Por Felipa Garnel
Vou falar (e sobretudo mostrar) mais cores do que hotéis, mais pormenores do que restaurantes, um pouquinho da África azul pelo azul dos meus olhos. Não vou escrever sobre pobreza, sobre miséria, sobre corrupção. Quero, só e mais nada, partilhar imagens que trago no coração de um país distante, que nos é tão próximo.
Regressei a Moçambique, mais precisamente a Maputo, vinte e tal anos depois de lá ter estado aquando do lançamento da SIC Internacional. Nessa altura aterrei na capital moçambicana vinda recentemente de Luanda e lembro-me de ter sentido uma diferença abissal entre as duas cidades das ex-colónias portuguesas. Luanda estava, então, muito mais destruída, física e psicologicamente. Maputo, apesar do caos, guardava memória de uma vida bem vivida com tanto ainda por viver. E tinha o Polana, onde fiquei hospedada na época, uma jóia da hotelaria africana que tornava difícil o regresso a casa…
Não tive, nestes vinte anos, oportunidade de lá voltar. Ia ouvindo relatos de amigos que se mudaram para Moçambique de armas e bagagens, uns à procura de uma vida melhor num país que “parecia prometer” (?), outros em busca das suas raízes, quais árvores cortadas à força que teimam em voltar ao solo mãe para renascer.
Desta vez não fiquei no Polana porque um amigo teve a amabilidade de nos (a mim e ao meu marido) convidar para ficarmos instalados no seu apartamento lindo. E, antes de mais, deixem-me dar-vos conta da vista da sala…
Foi este pôr do sol que me recebeu, vinte anos depois, na cidade que, sem eu entender bem, me tinha ficado entranhada. Percebi agora porquê.
Maputo tem um azul igual ao de Portugal, tem uma luz limpa, dourada. Tem magia no ar, tem alegria no olhar do povo que, apesar de viver abaixo dos mínimos aceitáveis, nunca nega um sorriso doce, uma palavra simpática. Tem uma energia leve, positiva, africana.
Descobri uma cidade em progresso, com vida cultural, com restaurantes cosmopolitas (o Zambi – que junto, abaixo, uma foto da esplanada -, o Manjar dos Deuses, o Bel Piatto, faltou-me o Dhow que me disseram ser ótimo para almoçar, mas que, estranhamente, fecha ao domingo e à segunda), com vários hotéis novos, de bom aspeto (nenhum que se compare ao Polana, apesar das recentes “chinesices” escusadas, como uma fonte que tapa a vista da varanda para o mar, ou uns ananases que dão luz espalhados pelo teto…), com cores vibrantes que a tornam uma cidade alegre, com lembranças cuidadas da época colonial, nos edifícios, nas ruas, com carácter…
Quis, antes de ir para a África do Sul, mergulhar no Índico, o meu oceano favorito!
Ainda não foi desta que concretizei a vontade de ir a Inhambane, ao Tofo, ao Bazaruto, às Quirimbas. Um dia há-de ser…
Por agora fiquei-me pela Inhaca, uma ilha a duas horas de barco de Maputo, e por uma casa maravilhosa que conseguimos alugar por ser de amigos de amigos, mas que não está no mercado…
Durante dois dias matei saudades de um Índico mais frio do que aquele que conhecia mas igualmente translúcido e do sol africano que me emociona sempre que se deita.
Lembrei-me, como não podia deixar de ser, de Mia Couto. Muito. “O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro”.
Levei Maputo e a Inhaca na pele, o lugar em mim onde moram, e, na estrada do sonho, parti para a selva, aventura que contarei aqui, noutro post, que este já vai longo…
FG
20 Comentários
Candida Teixeira
Fez 2 anos em Fevereiro a última vez que pisei a terra vermelha e olhei as acácias rubras, foi a 5a vez desde 1976, a emoção é sempre igual. Desta vez fiquei no hotel Cardoso, revisitei tudo o que a Filipa refere, fui ao DHOW, ponto de encontro ao fim da tarde, visitei pela 1a vez a FUNDAÇÃO FERNANDO COUTO, que tive o privilégio de conhecer bem, pai do meu ídolo MIA COUTO. A emoção foi gigante, um espaço de arte, literatura, música e restauração. Passei pelo Bilene e aí almocei, a caminho de Inhambane e suas magníficas praias, Inhambane onde meu marido nasceu é a cidade que parou no tempo, linda, tranquila, generosa. Kruger Park é visita obrigatória, ficamos rendidos. Regresso com o cheiro da terra molhada, vou voltar ❤️
Teresa vaz
Adorei ! a terra onde nasci é linda e continua abençoada
Obrigado a todos
Antonnio Marques
A terra que me viu nascer está no meu coração. Sei que já passaram 46 anos sem ter voltado depois de sair de lá com quinze anos.. (1975). Muitas vezes penso em visitar a terra onde nasci, muitas vezes também penso se deveria faze-lo ou não . Mas sinceramente não esqueço a terra onde nasci. Dizem muitos que é magia e linda… dizem outros que é saudosismo, outros ainda que é restos de ideias colonialistas. Respondo a essas pessoas perguntando quem em Portugal não gosta de visitar a terra onde nasceu ou onde os pais são naturais(?) É preciso entender que o ser humano necessita muitas vezes de olhar, sentir , valorizar, as origens…que tudo isso independente da politica humana ou social está mais alto o sentimento. Pensem nisso e deixem-se de história ou de histórias!
