Cândido Coelho esqueceu a “ferrugem” para alegrar Craveirinha
Uns anos se haviam passado e o atletismo para Cândido Coelho, como praticante, já pertencia à história. Eis que o poeta Craveirinha lhe lança um repto inesperado, pedindo que lhe dê uma grande alegria: a de ver o seu clube, o Desportivo, campeão. Foram estas as palavras do poeta: “meu filho, dá-me essa alegria. Gostaria que o meu clube fosse campeão nacional de atletismo que se realiza pela primeira vez, em Moçambique independente. Essa tarefa fica nas tuas mãos”.
Cândido ficou uns dias sem sono. Como enfrentar os “esquadrões” do Ferroviário e do Sporting, qualquer deles com mais de 40 atletas, quando o Desportivo, já seu o técnico “TAU”, tinha o departamento de atletismo praticante inoperacional? Na altura, só pouco mais de meia dúzia de atletas, entre eles Eduardo Costa, Domingos Mendes e Stélio Craveirinha, lá treinavam… Da conversa com esses “sobreviventes” e face à pressão, cada um teria que fazer cinco provas. Para Cândido, apesar de “enferrujado”, ficava o maior bolo: seis provas, em que teria que obter, no mínimo 30 pontos! Inicialmente, todos se riram. Mas a aventura começou mesmo, com cada um a treinar provas fora da sua especialidade, para a “caça ao ponto”.
A alegria acabou sendo dada ao velho poeta. Cândido, que tinha a responsabilidade dos 30 pontos, fez 42. A prova foi ganha com mais de 80 pontos de vantagem sobre o segundo, o Ferroviário.
Reacção do poeta? Algo inesperado. Ele, acérrimo inimigo do álcool, mas que sabia que o Cândido bebia em dias de festa, convidou-o à sua casa. Estava com lágrimas nos olhos, de felicidade. Foi buscar uma garrafa de whisky de 25 anos, pegou no seu refresco e brindaram.
Foi a segunda vez que o atleta moçambicano, justamente considerado com “Atleta do Século”, foi “repescado”.
A primeira? Aconteceu em 1978. Moçambique iria tomar parte nos Jogos Africanos de Argel pela primeira vez como país independente. Havia que formar uma equipa forte e o nome de Cândido Coelho veio à baila. Vivia no norte do país, após quatro anos longe das pistas. A sugestão tinha vindo, também, do poeta Craveirinha.
Um grande desafio. Foi para um estágio de um mês na Geórgia, ex-União Soviética. A opção foi pelo decatlo, apesar do sacrifício que isso representaria, pois havia a vantagem de não existirem muitos atletas com o seu ecletismo. Apesar dos condicionalismos, não “caiu” nas eliminatórias, acabando por ser o oitavo melhor de África.
Atleta do Século
Pertence à galeria restrita dos superdotados ecleticamente para a prática do desporto. Daí a distinção, sem favor, de pertencer ao núcleo dos três atletas do Século em Moçambique, a par de José Magalhães e Lurdes Mutola. Cândido Coelho, o “Becas”, era conhecido e reconhecido como o maior decatlonista moçambicano de todos os tempos e o maior da sua época em todo o espaço português de então. Foi um atleta ímpar, pela sua versatilidade.
Os seus tempos áureos foram os finais da década 60 e toda a de 70. Não tinha uma especialidade bem definida, pois era uma superestrela em várias, como nos saltos em altura e vara, 110 barreiras, 100 e 200 metros planos. Sempre na 1.ª linha, cliente assíduo de todas as selecções ultramarinas, o nosso decatlonista esteve com um pé no Benfica de Lisboa, em 1974. Fez testes na Luz, aprovou e só não ficou por lá, porque, com o 25 de Abril, o patriotismo falou mais alto e decidiu regressar à sua Pátria que se preparava para a Independência.
Mas o ecletismo deste grande atleta não se esgotava nas múltiplas disciplinas do atletismo. Cândido Coelho foi um excelente ponta-de-lança no futebol, explorando a sua invulgar velocidade. Além disso, jogava futebol de salão e basquetebol a um bom nível e era um exímio patinador e hoquista.
