Uma viagem no tempo… que a memória já teima em apagar
(Fernanda Manuela de Carvalho-Costa – 29 Setembro 2016)
Somos a última geração de Portugueses que nascemos, vivemos e crescemos na África colonial Portuguesa. São memórias de África!
Na nossa memória de laurentinos e coca-colas, estão ainda gravados percursos inapagáveis da cidade de há 42 anos, daquela que ainda hoje é a pérola rara de África rodeada pelas incomparáveis águas do Índico.
O ainda hoje ser “Laurentino”, “Coca-Cola”, “Moçambicano”, sabe tão bem, (e porque não queremos qualquer outra opção).
Comias molho de piri piri porque era apenas tão bom!
Moçambique, a terra do camarão tigre, da lagosta e lagostim,
do caranguejo, das amêijoas em latas de 5 litros e o cantarolar das
vendedoras “Aaaameiiiiiijoaaaaa”, e dos búzios branquinhos
que se apanhavam na praia.
Nunca mais nos esquecemos das praias. Porque nada era
igual a Bazaruto, Quirimbas, Inhassoro, Barra, Tofo, Bilene,
Xai-Xai, João Belo, Inhambane, Macaneta, Ponta do Ouro,
Inhaca, Pemba.
A Laurentina e 2M era melhor do que a Heineken… Porque
era e é maningue bom!
A terra do tátá, maningue, kanimambo, hambanine,
machibombo, mata-bicho, do pirolito, da arrufada, do
amendoim assado, da maçaroca, do chocoleite.
Os tecidos de capulana da Casa Elefante que se usava para
toalha de mesa, toalha de piquenique, saco, cesta de lavar
roupa, pulseira. As possibilidades eram infinitas.
Do pôr do sol, das cigarras, do cheiro à terra molhada.
Da Canada Dry, da Robialac.
Os Embondeiros, as Acácias, a Mafurra, as Casuarinas.
Da marrabenta, dos Marimbeiros de Zavala.
Das praias do Miramar, Dragão de Ouro, Catembe, Oceânia,
Costa do Sol.
Do parque de campismo onde se namorava as “bifas” que
vinham anualmente da África do Sul.
Dos bairros da Polana, Maxaquene, Alto Maé, Munhuana,
Mafalala, Matola, Sommershield.
Das pastelarias e esplanadas: Atneia, Pigalle, Suíça, Continental, Scala, Djambu, e o Nicola rodeada pelas frondosas árvores da Praça 7 de Março, os pregos saborosos no pão do restaurante Marialva, a galinha à cafreal da Imperial, os camarões grelhados com molho de limão e manteiga do Piri-Piri, os almoços depois da praia no Dragão de Ouro e no Macau, Sheik o Califa, Telavive, da esplanada da Cristal, da Princesa com os seus bifes à princesa e as maravilhosas torradas com manteiga.
Do Liceu Salazar, da Escola Comercial, Escola Industrial, Escola General Machado, Escola Técnica Elementar Joaquim Araújo, Escola Técnica Dr Azevedo e Silva, Liceu António Enes Escola Primária Rebelo da Silva, Escola Primária Rainha Santa Isabel, Paiva Manso, Barroso, Maristas, Liceu 5 de Outubro, Marques Agostinho e outras.
A terra da Coca Cola com gelo, do Vinto, do ToTonto.
O Mercado Vasco da Gama colorido, com as vendedoras brancas e negras, mulatas, indianas ou chinesas.
Do Xipamanine.
Da Cooperativa de Criadores de Gado onde se comia os queijinhos frescos, o sorvete e demais delicias.
O paladar e cheiro das doces laranjas de casca verde, das mangas, das enormes abacates, das papaias rosadas, do maracujá e ananás, do cajú assado, da maçaroca assada, da mandioca.
O “passeio dos tristes” aos Domingos na bela marginal a gozar a beleza do mar e de uma paisagem inesquecível, enquadrada por velhas palmeiras, acácias e jacarandás.
O lindo Jardim Vasco da Gama onde os parezinhos de namorados prometiam juras eternas debaixo das frondosas e seculares árvores, o Jardim 28 de Maio, Jardim Dona Berta Craveiro Lopes, Parque José Cabral.
Os Velhos Colonos.
Do Miradouro e Caracol.
Do Luna Park.
Da Focobol.
Do imponente e lindo edifício Aga Khan.
Do ATCM – Automóvel e Touring Clube de Moçambique.
