outros, tocados pela febre da vitória em Montreux da selecção moçambicana de hóquei em patins …
Finalmente a nossa casa, melhor o nosso casarão, velho sim, de telhado de zinco sim, mas no local mais maravilhoso de LM, pois dizíamos aos amigos que morar em frente aos campos de ténis dos Velhos Colonos na Princesa Patrícia 41, era um privilégio, melhor que no Bairro do Sommerschield, pois diariamente e a menos de 100 metros, usufruíamos do parque infantil, piscina, campos de basquetebol, voleibol e ténis, biblioteca, aulas de piano e esgrima, e até de um bilhar infantil, pois era só colocar a quinhenta na ranhura, junto à larga escadaria no hall de entrada do salão de casamentos… casamentos que tantas vezes “furámos” por minutos, para nos deliciarmos com os “garibáldis” se fosse a Pastelaria Princesa a servir, ou com os deliciosos “claudinos”, caso fosse a Cristal!
Outras vezes passávamos horas inesquecíveis de coldres e pistolas nas coboiadas, sempre numa correria à loja do chinês, pai de amigos nossos, na Pinheiro Chagas junto aos SMAE, para comprar os rolinhos de fulminantes, onde eu no papel de Buffalo Bill e tu no de Buck Jones vivíamos os nossos heróis. Éramos assim, sempre próximos, e a diferença da idade não contava não só nas brincadeiras, mas também na procura e aventura. Eram tempos felizes, alegres, tempos do parque infantil com o Vítor, Olga, Luís Carlos, Hortense, João Vilalobos e tantos outros, descendo pelas trombas daqueles enormes elefantes escorregas ou naqueles carrinhos que deslizavam montanha abaixo… Só me recordo de ti triste e por pouco tempo, quando herdavas as roupas por mim usadas e que já não me serviam… nada a fazer! Eras mais pequeno e em casa de gente não rica…
Finalmente o grande dia. Entrávamos os seis para a escola da natação dos Velhos Colonos. E todos ali, pelas mãos dos treinadores Matos e Sampaio com mais ou menos pirolitos, aprendemos a nadar. Era a primeira vez que dávamos passos sérios numa prática desportiva que nos moldaria o espírito e o corpo.
Aos onze anos deixava eu a família e a tua companhia, e rumava para Lisboa para o Instituto dos Pupilos do Exército, cumprindo a vontade do pai que para os seus rapazes almejava uma educação exigente… e passados dois anos vinhas tu… e de pequeno e enfezado já nada tinhas, pelo contrário, embora mais novo, já me alcançavas em altura. Assim vivemos um ano juntos e longe da família. Eu numerado de 364 e tu de 309. Como irmão mais velho era com gosto que nas tardes de Domingo te satisfazia os teus pedidos: levei-te a ver o nosso Benfica, na Luz, onde bateu o Leixões por 2-0; levei-te a ver a “Família Robinson” e o “Colosso de Rodes” no Jardim Cinema; levei-te ao Jardim Zoológico onde vimos o Fernando Tordo a cantar ainda em calções… e naquela Casa, embora por pouco tempo, encorpámos um caldo de princípios e valores, de ideias, do gosto pelo desporto e amor ao nosso Portugal. Pela noite, quando o silêncio convida à reflexão e lembrança, não foram poucas as vezes que, com saudades dos pais e das nossas “sportinguistas” lá longe em Moçambique, nos abraçávamos e juntos chorávamos, qual muralha e abrigo, próprias da idade. Perante o grande aumento das propinas e o choro constante da nossa mãe, que para maior “equilíbrio clubístico” também se tornara benfiquista, regressámos a Moçambique.
Os Maristas, Colégio Pio XII, era agora a nossa Escola, embora em anos diferentes.
Aqui ensinaram-nos outros valores: o da entrega, da dádiva e do sacrifício. Aqui fizemos também amigos para toda a vida e, treinados pelo professor Trêpa Torres, tornámo-nos neste Colégio bons desportistas, representando-o em algumas modalidades em campeonatos escolares e ainda aprendemos um desporto que nunca ouvíramos falar: a bola ao mastro. Grande entusiasta pelas suas equipas era o Irmão Justino Hartman,
brasileiro, que sempre em desassossego, tanto nos guiava nos renhidos jogos de andebol e futebol de salão,
por detrás da baliza, que eu inadvertidamente te conquistara, como, mais logo, em penosos retiros nos convidava à entrega, dádiva e sacrifício, levando-nos a perceber a caridade como virtude intrínseca do Homem, contra a falsidade e a hipocrisia da sua exibição. Estas vivências tornavam-nos generosos e inteiros.
