Relatos de uma viagem por terras de África (14) – “Visita à Casa do Gaiato de Maputo e Aldeia Ndivinduane”
8 de março de 2017 – Quarta-feira
Por volta das oito horas da manhã, a Teresa Viegas, amiga de longa data, apanhou-nos em frente à porta de casa. Partíamos para uma viagem que nos iria levar até à Casa do Gaiato de Maputo, localizada a cerca de cinquenta quilómetros da capital, no Distrito de Boane, próximo da Barragem dos Pequenos Libombos.
Marcámos um ponto de encontro na Matola, com o Cláudio Matusse da Casa do Gaiato, o professor que nos iria indicar o caminho até à instituição. Na zona de Massaca, juntou-se à comitiva Rui Dauto, um antigo professor da aldeia de Ndivinduane.
Ao fim de uma hora e meia de viagem, estávamos no portão de acesso à Casa do Gaiato.
À chegada, tivemos o acolhimento e uma reunião com a D. Quitéria, que é a principal responsável pela Casa do Gaiato de Maputo, após o falecimento do Padre José Maria no ano passado.
Depois, foi a vez de descarregar o carro, com as roupas e calçado que a Teresa juntou ao longo dos meses, com o objectivo de ofertar esta instituição, assim como algum material didáctico por nós providenciado. As senhoras mostraram a sua excelente forma física, ao ajudarem a descarregar o veículo.
Após o carro descarregado, demos um até já!
E partimos para a Aldeia Ndivinduane – Aldeia José Domingues da Costa, que dista cerca de cinquenta quilómetros deste local, uma estrada cujo piso se encontra em muito mau estado, sem alcatrão e tipo picada em grande parte do percurso.
A nossa driver de serviço foi a simpática Teresa Viegas que demonstrou grande qualidade na arte de bem conduzir…
Ao fim de uma hora de viagem, estávamos às portas da Aldeia
Nota introdutória: Aldeia Ndivinduane” – Como tudo começou?
José da Costa “Casquinha”, nascido em S. Miguel de Acha – Portugal, fez a sua formação na Escola Primária da Beira e depois mais tarde já em Maputo (Lourenço Marques), na Escola preparatória General Machado; Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque; vindo depois a formar-se no Instituto Industrial de Lourenço Marques, em Engenharia de Electrotecnia e Máquinas.Hoje, um empresário de sucesso, achou que devia retribuir a Moçambique aquilo que recebeu em formação moral, desportiva e académica.
Falou com o Padre José Maria da Casa do Gaiato de Maputo “Obra do Padre Américo”, pondo como condição a aplicação do investimento, numa zona onde a população vivesse com as maiores carências. Assim, foi proposto pelo padre, o local de Ndivinduane, onde viviam populações deslocadas pela guerra e que após as cheias de 2000, tinha ficado dizimada. A partir daí, foi pôr “mãos à obra”.
Começou com a abertura de um furo com água potável, sendo este o ponto de partida para tudo o que veio a seguir…
Começámos a visita à aldeia pelo Posto de Saúde e Maternidade – Maria de Fátima A. Costa
Área de esterilização de material
Consultório…
Uma foto com as senhoras do Posto de Saúde
De seguida, fomos até à Escola “Ana, Cátia e Filipa” (nomes das três filhas de José da Costa)
Lindos jovens…
Não gostámos de ver carteiras partidas e amontoadas e sem ninguém disponível para as arranjar; será assim tão difícil?
Visitámos depois o Centro Infantil,
constituído por três salas de aula para pré-escolar;
O refeitório; As crianças preparavam-se para almoçar. Esta é, para a maioria delas, a única refeição que têm por dia…
doze anos antes (2005), tinha estado aqui neste mesmo local, ainda em fase de construção…
A cozinha – estava-se a servir o almoço…
Fiquei fascinado com a ordem e disciplina das crianças – a comida está no prato, mas ninguém começa a comer sem todos estarem servidos…
A Helena foi ao carro e trouxe um saco com guloseimas…
qual é a criança que não gosta de um miminho?
No final das aulas do período da manhã, alunos e professores dão-nos as boas vindas!