Manuel Martins Terra
Excelente crónica de Filipa Garnel, que vinte e tal anos depois, voltou à Pérola do Índico. O fascínio voltou a tocar-lhe os sentimentos e procurando compreensivelmente abstrair-se da situação sócio-politica que atinge o país, procurou focar-se nas atrações daquela metrópole tropical. Sim, voltou a sentir as cores, os sons, o esplendoroso ” por-do-sol” africano e o cheiro inconfundível da terra molhada. Aquele povo hospitaleiro, que com um sorriso nos lábios, esconde as amarguras de um quotidiano difícil, parecendo que tudo está bem. Já dizia o saudoso Reinaldo Ferreira, ilustre poeta moçambicano, que a antiga Lourenço Marques, era a cidade feitiço. Mesmo aqueles que não nasceram lá e aportaram a LM já na idade adulta, sentindo-se estranhos, pouco tempo depois sentiam aquela terra mágica a entranhar-se em si, considerando-a a sua terra. A Filipa,traz-nos a saudade da antiga Lourenço Marques, com algumas referências por todos nós conhecidas , o Hotel Polana, o Restaurante Zambi, o Jardim Vasco da Gama e a Casa de Ferro, a Estação do Caminho de Ferro e a paradisíaca ilha da Inhaca, onde se realizavam famosas passagens de fim de ano. Maputo de hoje, mercê de outros povos que para lá emigraram, foram alterando com alguns “mamarrachos” o bem projetado plano urbanístico da cidade e criando outro tipo de restauração. Certo é que independentemente de tudo isso, ninguém lhe consegue retirar a superfície, o mar , o sol e aquela romântica chuva tropical. Moçambique, para sempre nos nossos corações.
Maria Eduarda Nunes
Os meus parabens a Filipa Garnel pelas fotos, pelo texto. Como foi capaz de exprimir tão bem o que se sente ao pisar essa nossa terra, mesmo que não tenha lá nascido.! É notável. Um grande abraço de reconhecimento por me ter proporcionado momentos de doce saudade. Tudo de bom para si.
Arnaldo Ferreira
Viva Filipa Garnel. Kanimambo pelo artigo sobre Maputo. Terá que voltar a esta terra com mais tempo para conhecer o moçambique profundo, isto é , incluir as zonas Centro e Norte , com realidades económicas e sociais bem diferentes das zonas citadinas do sul. Verá que vale a pena! Em 1952 nasci em Mocuba-Zambézia-Moçambique e vim embora só em 1976. Os meus melhores e inesquecíveis tempos de infância e juventude foram passados em Moçambique pelo que lá voltei em 1994, 1996 e 2007 para matar saudades. É o meu País , a minha terra de sempre ! Hambanine, Filipa Garnel.
Maria
Oh Zé Pedro… Bebi as suas palavras com tal avidez. que quase me engasgo na emoção que elas me causam por também ser filha da terra da Boa Gente… A saudade, e as memórias que nos ficam inexplicavelmente cravadas na nossa memória, fazem de mim refém do meu berço, raízes e sonhos transcritas com a doçura e beleza de um bom Moçambicano… quase ouvi a voz do seu coração, ao falar dela,
“Moçambique,
que palavra tão bonita
fique lá onde ela fique
diga lá quem a disser
Moçambique,
é alegre como a chita
Tem a graça e tem o timbre
Dum sorriso de mulher”…!!!
Kanimambo
Germana
Linda a cidade onde nasci.
António Carvalho
Só foi pena não mostrar uma foto da estátua do Mouzinho a subjugar o Gungunhana , substituida pela de Samora Machel,,,Mas penso que foi para não ferir susceptibilidades.. Fez-me recordar a m/1ª profissão em em 1956 , na Casa de Ferro. No verão quase torrávamos com o calor, apesar de termos ventoinhas no teto….
Maria Perez
Difícil esquecer mesmo impossível, quando lembra momentos passados mesmo trabalhando ,a cabeça cheia de sonhos e esforçando-nos por ter uma vida melhor. Difícil foi também partir de lá mas não havia outra coisa a fazer deixar tudo o conseguido para trás e vir recomeçar. já passaram 44 anos passaram e tudo vem à tona quando nos recordamos de episódios vividos e passados com amigos convivendo .e daquelas belas paisagens e recantos. Ficam até ao fim das nossas vidas e a minha já vai longa.Vejo algumas vezes a cassete de Lourenço Marques Beira e outros lugares nunca vistos com a voz de J. Maria Tudela, lembrando ainda mais fundo a paixão que veio connosco. Que haja progresso e Paz naquelas paragens jamais esquecidas.