A Associação dos Velhos Colonos era agora o ponto de encontro dos manos Azevedo, todos nós vindos de escolas diferentes, para o lanche do “cócó e capilé” servido pela amável Jaime. Tu e as manas para os treinos a sério na Secção de Natação; eu para apanhar o autocarro na Av. Pinheiro Chagas que me levaria ao meu ginásio na sede do Ferroviário na ponta baixa da Av. Luciano Cordeiro.
Treinavas ao lado de grandes nadadores que fizeram história no desporto português: Eduardo Horta, Carlos Ótão, Joaquim Gomes, os irmãos Murinelos e tantos outros, e as nossa manas alinhavam com excelentes nadadoras que marcaram a natação moçambicana e nacional.
Eu, treinado pelo Júlio Roncon na ginástica de aparelhos, convivia com bons ginastas como Filipe Vargas, Fernando Reis, Mário Reis, Eurydia Correia, Isabel Terna, e tantos outros.
Crescias a bom ritmo. Eu mantinha-me pequeno, mas ganhava físico, que dizias invejável. E porque continuávamos filhos de família não rica, invertiam-se os papéis: tu estreavas agora as novas roupas e eu triste e sempre em protesto, porque o estatuto de ser mais velho de nada valia, recebia as tuas, já usadas…
Nas nossas conversas, dois motes principais havia agora: desporto e paixões. Das paixões, com prazer genuíno, falávamos das nossas descobertas, daqueles amores primeiros, de sonhos amorosos, das “bifas”, de frivolidades, dos “partys” de garagem, da contestação e do “make love not war”…
Um do outro ouvíamos as narrações em detalhe e com atenção, revelando o nome, a beleza e o local percorrido com a apaixonada do momento. E foram tantos os locais falados ao longo de anos… e adormecíamos envolvidos no perfume da imaginada. Foram paixões educativas, sonhos, poesia… e naquele Carnaval recordas? Nós, o Luís Carlos e o Carlos Santos mascarados de “prisioneiros do amor” sim de amores do momento, de um amor de idas, voltas, rodopios, fizemos trinta por uma linha na tarde dançante nos Velhos Colonos com o galanteio às jovens, recitando os versos do Roberto Carlos:
Olha, eu te amo tanto e você sabe,
Sou capaz de tudo, se preciso,
Só pra ver brilhar a todo instante,
No seu rosto esse sorriso
A diferença de idade dissipava-se. Caminhávamos juntos. Um protegia o outro. A mesma lâmina aparava os poucos pêlos da barba dos dois… crescíamos em tamanho e hormonas, bem como em ideias, que trocávamos à noite no nosso quarto, camas lado a lado. Acompanhámo-nos nas dúvidas e nas escolhas, nem sempre fáceis… mas a nossa atenção era dedicada ao desporto, onde ganhávamos amigos verdadeiros e até simpatizantes quando, em escolas diferentes, cada um na sua baliza defendia as cores da sua selecção, eu pelo Liceu António Enes, tu pelos Maristas, fosse no andebol ou futebol de salão, um procurando ser melhor que outro dentro do campo, lembras-te? E víamos os amigos embaraçados por não saberem a quem aplaudir e, pelo sim pelo não, aplaudiam e gritavam pelos dois…
Porque desportistas eclécticos, para mim, como já referido, o desporto prioritário era a ginástica de aparelhos, qual escola de virtudes, humildade, sacrifício e prazer que não tinha competição, mas apenas exibições, logo uma ou duas medalhas por ano. Tu rias-te quando te mostrava as nódoas negras e os bifes arrancados às palmas das mãos e apontavas para o teu quadro com dezenas de medalhas penduradas na parede do quarto, pois tinhas a natação no top, com competições umas atrás de outras e aplicavas-te a sério enquanto candidato ao record nacional dos 200m bruços.
Mas também eu conseguia mais algumas no futebol de salão, o meu desporto secundário, fosse em diferentes torneios como o do Iquebal jogando pelo Clube dos Lisboetas com Stélio, Zé Gonçalves, Jorge Estrela, Couto e Silva, etc conquistando um honroso 2º lugar, mais logo na Associação Muçulmana ou na Copa Malhanga pela Zuid onde, com Gaspar, Cunha, Lima, etc., viemos a ser campeões. Entretanto abraçaras também o futebol de 11 como guarda-redes da Académica, com Bandeira, Júlio, Óscar, Firmino, etc.