Um mundo fantástico!
Os últimos rebuçados para os mais gulosos…
Já no final desta visita, fomos ver as salas reservadas ao ensino da costura e artesanato
Depois, o professor Rui, antigo “administrador” da aldeia, deu algumas informações sobre o funcionamento e as carências actuais da Aldeia de Ndivinduane.
Já à saída e antes de regressarmos à Casa do Gaiato, uma imagem peculiar – Uma vendedora aguarda pacientemente no seu rudimentar “xitolo” (loja, mercearia), a chegada de algum freguês…
Deixámos a Aldeia com um sabor agridoce, pois detectei várias deficiências de ordem organizativa em relação ao que presenciei em 2005; há necessidade urgente de arranjar um líder competente, para gerir esta obra exemplar patrocinada pela família Costa. O futuro desta comunidade e em particular as crianças assim o exige!
Fizemos a viagem de regresso até à Casa do Gaiato, debaixo de um calor sufocante, ou não estivéssemos nós em África… Chegámos por volta das quinze horas da tarde, já com a barriga a dar horas…
Foi-nos servido o almoço na sala de refeições da Casa.
São os próprios jovens da instituição que colaboram na arrumação e limpeza da sala de refeições e cozinha…
Depois, fomos conhecer de perto a realidade desta maravilhosa obra.
O Gabriel de 12 anos, foi o nosso cicerone.
Um pouco de história:
Em Moçambique antes da independência, de 1967 a 1975, a Casa do Gaiato encontrava-se numa fazenda junto de Marracuene, na Província de Maputo, onde hoje está instalada a Escola Prática da Polícia de Matalane.
No ano de 1989 a Casa do Gaiato – Obra da Rua foi convidada a retornar a Moçambique, pelo Sr. Cardeal D. Alexandre, a pedido do Sr. Presidente da República, para ajudar na solução do problema das crianças abandonadas em virtude da guerra.
Tendo sido definido o lugar para instalação da Casa do Gaiato, o seu retorno só foi possível em 1991.
Encontra-se há uns anos a esta parte nos Pequenos Libombos, numa fazenda que pertencia à LOMACO, com aproximadamente 700 hectares.
A manutenção da Casa do Gaiato depende de doações e actividades específicas que são desenvolvidas pelos próprios rapazes.
ALDEIA DA CASA DO GAIATO
INFRAESTRUTURAS QUE ASSEGURAM O DIA-A-DIA DESTA FAMÍLIA
PAVILHÃO CENTRAL
- Casa Mãe, Bloco I
O pavilhão central é o centro de apoio de todas as Casas. Esta unidade possui refeitório com capacidade para 200 pessoas, copa, cozinha, despensas, câmaras frigoríficas, sala de reuniões, escritórios, quartos, casas de banho.
- Casa mãe, Bloco II
Casa dos Pequeninos – A Casa mãe é a casa que alberga os rapazes mais pequeninos (dos 3 aos 5 anos). Esta unidade possui duas camaratas com capacidade para 6 crianças cada,
casas de banho apropriadas à idade, 2 quartos para adultos, uma varanda para actividades livres,
uma sala para jogos,
e 4 quartos para adultos.
Anexo I – 4 quartos para voluntários, rapazes mais velhos que apoiam nas actividades da Casa, sala de reuniões, sala de costura e casas de banho.
Anexo II – Lavandaria
HABITAÇÃO PARA OS RAPAZES
Existem 5 habitações diferenciadas por idades.
As casas possuem 3 dormitórios,
uma zona comum para diversas actividades,
casas de banho, 2 quartos para adultos e uma varanda. Cada habitação tem capacidade para 30 rapazes.
A pedagogia da Casa do Gaiato é baseada numa família, em que os irmãos mais velhos se responsabilizam pelos mais pequenos. Em cada casa existe sempre dois irmãos mais velhos responsáveis por ensinar e ajudar os mais novos nas diversas actividades.
CASA ESPERANÇA
A “Casa de Esperança” é uma enfermaria que acolhe os rapazes da casa e externos quando necessário para cuidados de saúde.