Treinador/recordista também no futebol
Possui um registo, até agora imbatível, como treinador de futebol. Qual? Quando, no ano de 1982, o Desportivo de Maputo entrou em campo para realizar o primeiro jogo da segunda volta do Nacional, já levava para o campo garrafas de champanhe, em comemoração do título. Para a história, ficavam também o recorde de 98 golos, o troféu de melhor marcador, guarda-redes menos batido, etc.
Como chegou a isso? É que, como que possuído de uma febre, participou em vários cursos de treinador até 1990, destacando-se os estágios em Portugal, tendo como colegas Carlos Queirós, e Jesualdo Ferreira. Depois, foi ao Brasil para um curso da Federação Paulista.
O retumbante sucesso no Desportivo não eliminou algumas confusões no problemático clube. Daí que tenha acedido a um convite de Mansur Daúde, do Xai-Xai, para orientar na época seguinte o clube de Gaza que andava pelas ruas da amargura. O seu “dedo”, permitiu ganhar dois títulos provinciais, um dos quais perdido na secretaria.
Renato Caldeira – Junho de 2021
2 Comentários
Katali Fakir
É sempre uma celebração festiva saber noticias de um Amigo de adolescência e juventude, mas a inquietação é tremenda aquando tem-se falar de quem já cá não está. “Bebequinhas”, nome de familia e dos/as amig@s próximos, dos quais era um dos privilegiados, não obstante, precocemente, o destino nos ter separado, por um lado eu ter sido incorporado em 1973 no serviço militar obrigatório do exército colonial e por outro, no ano seguinte nas vésperas do 25 de Abril, ter sido ferido em combate e consequentemente iniciado um périplo de reabilitação médica, pessoal, psicológica, social, familiar e profissional que do Bebecas só sabia o que outros contavam e com satisfação recebia noticias de sucesso desportivo como vitórias minhas, porque desde muito cedo fui educado a festejar as vitórias de familiares e amigos como minhas fossem e mais tarde as de moçambicanos independentemente do clube que representassem, tanto que o exemplo paradigmático foi do “King”, vulgo o senhor Eusébio da Silva Ferreira, não sendo adepto e/ou simpatizante do Benfica, o êxito dele foi sempre como se fosse do meu clube de simpatia. Estes sentimentos não se explicam os grandes atletas como o Bebequinhas, têm esta luz que de quando em vez emergem do nada e Moçambique e em particular Lourenço Marques e seus míticos bairros populares da Mafalala, Alto-maé e da Malhangalene, berço da formação eclética do Bebecas onde fomos contemporâneos e vizinhos, eu a viver na esquina inferior do Largo do Alentejo e ele na parte superior. Muitas foram as peladas no jardim, mas o mais interessante foi a aprendizagem Ha-Doc que nos ensinou dos flick-flacks e mortais que trazia do grupo de ginástica da Associação Africana de que fazia parte. Iniciou oficialmente a prática de Basquete nos infantis e juniores do Malhangalene, era sobrinho do famoso e popular jogador do Ferroviário – Bessa.
Deixei para o final o Futebol de 5 foi um grupo de jovens que organizaram-se e formaram uma equipa designada por – Nacional, constituido por seguinte jovens: Meu saudoso irmão Gafar era o guarda-redes e suplente o Alberto Jorge (Langa), Candido Coelho(Bebecas), Fernando Sousa (Nando Albaza), Avelino Ferreira (fôfinho), Mussa, Gulam Karolia, Faruk Butchi, e naturalmente eu (Katali) o miniciador das bombas que eram os remates apontados pelo Bebequinhas porque eu era muito mufanita e os meus remates eram doce para os giarda-redes adversários. Bons e inolvidáveis tempos de amizades marcantes para as nossas vidas. Que a alma do nosso querido amigo e atleta ímpar esteja a brilhar como estrela no céu como iluminou na Terra.
BigSlam
Parabéns Katali Fakir, pelo teu comentário sobre um amigo de juventude. Bonita homenagem ao “Bebecas”.
Que esteja em paz!