Ano de 1969 – Juniores da AAM
Em cima: J. Alexandre, Meireles, Jaime, Leitão, Tadeu, C. L. Pereira e Américo.
Em baixo: Eduardo, Gomes, Firmino, Nampula, T. Carvalho, Navaz Virgi e João Carlos Sequeira.
e em 1970 já jogavas na equipa de honra da Académica
para a partir de 71 defenderes as cores do 1º de Maio, ao lado de Idrisse, Zenadine, Pó Wing, Albasini, etc.
E eis que novamente vem a separação física. Portugal chamava-nos a cumprir a nossa responsabilidade pela pátria. Primeiro eu. Dois anos depois tu. Fomos ambos para os Comandos, como muito dos nossos amigos do desporto, para aquela guerra que não quisemos e que envolveu toda a juventude do nosso tempo,
uns regressando vivos outros caindo com honra, como diariamente nos relembrava a placa na prancha da piscina dos Velhos Colonos, recordando o saudoso nadador Benoliel, caído em combate. Nessa missão não fomos refractários, não ficamos na fila de trás, não nos encolhemos. Poderia ter sido sim de outra forma, sim podia, mas uma política obsoleta não criara as vias para uma ampla e fraternal convivência entre gentes de origem e estratos diversos, todos nós moçambicanos de coração.
E embora parecendo raiar o absurdo, as nossas almas de homens do desporto, capazes de vencer todo o tipo de frustrações, não nos deixou, como dizíamos, “ficar apanhados” pois de imediato voltamos a envolver-nos no mundo desportivo que a nossa Lourenço Marques nos oferecia.
Éramos agora Homens completos.
Embora desportistas aplicados, não deixávamos nos períodos de defeso, de gozar as recatadas pistas de dança fosse na “bôite” do Girassol, do Cardoso, do Zambi… pela voz do Bob, do Renato Silva, do Álvaro Correia Mendes ou do Carlos Duarte, as canções de uma plêiade de românticos como Percy Sledge, Elvis Presley, Roberto Carlos, etc., que com os seus “slows” mexiam connosco, principalmente quando cantavam músicas como “When a man loves a woman”, “Love me tender”, “Eu te darei o céu”, “Touch Me”, ou a arrebatadora “Only You” dos Platters …, pondo a sedução a tomar conta de nós, e nós, numa conversa de ouvido, murmurávamos, chegadinhos, à bonita jovem enquanto se dançava, os seus versos que sabíamos de memória:
Only you, can make all this world seem right
Only you, can make the darkness bright
Only you, and you alone, can thrill me like you do
And fill my heart with love for only you
E muitos dos amigos acabaram no altar dizendo o Sim!
Já tarde quando nos recolhíamos ao quarto, era o nosso tempo. Voltávamos às nossas conversas, agora mais sérias. Falávamos de olhares, de flores, de amores sem fim, das confidências ao ouvido do técnico Zé Carlos Santos, da Farmácia Princesa…. Falávamos então de outras responsabilidades que se aproximavam e que cada um cumpriria.
E vêm as mudanças bruscas com o Abril de 74.
Todos nós encarávamos agora o futuro com preocupação. A rapidez do momento levava quantas vezes à rapidez das decisões. O evoluir desastroso da descolonização, fizeram de todos nós gente descartável, o que nos obrigou a que num ápice viéssemos para Portugal, pois havíamos servido nos Comandos, algo imperdoável para os novos senhores de Moçambique. Eu para Santarém, tu para Oeiras.
