UMA DATA NA HISTÓRIA – 7 de Outubro de 1962 … “A TRIBUNA”
“A Tribuna” foi fundado por António Gouvêa Lemos, Ilídio Rocha e João Reis. O primeiro número foi publicado no dia 7 de Outubro de 1962. Em 1963 passou a ser controlado pelo Banco Nacional Ultramarino. Entre 1966 e 1969 passou a publicar-se como semanário, mais tarde como diário e, na fase final, novamente como semanário. Era um jornal noticioso, de opinião e com suplementos dedicados à cultura, economia e desporto. Teve colaboração dos principais jornalistas e escritores de Moçambique, com posições fortemente críticas do regime, o que originou a intervenção do Estado.
A propósito desta data e com a devida vénia, recorda-se um escrito de autoria de Vitor Lemos, (anteriormente publicado pelo SAVANA no dia 22 de Fevereiro de 2008), por ocasião desse dia tão especial para o jornalismo da então Província Ultramarina de Moçambique.
“7 de outubro de 1962. Ao romper do dia, a data era saudada na redação do jornal com brindes e hurras: estava sendo lançado o primeiro número da “Tribuna” em Lourenço Marques, capital de Moçambique.
À frente de uma elite de jornalistas, e contratado com plenos poderes para criar algo novo na imprensa local, Gouvêa Lemos via nascer, junto com o sol, a realização de um velho sonho.
O dia começava abafado em Lourenço Marques. Gouvêa Lemos (o nosso Veríssimo) abria a porta de casa exausto mas feliz. O sol despontava no oceano Índico, o bairro “Bico Dourado” ainda parecia dormir. Respirou fundo antes de entrar, olhou uma cesta com mantimentos na calçada junto à porta, deu dois passos no corredor escuro, quase se chocou com a negra mamana Rabeca.
Bom dia, mamana, que cesta é essa aí fora? O homem deixou aí prás crianças, patrão. Que homem, mamana? Não sei, patrão, é o homem da rua. Outra vez, o homem da rua – saiu murmurando Veríssimo.
Sem sono, sentou-se numa poltrona, olhando a sala ainda na penumbra. A Madalena e os cinco filhos ainda dormiam. Acendeu o candeeiro de pé alto, e abriu o jornal. Trouxera-o debaixo do braço ainda cheirando a tinta fresca. Era o primeiro exemplar da “Tribuna” que ele ia guardar como um troféu. Já o lera e relera, conferira linha por linha, cuidadoso como nunca, sob a paranoia da censura.
Relia agora com mais calma e mais prazer as páginas bem diagramadas, arejadas, as matérias ousadas com belas fotos, enfim, um jornal independente, feito inteiramente a seu critério. Olhava-o como pai que lambia a cria.
Tinha finalmente nos seus braços não apenas um jornal como outros onde colaborara ou fora diretor durante uns sete anos: tinha agora no seu colo um filho que ele gerara, do qual fora pai e mãe, após uma gravidez sofrida de meses. E que acabara de trazer à luz, após um parto laborioso que se estendera por toda a madrugada, sob as ameaças sinistras dos censores”.
Um outro texto sobre “A Tribuna” inserido no portal eletrónico de José Paulo Gouvêa Lemos e de autoria do jornalista Fernando Magalhães, transcreve-se com a devida vénia.
“A sete de Outubro de 1962, numa noite incrivelmente quente em que ninguém ligado ao jornal dormiu, saiu o primeiro número. Claro que estivera para sair alguns dias antes. Mas tal como hoje amontoavam-se as insuficiências, algumas más vontades paralisadoras e um facto muito importante: a coordenação do caos de ideias e teimosias de um grupo numeroso de gente de boa vontade que sabia de tudo, menos do que é fazer um verdadeiro jornal.
Coube ao Gouvêa Lemos ser o homem que organizou o caos de grandes ideias e enormes boas vontades transformando esse caos no que a “Tribuna” foi. Um jornal moderno tão bom como os que se faziam nas grandes capitais do mundo e como verdadeiro jornal refletia o mundo e o Moçambique do momento.
Um jornal que soube apanhar de surpresa as autoridades metropolitanas que nem sonhavam ser possível que por cá houvesse conhecimentos técnicos e atrevimento para se fazer um jornal assim. Um jornal que aproveitava as hesitações e ambiguidade do regime e as tentativas de abertura de homens avançados como o Ministro do Ultramar Adriano Moreira ou o Governador Sarmento Rodrigues, para dar notícias e ter opinião.”
Faz hoje 61 anos que foi publicada a primeira edição do jornal “A Tribuna”.
5 Comentários
jose alexandre russell
Lembro-me bem do aparecimento da Tribuna. Conheci quem lá trabalhasse, e um dos jornalistas, o Sr. Fernando Carneiro . Ganhei também um pequeno rádio de um concurso da Coca Cola. com direito a fotografia no jornal.
José Carlos Rodrigues Nunes
Fui amigo do João Reis. Em 1962 e estudante a preparar a minha vinda para prosseguir os meus estudos em Lisboa/Económicas, ali tirei um curto curso de jornalismo. E se bem me lembro, o jornal ficava num edifício próximo daquele onde funcionava o Rádio Clube de Moçambique, cujo café frequentava todos os dias. Bons tempos…
ABM
O meu Pai escreveu durante anos na Tribuna.
Manuel Martins Terra
A Tribuna, rapidamente conquistou a simpatia dos leitores citadinos, que acharam de bom grado o formato reduzido , que facilitava a leitura, quer nos cafés, espaços verdes e transportes públicos, cujo conteúdo informático e actualizado em todas as áreas, prenchia o gosto dos leitores. Alguns dissabores foram registados, contra a intolerância da Censura, mas mesmo assim a sua administração continuou firme nos seus propósitos, tentando sempre ir mais longe na missão de informar. No final da década 60, houve algumas fugas de alguns jornalistas para a recém criada revista TEMPO. A TRIBUNA, ganhou um forte protagonismo, quando esgotaram as suas edições da tarde , na divulgação do movimento das Forças Armadas, no dia 25 de Abril de 1974, tanto mais que as edições do Noticias e do Diário, colocadas nas bancas no findar da madrugada, ainda desconheciam fontes noticiosas. Apenas desconheço, quando a TRIBUNA, chegou ao fim de linha,
Pierre Vilbró
Um sopro de ar novo que não demorou a ser poluído pela recusa das conveniências dominantes do antes e do após independência. Vida sofrida de qualquer liberdade de pensar, de opinar e de agir.
Pierre Vilbró