Esta unidade possui: uma sala de consulta, uma sala de tratamento, uma sala de estomatologia, 10 enfermarias, 1 sala de jantar, 1 lavandaria, 1 armazém onde se guardam os medicamentos e uma área para jogos e recreação.
A ESCOLA
A escola está aberta a meninos e meninas das aldeias vizinhas. Actualmente frequentam esta Escola mais de 600 alunos, divididos em 2 turnos (manhã e tarde). Esta unidade possui 5 salas de ensino pré-escolar e 8 salas para a EP1, EP2 e ensino secundário até 10ª Classe.
As professoras corrigiam os trabalhos dos alunos…
Para além das salas de aula, existe ainda uma sala de informática, sala de leitura e estudo em grupo, sala de artes,
biblioteca,
área para recreio,
salão para actividades culturais e um campo para desportos.
Por falta de tempo, não tivemos oportunidade de ver in loco, as oficinas e atividades de produção. Uma pequena descrição de como funcionam:
OFICINAS
As Oficinas dão apoio directo à manutenção da Casa. Em todos os sectores profissionais há sempre rapazes a acompanhar as actividades, desenvolvendo as suas aptidões pela prática, pois faz parte da nossa pedagogia a ocupação ser uma terapia ocupacional nos tempos livres.
- Mecanica, assistência aos veículos, geradores, máquinas agrícolas e todo equipamento de maquinaria da Casa.
- Sapataria, trabalho interno de conserto e limpeza do calçado dos rapazes.
- Electricidade, assistência e manutenção a toda parte eléctrica da Casa e oficinas.
- Canalização ,assistência e manutenção a toda parte e saneamento, distribuição da água para Casa, oficinas e agropecuária.
- Serrelharia, assistência e manutenção às oficinas, agropecuária e Casa.
PRODUÇÃO
Atividades de geração de renda, como:
Carpintaria e Marcenaria: Fabrico de portas, janelas, mobiliário doméstico e carteiras escolares. Com todo o equipamento e instalações, actualmente funciona apenas em 30% por falta de financiamento para compra de madeira e outro material adequado à produção.
Artefactos de cimento: Fabrico de blocos, tampos para latrinas, tanques de lavar roupa, postes de cimento, pisos para habitação, bancos de cimento. Com todo o equipamento e instalações adequadas, actualmente funciona apenas em 15% por falta de financiamento para compra de material para produção.
Agropecuária: Aproveitamento do terreno da fazenda para o fomento agrário e pecuário, não só para formação dos gaiatos mas também como centro de formação da comunidade.
Ao nível da actividade agrícola, produz-se milho, feijão, mandioca, batata-doce, óleo de girassol, frutas e legumes em geral.
Na actividade pecuária, fomenta-se a criação de coelhos, galinhas cafreal, patos, galinhas poedeiras, perus, porcos, cabras, gado bovino de corte e leiteiro, caprino. Com uma área de 300 hectares para aproveitamento agrícola. Maquinarias agrícolas, instalações de sistema de rega e pavilhao param criação de animais, com uma extensa área de pastagem.
Desde o ano 2008 as actividades ficaram comprometidas pela falta de água pois beneficiávamos de um sistema de abastecimento directo da Barragem dos Pequenos Libombos que foi transferido para as populações mais próximas. Actualmente a nossa capacidade de autossustento por meio desta actividade encontra-se totalmente parada por falta de água, limitando-nos apenas a actividades pontuais de criação de pintos, galinhas poedeiras, gado bovino, suíno e caprino, hortícolas e culturas de sequeiras (milho e feijão).
No final, fomos visitar uma das obras emblemáticas da instituição – A CAPELA
A Capela é simples mas de uma beleza invulgar…
a sua parte interior é linda, toda em pedra…
e com uma vista magnífica!
Despedimo-nos da irmã Quitéria, a presente líder desta Instituição
e do jovem espanhol a fazer voluntariado nesta Casa já há uns anos…
Por sugestão da irmã Quitéria fomos ver o local onde o grande mentor desta Casa do Gaiato – Padre José Maria, está sepultado.