Se a nossa conjunta e esplendorosa viagem enquanto crianças, jovens e homenzinhos havia terminado, a viagem agora enquanto responsáveis e plenamente cidadãos do mundo, como seria normal, continuaria. E agora feitos “retornados” à pressa, encontrámo-nos no centro de um mundo que tem as suas coisas boas, mas também tem o seu lado perverso, de rasteiras, que atrai para a indefinição do real, que procura arrastar para o centro de nada, senão para o da efemeridade das coisas e momentos. Próprio da nossa natureza, porque combativos, fizemos frente, saímos vitoriosos. E muitos anos assim se passaram. A felicidade acompanhava-nos. Já quase “cocuanas” como se dizia naquela Moçambique que tanto amamos (e qual magia a ela regressávamos de década em década), ainda contribuímos enquanto desportistas já “masters”, aqui em Portugal, tu na natação do INATEL, eu à baliza de andebol no Ateneu Cartaxense na 2ª divisão da FPA, ou por recreação, em diversas equipas do futebol de salão…
Olhando para trás podemos dizer que fomos abençoados. E com o passar de algumas décadas encontrávamos um novo tema: falávamos agora do percurso dos filhos já autónomos, da reforma, da Caixa de Aposentações, do dói aqui, dói ali, etc. etc. mas conseguíamos os nossos momentos, sendo que o maior de todos nos últimos tempos foi a nossa viagem juntos à Índia, à terra que nos viu nascer, aos lugares do nosso imaginário de crianças, revisitando Nagar Aveli, Damão e Goa sessenta anos depois.
Voltávamos a calcorrear as ruas do bazar, de manguinha e sal na mão e, qual magia, naquele escurecer avistámos pirilampos … seria o seu iluminar sinal de que os nossos sonhos de criança, se haviam cumprido? Foram dias únicos, repletos de emoção, em cada canto a sua história… no silêncio e na modorra da noite ou no bar do hotel Cidade de Goa cruzávamos pensamentos, conscientes que depois de uma vida sofregamente vivida, muito em breve iríamos entrar nos tempos do “calma aí pá…”
É tempo de parar. Fica aqui uma síntese de muitos capítulos da história da minha vida, contigo partilhada. O livro é grande e sinto em cada linha que estou ligado a ti por este fio de histórias, umas minhas, outras tuas, todas nossas. Frutos da mesma árvore, um fizemos crescer o outro.
E subitamente, em Macau, sou surpreendido da tua grave doença, que num ápice te levou muito cedo, deixando-me só. Choro todos os dias a tua ausência, irmão. Sei que estás comigo, com as nossas irmãs, com todos aqueles que ao teu lado nadaram ou jogaram, para sempre. Como sei que nesse outro lado do caminho onde te encontras, estaremos todos um dia contigo.
Sinto-me abençoado, e tenho a certeza que todos os outros também se sentirão, pela condição única de te termos tido como irmão, como desportista, inesquecível, amigo grande e de todas as horas.
- Fotos retiradas com a devida vénia dos blogs: House of Maputo, The Delagoa Bay, Arquivo histórico da Marinha e algumas cedidas por Rogério Carreira.
Cândido Azevedo – Dezembro de 2021
24 Comentários
João Donato
Olá Cândido,
Só hoje vi e li, deliciado e às vezes comovido, esta tua sentida carta ao teu falecido irmão Américo !
Fui colega de turma dele no 5° ano nos Maristas, juntamente com o Carlos Gradil, irmãos Estêvão, entre outros. Partilhámos a nossa Académica, ele brilhando no Futebol e eu jogando Basquetebol.
Também frequentei como vocês o Batalhão de Comandos de Moçambique, integrando o 10° curso ! Aí tive oportunidade de reforçar os meus conceitos de amizade, fraternidade e soldariedade.
Infelizmente, 1974 marcou as nossas vidas, e quis o destino que cada um fosse para lugares diferentes. A notícia da morte do Américo aqui há uns anos, foi para mim um choque e uma surpresa, devido à imagem que tinha dele, que fazia transparecer que nada o poderia derrubar.
Soube de ti há cerca de um mês, ao adquirir o livro “Diário de um Comando ” do João Duarte. Vi também o vídeo da apresentação do livro em Santarém, e falei com ele sobre ti e a tua família.
Um grande e fraterno abraço deste vosso amigo caçula, que vos admirava !
Cândido Ramiro Filomeno do Carmo Azevedo
Estimado Donato. Aqui numa prais paradisíaca das Filipinas, acabo de ler a tua mensagem. Obrigado por essa sentida mensagem. Lembro-me de ti pois reconheci logo o nome Donato. Todos que referes foram meus amigos. O tabaco foi o que acabou com o Américo. Quando chegar a Portugal contactarei o João Duarte para saber de ti. Grande abraço.
Milu Gouveia
Que homenagem linda.
Mário Costa
Conheci o Américo e ainda hoje tenho o Cândido como amigo. O pai deles casou com a minha mãe, ambos morreram tranquilos.