Grémio depois Clube Militar Rua da Nevala.
O Clube Naval, Clube Marítimo, Clube de Pesca Desportiva.
As tardes e noites dançantes na Costa do Sol, Casa das Beiras, Casa do Minho, Clube dos Lisboetas.
O Pavilhão de Chá na praia da Polana.
Os hotéis Cardoso, Polana, Girassol, Monte Carlo.
Hospital Miguel Bombarda, 1911/1912, Missão S. José de Lhanguene, Maternidade da Maxaquene.
Os restaurantes Zambi, Telavive, Sheik, Cisne Negro, Marialva, Macau, Piri Piri, O Calhambeque, O Lourenço Marques, Vela Azul, Irmãos Unidos, Macau, a Costa do Sol.
A Estação de Caminho de Ferro de Lourenço Marques na Praça Mac-Mahon que estava e está ao nível do que de melhor havia no mundo.
A linda Sé Catedral ou Catedral da Nossa Senhora da Conceição, ainda hoje outro edifício emblemático da cidade de 1944.
Igreja de Santo António da Polana de 1962.
A estátua do Mouzinho de Albuquerque.
Da Casa de Ferro.
A Monumental onde se assistia a touradas e a pegadas de touros – uma atracão turística única em África.
Os cinemas Gil Vicente, Manuel Rodrigues, Infante, Studio, Dica, São Miguel, Estúdio 222, Olímpia.
No desporto, tudo havia e tudo se fazia nesta linda cidade. Campos de futebol, de basquete, piscinas, golfe, mini-golfe, hóquei, equitação, aviação, tiro, regatas, pesca, pesca submarina. A terra que viu nascer estrelas como Coluna, Velasco, Matateu, Eusébio, Lage, Mário Albuquerque, Fernando Adrião, Dulce Gouveia, Mussá Tembe e tantos outros…
Na beleza de Iris Maria e Ana Paula Almeida Miss Moçambique / Miss Portugal.
A celebre Rua Araújo.
Governo Geral na Ponta Vermelha.
A fonte luminosa.
O viaduto da marginal que ligava diretamente a Ponta Vermelha e a Polana à Baixa.
Imprensa Nacional de Moçambique.
Aeroporto Gago Coutinho.
O Banco Nacional Ultramarino, o Montepio.
Museu Álvaro de Castro.
Rádio clube de Moçambique.
Jardim Zoológico.
Marracuene e os piqueniques.
A Cruz do Oriente, situada na esquina da Avenida da Republica e Rua Elias Garcia, pouco antes de chegar ao Departamento Marítimo e o seu enfermeiro Bravo que fez parte da vida de tantas crianças em Lourenço Marques.
Fábrica Vitória/Reunidas da Cerveja Laurentina na Baixa.
Capitania.
Cervejaria Nacional.
Antigo Observatório Astronómico e meteorológico de 1925 na Rua Eduardo Costa.
Prédios Ronil, Cardiga, Pott, Spanos, Casa Coimbra, Facobol, Casa da Borracha, Entreposto, Obras Públicas, Edifício de Sua Alteza Aga Khan, Governo Geral, Casa de Ferro, Prédio Sanguinal na Av. da República, Prédio Santa Maria na Av. General Machado, Prédio Octávio R. Lobo na Rua Consiglieri Pedroso, Prédio Invicta, Prédio Fonte Azul, Prédio Nauticus, Prédio 33, Prédio SMAE, edifício da Hansen Schrader na Rua Araújo, Prédio Arriaga (na ex. Av. Manuel de Arriaga esquina com Av. Sekou Touré ex Afonso de Albuquerque).
Casa Fabião, Casa Elefante, Casa Coimbra, Eduardo Silva, Steia, Casa Vilaça, Ourivesaria Lopes & Ramos, Casa da Borracha, Pandora, Príncipe de Gales.
Cais Gorjão.
Do outro da lado da baía a bela Catembe e o restaurante do Diogo onde nos “lambuzava-mos com travessas carregadas dos deliciosos camarões…
Ateneu Grego.
A Poliarte discos.
O Rádio Clube.
Os jornais Noticias, A Tribuna, O Diário.
Sapataria Hélio, Sapataria Lord.
Do Parque Nacional de Gorongosa.