Padre José Maria um homem bom que ficará para sempre na lembrança de todos que passaram pela Casa do Gaiato de Maputo.
Já de regresso a Maputo, um último adeus…
Faltava-me cumprir algo: tinha prometido à minha filha que, quando fosse visitar a Aldeia Ndivinduane, iria procurar a Mardén (filha do professor Rui), a fim de lhe entregar uma lembrança da Soraia, como recordação da viagem que realizámos há doze anos atrás…
Hoje, já com 17 anos de idade, foi um prazer rever a Mardén a frequentar o ensino médio na Escola de Massaca, perto de Boane. Foi lá que a fomos encontrar…
O tempo passa e entretanto o prof. Rui já tem três filhos, a Mardén e mais dois “mufanitas”…
Para terminar, uma foto com os alunos da Aldeia de Ndivindune que vivem e estudam em Massaca e são apoiados pela Associação Capulana de forma a poderem continuar os seus estudos…
Esta foi a última etapa, antes do regresso a casa em Maputo. No caminho, ainda deu para observar os populares “my love” em circulação…
Foi um dia extenuante, de muitas emoções… e altamente gratificante.
Depois de uma experiência destas, o sentido de vida realça-nos determinados valores até então latentes…
Para alcançar a Felicidade, o essencial está aqui… tudo o resto é supérfluo.
Os ricos não podem mais viver numa ilha rodeada por um mar de pobreza. Nós respiramos, todos, o mesmo ar. Devemos dar a cada um, uma chance, ao menos uma chance fundamental.
Ayrton Senna
- Se quiser apoiar ou colaborar com esta magnífica obra da Associação Capulana, clique AQUI!
Foram utilizadas algumas fotos nesta reportagem, cujos créditos são de Teresa Viegas, a quem o BigSlam agradece!
Música: USA FOR AFRICA – We Are The World
- Não perca o próximo episódio desta viagem por terras de África – “Passeando por Maputo e almoço e jantar com amigos de longa data”.
NOTA: Para ver ou rever as anteriores reportagens, basta clicar nos links seguintes (escritos a azul):
1ª – “Viagem até Joanesburgo e o primeiro dia nesta cidade!”
2ª – “Jantar convívio com antigos desportistas de Moçambique radicados em Joanesburgo!”
3ª – “Fim de semana em Marloth Park!“
4ª – “Partida de Marloth Park e Chegada a Maputo!“
5ª – “Primeiro dia na cidade de Maputo!”
8ª – “Um passeio pelos clubes da baixa de Maputo!”
9ª – “Convívios… e entrevista da televisão STV ao BigSlam!”
10ª – “Visita a alguns locais emblemáticos de Maputo!”
11ª – “Almoço e jantar com amigos em Maputo!”
12ª – “Viagem e primeiro dia na praia do Bilene…”
13ª – “À descoberta de um novo Bilene…”
3 Comentários
Zeto
Obrigado pela reportagem, fui várias vezes a casa do gaiato, passeios em família onde os meus pais nos ensinaram a solidariedade. Das poucas histórias que recordo é a de eu a minha irmã Lena e alguns dos rapazes de lá montarmos os burros em pelo e nunca cairmos. Também aprendi com os meus pais a dar prendas a quem precisa mas novas, se as nossas eram novas, as dos rapazes do gaiato também eram.
A dias os meus pais disseram que tinham visto uma reportagem na RTP, ficaram muito satisfeitos, hoje direi que o local não é o mesmo. Obrigado e um abraço.
Dave Adkins
Fotos e reportagem excelentes! Como sempre informativos e detalhados. Dá esperança para um futuro positivo no país, apesar dos obstáculos dos malandros presentes no Norte em Moçambique e no mundo em geral.
A. Braga Borges
Obrigado Samuel, pela reportagem. Fui “padrinho” de uma criança da escola das Irmãs Salesianas em Inharrime. A Escola Laura Vicuña. Hoje, e devido a ajudas de várias “madrinhas e vários padrinhos” a dita Escola é auto suficiente.Têm oficinas, padaria, machamba, além do ensino que vai até ao secundário. Sei bem o valor desta reportagem. “Ajudar a quem mais precisa”.