Macau, Portugal e Moçambique: Um Legado Lusófono (1) – “Macau e os Portugueses”
Por Manuel Silva

A escultura intitulada “O Encontro Entre o Ocidente e o Oriente”, localizada em frente às Ruínas de São Paulo, simboliza a amizade entre a China e Portugal. A flor de lótus que a compõe é um símbolo de Macau.
1. Macau e os Portugueses
1.1 – Jorge Álvares – 1513
Jorge Álvares nasceu em Freixo de Espada à Cinta (Portugal) e faleceu em Tamão (China) no dia 8 de julho de 1521. Foi o primeiro europeu a chegar à China por via marítima em 1513, durante a Era dos Descobrimentos. Ele levantou um padrão com as armas de Portugal no porto de Tamau, onde o seu barco aportou, localizado na ilha de Lin Tin, uma ilha vizinha de Sanchuão (ou Sanchoão), na foz do Rio das Pérolas, perto de Macau. Em 8 de Julho de 1521 morria nessa ilha, onde fora enterrado o seu filho e onde ele próprio foi sepultado, junto do padrão português. Nesta altura os portugueses ainda não eram autorizados de permanecer, obtendo somente o estatuto de visitante. Contudo, as autoridades chinesas, em 1557, autorizaram finalmente os portugueses de estabelecerem-se permanentemente em Macau e concedeu também um considerável grau de autogovernarão para eles.

Mapa onde se assinala a Ilha de Lin Tin e a posição da Ilha de Macau, ambas no delta do Rio das Pérolas.

O autor – Manuel Silva, posando em frente à estátua de Jorge Álvares, em Macau.
As autoridades chinesas, em 1557, autorizaram finalmente os portugueses de estabelecerem-se permanentemente em Macau e concedeu também um considerável grau de autogovernarão para eles.
Macau foi uma colónia e, posteriormente, uma província ultramarina sob administração portuguesa de 1557 a 1999.
1.2 – Em 1554 ou 1557, os portugueses terão desembarcado pela primeira vez em Macau.
O Templo de A-Má, que se localiza à entrada do Porto Interior (no extremo-sul da Península de Macau), a meio da encosta poente da Colina da Barra, já existia antes da própria Cidade de Macau ter nascido. Especula-se que o templo foi construído pelos pescadores chineses residentes de Macau no séc. XV, para homenagear e adorar a Deusa A-Má (Deusa do Céu), chamada também de Tin Hau, Mazu ou Matsu.

Templo de A-Má
Esta divindade taoísta é muito venerada em todo o Sul da China e em várias partes do Sudeste Asiático e é considerada como a protetora dos pescadores e marinheiros. Crê-se que os portugueses tenham desembarcado pela primeira vez em Macau, possivelmente no ano de 1554 ou 1557, precisamente à entrada do Porto Interior, também chamada pelos pescadores chineses de “Baía de A-Má”.
Segundo as lendas do séc. XVI, o nome de Macau deriva precisamente da palavra em cantonense “A-Má-Gau”, que significa literalmente Baía de A-Má e parece ter origem num dos primeiros locais onde os portugueses efetivamente desembarcaram. Portanto, a Baía de A-Má (em cantonês, “A-Ma Gao”), nome este que se deve à existência nesta baía do templo em homenagem à deusa A-Má evoluiu da seguinte maneira: A-Ma Gao que se tornaria, Amacao, depois Macao e, por fim, Macau.
O Templo de A-Má está incluído na Lista dos monumentos históricos do “Centro Histórico de Macau”, por sua vez incluído na Lista do Património Mundial da Humanidade da UNESCO. Pode-se considerar que este templo é o símbolo máximo da cultura chinesa em Macau.
Durante mais de 400 anos de história, Macau foi o baluarte da presença e cultura portuguesa no Oriente.
Nesses tempos antigos, o estabelecimento comercial português de Macau era somente uma pequena povoação com alguns quarteirões, igrejas e residências, unidas por um pequeno número de ruas. A maioria da população sobrevivia à custa do comércio, e por isso muitos deles abandonavam Macau durante meses e até algumas vezes durante anos, para realizar as suas lucrativas trocas comerciais. Naquela altura, tinha uma organização político-administrativa vagamente definida, visto que a Coroa portuguesa ainda não efetuou nenhum devido planeamento para Macau. Por isso, naquela altura, o Capitão-Mor das Viagens da China e do Japão era o responsável pelos assuntos dos portugueses, durante a sua estadia em Macau. Ele, como a única autoridade existente, procurava manter a ordem entre a gente portuguesa turbulenta e indisciplinada.