A água do Umbeluzi que nos enfeitiçava. Nós Moçambicanos de todas as raças, um povo humilde, sorridente e feliz! Éramos e somos diferentes. Éramos e somos o tesouro de Moçambique. Sabemos que, no final, aconteça o que acontecer, estamos juntos com o Moçambique de hoje e o Moçambique de outrora.
Texto de Fernanda Manuela de Carvalho-Costa
24 Comentários
Georgios Charalampos Kyriakakis
LINDO Artigo , traduz na totalidade o que e ser Coca Cola , manningues saudades da minha Querida cidade que me viu nascer , a cidade feitico , a cidade das acacias vermelhas , a pergola do Indico , a cidade jardim , a cidade do meu coracao LM , obrigado , manningues kanimambos a autora .
Carlos Andrade
Olá
Trabalhou na estacao dos CFM, na contabilidade?
António Mendes
Excelente! Parabéns
José Carrilho
“Recordar é viver”, e os tempos passados em Moçambique deixaram marcas positivas. No meu caso, permaneci em Nampula durante mais de dois anos, envergando as cores do Exército Português. Um local agradável assim como outros recantos de Moçambique, a Ilha a cerca de 200 quilómetros de Nampula, onde fui algumas vezes, um recanto paradisíaco em tempos a primeira capital desse imenso território do Índico… A Beira e Lourenço Marques cidades que rebordo e onde aterrei amiúde… e onde o bulício económico deixou saudades aos que agora aí vivem… Não era tudo bom, quando estive em Moçambique, mas a independência do território não foi aquele amanhã prodigioso, que muitos asseguravam ir cantar… Moçambique é ainda um dos países mais pobres do mundo e as dádivas, de países e de organizações internacionais, não conseguem colmatar as necessidades de desenvolvimento que o país possui… Esta fragilidade, que o país continua a mostrar, consegue-se ultrapassar com trabalho e com organização, designadamente, aspectos estes essenciais que poderão conseguir captar investimento estrangeiro, um fluxo essencial para Moçambique dar o salto desenvolvimentista que a independência prometia… Esperemos que o progresso aterre em Moçambique e contribua para criar as condições para mudar mentalidades e, principalmente, erradicar a pobreza que continua a grassar no país. Moçambique merece o melhor e a independência deixou o país pior…
Português da Silva
Tb estive em Moçambique quando essa terra tinha algum orgulho na Bandeira das Quinas. Agora a corrupção mexe-se por todo o lado e o socialismo dos responsáveis e do politicamente correcto, pactuam miseravelmente com a pobreza e com o chega-te para lá do investimento estrangeiro… Os teóricos da treta continuam pujantes, a sugar com manhas o pouco que o país produz, tudo isto fruto de uma independência apressada, feita por badamecos ignorantes, que até defenderam atirar os seus opositores aos tubarões do Índico… Moçambique continua a pagar os frutos azedos dessa independência apressada, apressada para garantir o êxito da revolução que sucedera na chamada metrópole… E mais não digo… em nome da contenção…
Pablo Rivera
Caro Português da Silva, entendo o asco que sente pelo socialismo da treta, esse modo de explorar pessoas enquanto se ouvem os acordes dos hinos marxistas. Por alguma razão os países onde esse socialismo assentou o cuzinho têm níveis de desenvolvimento económico medíocres e se abrirem as suas fronteiras o pessoal explorado pisga-se a sete pés, escolhendo como poiso os países mais desenvoltos numa perspectiva económica. Por cá esses velhotes arautos da treta socialista ainda vão tendo audiência, mas felizmente têm emagrecido em número, pela fuga dos desiludidos dessas lides, seduzidos pelas virtudes dos regimes capitalistas… O capitalismo tem pontos fracos, como deve saber, mas as suas virtudes suplantam esses aspectos menos positivos. O certo é que essas teorias cheias de rugas têm sido lançadas na sanita muitas vezes, o que nos faz supor que dentro de alguns anos desaparecem do firmamento político. E esse desaparecimento total irá merecer saudações a preceito, por quem ama a Líberdade e o progresso. Cumprimentos.
Graça
Não dizemos mais porque nem vale a pena. Perante o que aconteceu com a manifestação de ontem na Beira, esses governantes hão-de um dia prestar contas pelo que estão a fazer ao povo moçambicano.
