Apupos a Jacob Zuma!
Os apupos contra o presidente sul africano Jacob Zuma, nas cerimónias fúnebres levadas a cabo no estádio FNB em Joanesburgo no passado dia 10 do corrente, não devem ser entendidos como um referendo à sua liderança, que por sinal deixa muito a desejar, a tal ponto de alguns críticos considerarem que ela (a liderança) anda pelas ruas da amargura. O “Khandlagate” veio piorar a situação. O nível de popularidade do Presidente Sul Africano, de acordo com dados de Outubro, ronda os 30%. Ele recentemente perdeu uma enorme fasquia de apoio que lhe era concedida pelos cidadãos de raça negra das zonas urbanas. No ANC os números também não são animadores. Chegam a atingir 60%. São números que não tranquilizam o partido no poder na África do Sul, face aos enormes desafios de 2014.
Os assobios e as vaias demonstraram de forma inequívoca quanto Jacob Zuma é mal amado pelos cidadãos da Provincia de Gauteng, onde ele nunca conseguiu assinaláveis níveis de popularidade, tal como consegue no Kwazulu Natal, o seu bastião. Um protesto que não passou despercebido aos altos dignatários presentes e que alguns analistas consideram como sendo a resposta ao faccionalismo que caracteriza o ANC nos últimos 7 anos.
E porque ninguém gosta de ser apupado, eis que o ANC, na pessoa do Ministro de Educação para o Ensino Superior, Blade Ndzimande, que por sinal é o Secretário Geral do Partido Comunista (um dos integrantes da célebre e controversa Aliança Tri-Partida) vem a público dizer que “os que faltaram ao respeito ao Presidente Jacob Zuma vão ser identificados, ouvidos e punidos”. Eu acho que o melhor, nestes casos, é chamar todos os que estiveram no FNB Stadium naquela manhã de 10 de Dezembro. Assim teriamos uma punição colectiva.
As autoridades sul africanas esquecem-se que as vaias e os protestos não acontecerem apenas nas cerimónias fúnebres de Nelson Mandela. Se nos dermos ao luxo de recuar no tempo, fica na nossa memória, ou pelo menos na memória dos que seguem a par e passo as convulsões políticas na África do Sul, a viragem proposta em Polokwane e que foi o golpe palaciano para acabar de uma vez por todas com Thabo Mbeky, servindo-se para isso duma juventude comandada pelo polémico Julius Malema e também duma Central Sindical que tinha em Zwelimzima Vavi o braço fundamental de apoio. Quer um quer outro cairam em desgraça. Jacob Zuma pagou caro por ter apostado no cavalo errado. E agora é o que se vê. E aí, tal como no passado dia 10, houve vaias e protestos. A contestação à governação de Jacob Zuma, não é de agora.
Li alguns comentários publicados em jornais sul africanos afirmando que aquele (o dia 10 no FNB Stadium) não era o momento para apupar Jacob Zuma, pois “estavamos a velar o corpo de Mandela, num momento de significado nacional e de solenidade”. Para além do mais (por muito imperceptíveis que fossem) as vaias chegariam (como chegaram) aos ouvidos dos Chefes de Estado e de Governo, aos responsáveis das Missões Internacionais, aos Embaixadores, etc., e isso criaria um embaraço político e diplomático ao Chefe de Estado Sul Africano.
Mas há quem discorde, como por exemplo Sisonke Msimang do jornal “Daily Maverick”. O que aconteceu no FNB afirma, ”é o cometimento dos sul africanos a uma democracia genuina”. Por isso se levantam as vozes de protesto. Contra o desemprego para os jovens, contra a falta de água potável e saneamento do meio ambiente, escolas, hospitais e centros de saúde, qualidade de educação, segurança. Os que nasceram depois de 1994 não sabem o que é isso. Querem viver com dignidade. Querem (porque ouviram falar disso) seguir os exemplos de Mandela. Mas isso, nesta estrutura geo-política sul africana é algo que vai faltando.
Muitos consideram que a cerimónia de terça feira no FNB Stadium teve (apenas) cariz político. Não foi, como referem alguns articulistas, “uma cerimónia nossa”, que reflectisse as prioridades, desejos e anseios dum povo. “Não tivemos a coragem de convidar os que nasceram livres depois de 1994. Na homenagem de terça feira ficou de fora a geração do kwaito, de Hugh Masekela, de Thandiswa Mazway, de Zelda. Até faltaram as imagens do cartoonista Zapiro”.
Segundo o jornal Daily Maverick “politizou-se o que não devia ser politizado”. Foi preciso mostrar ao mundo o poderio através de estações televisivas como a CNN ou BBC, porque afinal só elas fizeram chegar ao mundo, naquele dia de reflexão a “South African Brand”, esquecendo-se que afinal o memorial era dedicado essencialmente à família Mandela e ao País. E porque muitos actuais dirigentes de topo do ANC decidiram mostrar a sua musculutura política, baseada no negócio, ficaram esquecidos os valores morais e cívicos, que felizmente, a determinado momento e de forma contundente e sóbria, foram resgatados na alocução do Arcebispo Desmond Tutu.
A propósito daqueles que subiram ao pódio para elogiar, muitos dos quais não existiram na vida de Madiba, recordo-vos uma frase proferida há muito tempo por Nelson Mandela e que diz assim: “Se há um país que cometeu atrocidades indescritíveis no mundo, esse foi os Estados Unidos da América. Hoje eles não se importam”. Não se importam do que fizeram na década de 80, por iniciativa do Presidente Ronald Reagan, que colocou na lista negra dos terrorristas o nome de Nelson Mandela. Só em 1 de Julho de 2008, a 17 dias de Madiba completar 90 anos, os Estados Unidos da América retiraram o nome do estadista e do Congresso Nacional Africano da lista negra do Departamento de Estado dos EUA, na qual constam as pessoas e as organizações consideradas terroristas pelo Governo norte-americano.
João de Sousa
18.12.2013