Os primeiros portugueses em Macau
Com o tempo, foram surgindo assuntos cuja resolução não podia aguardar o regresso do Capitão-Mor das suas viagens ao Japão, por isso formou-se uma espécie de triunvirato, que passou a dirigir a administração do estabelecimento. Era composto por três representantes dos moradores, chamados homens-bons, escolhidos por votação. Em 1562, um dos eleitos passou a ser, por escolha, Capitão de Terra. Estes 3 representantes, mesmo assim, continuaram a estar dependentes do Capitão-Mor. Especificamente, a função destes 3 representantes era regular todas as questões de ordem pública e política. Além do triunvirato, existia também um juiz e 4 comerciantes eleitos pelo povo que participavam na administração. Estes elementos juntos formavam uma espécie de Junta oligárquica de comerciantes.
Apesar de os portugueses permanecerem em Macau, as autoridades chinesas defendiam que Macau era uma parte integrante do Império Celestial Chinês, por isso os portugueses foram obrigados de pagar aluguer anual (cerca de 500 taéis de prata) e certos impostos aos chineses, desde o ano de 1573. O Vice-Rei de Cantão, a autoridade chinesa máxima da região, ordenou que alguns mandarins das vizinhanças de Macau vigiassem e supervisionassem aquele estabelecimento comercial português, nomeadamente no que diz respeito à recolha da renda e dos impostos lançados pelas autoridades de Cantão sobre todos os produtos chineses e sobre todos os produtos exportados pelos portugueses. Estes funcionários chineses exerciam uma grande influência na administração de Macau e exerciam também controlo e jurisdição última sobre todos os chineses residentes em Macau. Muitos deles habitavam no Norte da Península.
Em 1573 ou em 1574, as autoridades chinesas mandaram construir uma barreira na fronteira-norte da Península, num sítio muitíssimo próximo onde hoje se encontra o atual “Posto Fronteiriço das Portas do Cerco”, para impedir a expansão dos portugueses pela ilha de Xiangshan (modernamente Zhongshan), para fiscalizar melhor a cobrança das taxas de mercadorias que entravam ou saiam da cidade e para controlar o abastecimento de Macau.
Mesmo com o levantamento de várias dificuldades e obstáculos à liberdade dos moradores de Macau pelas autoridades chinesas, Macau continuou a prosperar-se e a desenvolver-se.

Posto Fronteiriço das Portas do Cerco
Mas, mesmo que no período compreendido entre os anos de 1580 a 1640 Portugal fosse governado por um monarca espanhol, Macau continuou a içar lealmente a bandeira portuguesa. Por isso, o Rei D. João IV, depois de restaurar a independência e soberania de Portugal (1640), recompensou este ato de confiança e lealdade gratificando Macau, em 1654, com o título “Não há outra mais leal”. A partir daí, o nome oficial da Cidade de Macau, durante a administração portuguesa, foi “Cidade do (Santo) Nome de Deus de Macau, Não há outra mais leal”. Este título pode ser lido na entrada do edifício do Leal Senado de Macau.