José Carrilho
“Recordar é viver”, e os tempos passados em Moçambique deixaram-me marcas positivas. No meu caso, permaneci em Nampula durante mais de dois anos, envergando as cores do Exército Português. Um local agradável, pejado de carências, assim como outros recantos de Moçambique – com destaque para a Ilha, a cerca de 200 quilómetros de Nampula, onde fui algumas vezes, um recanto paradisíaco, em tempos a primeira capital desse imenso território do Índico… A Beira e Lourenço Marques, cidades emblema, que rebordo e onde aterrei amiúde… e onde o bulício económico deixou saudades aos que agora aí vivem… Não era tudo bom, quando estive em Moçambique, mas a independência do território não foi aquele amanhã prodigioso, que muitos asseguravam ir cantar… Moçambique é ainda um dos países mais pobres do mundo e as dádivas, de países e de organizações internacionais, não conseguem colmatar as necessidades de desenvolvimento, que o país possui… Esta fragilidade, que o país continua a mostrar, consegue-se ultrapassar com trabalho e com organização, designadamente, aspectos estes essenciais que poderão conseguir captar investimento estrangeiro, um fluxo essencial para Moçambique dar o salto desenvolvimentista, que a independência não se cansava de prometer… Esperemos que o progresso aterre em Moçambique e contribua para criar as condições que consigam mudar mentalidades e, principalmente, erradicar a pobreza que continua a grassar no país… Moçambique merece o melhor e a independência deixou o país pior…
Manuel Martins Terra
Um verdadeiro recital de tantos e tantos espaços, que marcaram o quotidiano de muitas gerações. O tempo passa, mas como é agradável e reconfortador, guardarmos na nossa mente um desfile de lembranças, como verdadeiras pérolas da nossa vivência na terra amada. Obrigada, Fernanda de Carvalho- Costa, por esta caminhada.
José Rodrigues
Fantástico…
Assim era Moçambique e as suas gentes inigualáveis.
Carlos Guilherme
Bela viagem no tempo! Bela “revisão da matéria dada”
Isidro Barbosa
Sim eu li este artigo e também fiquei emocionado, porque e com razão este percurso da nossa vida nunca mais será apagado da memória, a paciência de descriminar todos estes pontos, deve ter custado um pouco em cima de algumas lágrimas e emoção, muito obrigada por este momento bem aja fique bem
Fernanda de Carvalho-Costa
Este artigo foi escrito por mim a 29 de Setembro 2016, 2 anos após ter deixado África. Foi partilhado com o meu nome no Naturais de Lourenço Marques com o meu nome . Não o vejo nesta publicação, Fernanda Manuela de Carvalho-Costa
Maria Helena Brassard
Que ricas memórias, revivi com saudades a minha vivência na inesquecível e linda cidade de Lourenço Marques. Os meus Parabéns á
FERNANDA DE CARVALHO COSTA.
BigSlam
Grato pela informação. O texto foi enviado para o BigSlam com autor desconhecido. Já foi atualizado e parabéns por tão belas memórias.
Apareça sempre neste nosso “Ponto de Encontro!” e se tiver mais obras que queira connosco partilhar serão todas bem vindas!
Bem haja!
Manuel Nunes Petisca
As Bifas e as excelentes aulas de Inglês. “Que saudades”
Maria Luísa Nogueira
Que maravilha🔝👏👏👏. Parabéns e “bateu”uma saudade tão grande🥲.
Que honrar sermos as coca-colas, Laurentina ou Moçambicanas🌺somos mesmo todos especiais.
Obrigada BigSlam.
josé carlos alves da silva
Épa tudo dito, memória do caraças. Um Kanimanho forte e obg
Lourdes Carreira
Recordações maravilhosas.
Luis 'Manduca' Russell
P.S. (não cabia no limite de palavras): … o GDLM (o nosso glorioso e saudoso Desportivo), o Colégio D. Bosco, o Drive-in… e por aí fora…
Como dizia a minha falecida e querida Granny Elsie (britânica mas Laurentina/Coca-Cola ‘de gema’):
“Podem tirar-nos tudo, menos o que temos dentro da cabeça”
Um Grande Kanimambo às memórias de Moçambique (e, para mim, em especial a Lourenço Marques)!
Mário Melo
Lindo toda a nossa vivência da nossa Moçambicanidade um abraço.
Augusto Martins
Que maravilhosa viagem acabei de fazer, mais uma vez.
O B R I G A D O!
Saúde, sorte e felicidade para todos.
Grande abraço.
Zé Rodrigues
O Xicuembo da Pérola do Índico .
Octávio Pó
Muito bem pensado e escrito. Na mouche! Escorreito, com saudade e carinho.