Maria de Deus DeFiguriredo
Como tenho saudades do Índico, do por do sol , das pessoas enfim de tudo que lá deixei. Vou morrer com uma tristeza grande de nunca mais lá ter voltado ❤️
Manuel Petisca
Todo o Mundo fala: “Longe da vista, longe do coração” Pura mentira; a cerca de 13 mil Kms. de distância e, face à sua grandeza a ternura e o carinho com que fui recebido, viverá sempre no seio do meu coração, com infinitas saudades, e continuo pensamento, Claro que estou falando de um país localizado no sudeste do Continente Africano, banhado pelo Oceano Índico e conhecido por Moçambique “A Pérola do índico”. Grande terra onde vivi os melhores anos da minha vida e onde me fiz homem, para lá fui viver, já adulto, 22 anos. E então havia que pensar no futuro, trabalhei, casei e constitui família. Só naquela maravilhosa terra isto podia acontecer. Se hoje me fosse dado a escolher, sem sombra de duvida, que te escolhia para minha amada, minha querida Moçambique.
jose pedro cardoso
Olá Filipa
Não a conheço pessoalmente, mas gostaria de lhe agradecer as palavras simpáticas que escreveu sobre “minha Terra”.
Para os “coca colas” (naturais da Terra), é sempre “maningue nice” ouvir dizer bem dela. Realmente quem lá nasceu, e quem para lá foi viver em tempos antigos, ou mais recentes, e bebeu “água do Umbeluzi”, fica vacinado e a ter uma relação muito forte com aquele Paraíso. Sim , Paraíso, pois a vida que por lá se viveu, torna quase impossível encontrar quem pudesse usufruir das mesmas condições em qualquer parte do Globo.
E o “feitiço” que lhe aconteceu a quando da sua 1ª deslocação há 20 anos, é, pode ter a certeza disso, “aquele segredo” que qualquer mortal que tenha por lá passado fica”infectado”.
Infelizmente para si, e para quem conheçeu ou pisou aquela Terra após a “exemplar descolonização” , nunca poderá compreender ou entender a vida do outrora.
Graças a Deus, que muito do que ainda conseguiu ver, fotografar, conhecer, gostar, sentir, lhe fez nascer aquele sentimento de “ter” vontade de voltar, e mais uma vez lhe abriu de novo, o interesse por voltar uma próxima vez.
Agora peço-lhe sinceramente, que tente num desses momentos das suas reflexões, e do seu “recordar” , entender o que vai nos milhares de corações de TODOS aqueles que tiveram e foram forçados a abandonar a “Terra” que também era sua de nascença ou daqueles que a adoptaram profundamente e a amavam tanto como os naturais.
Fomos “empurrados” e obrigados, dadas as condições existentes naquela altura, a ter que largar as nossas vidas dum dia para o outro, deixando para trás tudo o que foi feito com muito sacrifício, suor e abnegação por nós e pelos nossos antepassados, e que a Filipa, ainda conseguiu encontrar a beleza, para se enamorar por ela.
As acácias, o sol, a terra ( não sentiu o cheiro da terra?), as praias, o mato, a selva, a cor das águas, a sua temperatura, o povo dócil e simpático, a nossa juvenude, a natureza, enfim TUDO o que nunca poderemos esquecer, pois morrerá connosco o tal “feitiço” e a “infecção” que nos foi transmitida por Moçambique e por sermos Africanos.
Que quando do seu retorno para os locais indicados que pretende conhecer, se recorde destas palavras, e as sinta como nós, tentando nos seus pensamentos, recuar no tempo, e vestir um pouco a nossa pele.
Boa viagem quando voltar a Moçambique.
Zé Pedro
Fernando Donato
Pois. Aquela terra tem este feito.
M.Dores.
É verdade, tem feitiço. Já João Maria Tudela o cantava….Quem lá viveu não esquece a cidade das acácias vermelhas…as águas quentes do Índico, e as grandes esplanadas onde o camarão perfuma o ar…..Grande Lourenço Marques….
Jorge ventura
Continua a ser muito difícil esquecer a nossa terra ……. e não consigo dizer mais nada tátá
Vitor Manuel de Sousa Teixeira
Muito obrigado por todas estas palavras que me fizeram recordar lugares e sentimentos que nunca mais os senti desde 1974. É bom sentir que passados quase 50 anos continuo a sentir os cheiros, sensações e todas estas partilhas desta terra onde fui tão feliz. Se acredito em ressurreição depois da morte, não me importaria nada de voltar a nascer nesse país e tornar a fazer tudo o que fiz enquanto por lá andei. Peço desculpa pela arrogância, mas só quem nasceu lá poderá sentir o que sinto.
Ernesto Silva
É difícil resistir no momento em que a saudade bate lá no fundo.
Milu Gouveia
Seja bem-vinda a nossa perola do indico.
Rui Osório Gouvêa
Nem sei o que dizer. A vontade do regresso é cada vez maior.p