O autor, posando em frente ao edifício do Leal Senado (LS) – hoje designado Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) que anteriormente se chamou Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM)
1.3 – Os 442 anos de história
Macau é um território localizado na China. Esteve sob controlo português por 442 anos, mas em 20 de dezembro de 1999 passou oficialmente à China como Região Administrativa Especial.
Durante a Dinastia Ming, os pescadores que eram oriundos de Cantão e de Fujian foram a Macau e ali decidiram construir o Templo A-Má.
Macau, apesar de ser já habitado por algumas povoações de chineses (que eram pescadores), floresceu quando chegaram os portugueses. Estes chegaram ali entre 1553 e 1554, sob o pretexto de secar a sua carga. As autoridades chinesas, em 1557, autorizaram os portugueses a viver naquele território permanentemente.
Alguns historiadores, como o sueco Anders Ljungstedt (1759-1835), dizem que os portugueses se estabeleceram em Macau sem ter a autorização do Imperador, mas foram autorizados pela concessão das autoridades locais e dos mandarins de Cantão e das regiões próximas de Macau. Há uma outra versão que fala da origem do estabelecimento português de Macau. Esta diz que este território chinês foi dado como recompensa aos portugueses porque eles contribuíram para a derrota dos piratas chineses liderados pelo célebre Tchang-si-lau (ou Ching Chi Lung). Os piratas incendiaram grandes zonas da região de Cantão e espalharam terror nas cidades e nos campos. Eles operavam no Delta do Rio das Pérolas.
O que é certo é que Macau nasceu como primeiro verdadeiro entreposto comercial europeu entre o Ocidente e o Oriente no Sul da Península de Macau.
Durante os mais de 400 anos de história, Macau foi o baluarte da presença portuguesa em todo o Oriente. Temos que notar, também, que após a colonização de Macau pelos portugueses (não uma verdadeira colonização, mas um território no qual prevaleciam os conjuntos nascidos pelos acordos económicos), as condições entre Macau e Portugal foram quase sempre de convivência pacífica entre a língua e as culturas portuguesas e as chinesas.
Só nos anos 80 realizaram-se os acordos económicos para devolução da cidade de Macau aos chineses. Desde a década de 70, no entanto, Macau torna-se “o casino do ocidente”, e volta a ser um lugar interessante no mundo oriental, graças à legalização do jogo de azar. Embora com grande dificuldade, a língua portuguesa continua a ser ensinada em Macau. Tanto a língua como a cultura portuguesa são uma herança que uma parcela da população que ali vive, preserva e transmite de geração em geração. Ainda hoje neste território, as pessoas podem ver ruas e igrejas de nome e construção portuguesas, ou também falar português nas lojas e na cidade.
Graças às possibilidades económicas, Macau tornou-se uma pequena Europa, para dar aos chineses a possibilidade de fazer umas pequenas férias europeias sem ter que ir para a Europa. E isso também é algo que deriva dos restos de uma antiga europeização de Macau, embora agora transformada numa atração turística, numa mistura de restos da tradição portuguesa e presença de elementos chineses.
Algumas atrações turísticas são exemplificativas da presença de vestígios europeus em Macau e da sua miscigenação com elementos chineses.
1.4 – Macau ainda mantém muitos elementos portugueses
Aqui podemos ver a Fortaleza do Monte, construída entre o ano de 1617 e o ano de 1626 para proteger a cidade dos inimigos; o Museu de Macau, que tem obras que refletem a união entre o povo chinês e português; as Ruínas da Igreja de São Paulo, construída em 1500, mas que pegou fogo muitas vezes; a antiga muralha de Macau; o templo Nat Cha, que é um antigo templo budista; o Templo A-Ma, que é um templo taoista, o mais antigo da cidade e é também um centro religioso ativo de Macau; o Largo do Senado, que fica no centro da cidade e é uma verdadeira rua europeia com lojas e joalharias; a Torre de Macau, que oferece a possibilidade de fazer bungee jumping desde 233 metros de altura; e o Casino Lisboa, que fica bem no centro de Macau e é muito muito grande. Foi o primeiro Casino do território. A presença europeia em Macau vê-se também na arte culinária; por exemplo, os pratos típicos de Macau são uma mistura de pratos portugueses e chineses, incluindo: pastéis de nata; pão com filé de porco; biscoitos de amêndoas; carne seca de porco; frutos do mar; carne adocicada; a sobremesa serradura; o cordeiro assado, etc.
De facto, Macau ainda mantém muitos elementos portugueses. Por exemplo, na área onde os portugueses chegaram a Macau, foi construído um Museu Marítimo cheio de testemunhos da época. Ou na Rua da Praia, na Taipa, todos os anos se comemora a Festa da Lusofonia. Apesar de o Território de Macau ter sido devolvido à China, por 50 anos ficará a ser uma Região Administrativa Especial. Isto implica, como já se referiu, que o português será língua cooficial até 2049.
Depois de 2049 é necessário saber, e vamos tentar descobrir e aguardar, qual o destino que os jovens de Macau vão dar à língua portuguesa, se apenas a tomam como mais uma língua estrangeira ou a tomam como língua afetiva.
1.5 – Fortaleza do Monte