Filipe de Zuzarte Viegas @hotmail.com
Olá Helena Simões tambem morei no mm predio 2 esq ate aos 16 anos (1977) altura em que vim para Lisboa.
Manuel Martins Terra
Um testemunho profundo e nostálgico de uma sólida amizade entre dois irmãos,com idades muito próximas que de certa forma refletia o espírito de família, tão comum essenciamente na criação dos filhos, onde nos foram transmitidos valores que vão iluminando o nosso trajeto de vida. Por isso se compreende as palavras sentidas, expressas pelo Cândido, pelo carinho e protecção ao seu saudoso irmão. Acompanhei o percurso do Américo, quer como guarda redes da Académica e e depois no 1* de Maio, mostrando ser um guardião de grandes recursos, ágil e com grande sentido de posicionamento entre os postes, que o tornava num grande pilar das equipas que representou. Não me restam dúvidas, que estava formatado para voos mais altos na sua carreira. Obrigado, Cândido, por esta partilha.
Ernesto Fena
Parabéns amigo Cândido, texto que li com muita emoção, obrigado amigo pela lição de amor familiar, um grande abraço.
José Suspiro
Gostei e tive o privilégio de conhecer os irmãos e as irmãs Azevedo.
José Carlos R.Nunes
Belo texto mas, sobretudo, a evidência/demonstração de uma AMIZADE que sendo VERDADEIRA irá perdurar para sempre. Um abraço ao Cândido.Bem me lembro dele.
Cândido Ramiro Filomeno do Carmo Azevedo
Obrigado Amigo. O nosso conjunto trabalho em Macau, é algo inesquecível. Abraço.
Pedro Lidington
Grande reportagem Candido^. O Américo jamais será esquecido. Forte abraço
Augusto Silva
Excelente relato de vivencias em locais que nos foram muito QUERIDOS ….
Demonstracao de muito AMOR e saudades de tempos saudaveis e comuns a grande maioria dos jovens daquelas epocas.
Obrigado pela partinha.
Pedro Lidington
Dois grandes amigos e o Américo estará sempre nos nossos pensamentos.Grande abraço Cândido
Sidónio Serpa
Que lindo texto, caro Cândido, onde fiquei fiquei a conhecer elementos da tua história que as nossas conversas entre Macau e Portugal, não tinham tido oportunidade de revelar.
Helena Maria Simões Ferreira
Pratiquei Natação na Associação dos Velhos Colonos, pelo que conheci todos os irmãos Azevedo, incluindo o Américo que embora ginasta por vezes também aparecia na piscina. Vivemos no mesmo prédio na Av. Pinheiro Chagas, por cima da Sapataria Polana. Depois de ler este emocionante texto, lamento o falecimento do Américo. Um abraço a toda a família.
Cândido Ramiro Filomeno do Carmo Azevedo
Olá Helena. Quanta saudade menina. Por onde andas? Já regressei de vez de Macau apóa 32 anos. Temos que nos encontrar um dia. Bjinho.
Manuel Batista
Que delícia !
Parabéns.
Abraço .
Luís Serrano
Bonito texto que simboliza um forte amor de irmãos, parabéns! Dois bons amigos. Um abraço.
Eduardo Horta
Os meus Parabéns Cândido e o meu agradecimento, por este magnífico Texto que em boa hora nos apresentas. Como sabes, pois já te fiz saber, a grande admiração que tenho pelos teus escritos e não só, a tua investigação constante, muito em especial sobre tudo relacionado com a Portugalidade e muito mais. Amigo de toda a família, que comecei a acompanhar desde os meus velhos tempos da piscina dos Velhos Colonos, começando nas tuas irmãs mais velhas, a Pilar e a Nilza, mais para a minha idade, e posteriormente todos os outros, e neste caso especifico sobre o saudoso Américo, colega de desporto e principalmente o amigo que sempre acompanhei, inclusive na sua despedida, fica uma recordação eterna. É um privilégio ter amigos como tu. Fraterno abraço.
Tomané Alves
Um texto bem sentido, que traz tudo de “dentro”. Uma incontornável beleza!
Manuel Martins
Com sentimento. As saudades não perdoam. Abraço amigo.
Luiz Branco
Excelente.
Dulce Gouveia
Lindo retrato vivo e emocionante de duas almas companheiras……
ABM
Lindo. Lindo.