Fortaleza do Monte
1.6 – Museu de Macau na Fortaleza do Monte

Museu de Macau na Fortaleza do Monte
1.7 Ruínas da Igreja de São Paulo

O autor, posando em frente às ruínas da antiga Igreja de São Paulo.
1.8 Antiga muralha de Macau
A Muralha foi construída pelos portugueses entre 1568 e 1569 e tinha como função servir de defesa contra os invasores. Alguns Troços da Antiga Muralha de Defesa estão expostos e são partes de um monumento remanescente que cercava a antiga cidade colonial de Macau, durante a administração portuguesa nos séculos XVI e XVII. Foi construído com chunambo, cujo material é constituído por areia, argila, concha de ostra, palha de arroz, pedra e terra.

Antiga muralha de Macau
1.9 – Templo Nat Cha

Templo de Nat Cha
1.10 – Templos A-Ma e Deusa A-Ma

Templo A-Ma (Macau)

Templo A-Ma (Coloane)

Deusa A-Ma (Coloane)

O Centro Ecuménico Kun Iam, em Coloane, apresenta uma base em forma de flor de lótus que sustenta a impressionante estátua de bronze da Deusa Kun Iam, com 32 metros de altura e 50 toneladas de peso. O projeto do espaço foi da autoria da arquiteta portuguesa Cristina Leiria.
1.11 – Largo do Senado e Leal Senado

Largo do Senado e Leal Senado
1.12 – Torre de Macau

Torre de Macau
1.13 – Casino Lisboa

Casino Lisboa
1.14 – Museu Marítimo

Museu Marítimo de Macau
O património material e imaterial de Macau reflete uma longa influência portuguesa e imbricação secular com a cultura chinesa que tornam esta Região singular. Celebrar este património e realizar atividades em língua portuguesa – uma das línguas oficiais da R.A.E.M – é sublimar a sua importância histórica e para o futuro, o contributo que ambos, património e língua, podem dar para a economia de Macau e sua diversificação através do aprofundamento de relações académicas, científicas e empresariais com os nove Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Espero que a comunidade portuguesa nos acompanhe assim como todas as outras presentes ou visitantes em Macau.
2 Comentários
A.J.Braga Borges
Para quem tiver a NOS, e estiver interessado, na posição 220, tem a TDM- Macau, o canal televisivo.
Luis Russell Vieira
Macau é único e, em certas zonas, até podemos imaginar que estamos em Moçambique, no Brasil, em Angola, etc. porque os nossos antepassados construíam, urbanizavam e embelezavam da mesma maneira em todo o lado (sobretudo até aos anos 70) – grande Povo, este, o Português!
Parabéns ao autor pela bela reportagem – kanimambo!