A ADSE E AS GORDURAS DO ESTADO
( Meu artigo de opinião publicado, no dia 5 do corrente, no Jornal “O Diário as Beiras” distribuído conjuntamente com o “Expresso”):
O Estado social discute-se porque é a parte do Estado que tem mais a ver com as pessoas velhas, reformadas, desempregadas, estão doentes, estão sós, têm incapacidades, pessoas que não têm voz, não têm ‘lobbies’, não abrem telejornais, não têm escritórios de advogados, não têm banqueiros”.
António Bagão Félix (“Jornal de Negócios”, 30/11/2012)
O complexo e confuso labirinto jurídico de leis respeitantes à Assistência na Doença aos Servidores do Estado (ADSE) traz-me à lembrança uma passagem de um livro do escritor Pio Barojo em que um ministro espanhol, virando-se para o seu secretário o adverte: “Senhor Rodriguez, veja lá se a lei está redigida com a suficiente confusão”! Este facto, leva-me a questionar a interpretação de retroactividade dada pela ADSE a direitos adquiridos porque, segundo Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros do Partido Socialista, “a não retroactividade das leis é o que distingue a civilização da barbárie”. Ou seja, não bate a bota com a perdigota!
Acresce que o facto de duas coisas diferentes serem tidas como iguais, não pode deixar de me inquietar sobre a razão que presidiu às normas draconianas evocadas pela ADSE para se subtrair ao encargo de continuar a prestar assistência na doença a determinados beneficiários familiares, tratando, desta forma, de modo igual, quem não tenha feito quaisquer descontos ou quem tivesse feito onerosos descontos durante uma dúzia de anos para vir a usufruir de uma “exorbitante” pensão de duas centenas e meia de euros mensais!
Passando ao lado desta incongruência, tudo isto para cumprimento de uma lei em banho-maria, desde 2005, em uma qualquer gaveta de um qualquer corredor do poder. Entretanto, o Partido Socialista em vez de tentar diminuir escandalosas despesas estatais (escuso-me de enunciar o seu extenso rol) pretende, com isto, demitir-se do seu papel social(ista) colhendo migalhas de pão que o diabo amassou de velhos, doentes e estropiados ainda que mesmo, volto a insistir, do regime contributivo. Entretanto, em espírito usurário, prevê a gente, que nos governa ou governou, curiosamente do Partido Socialista, alargar a inscrição de beneficiário familiar a cônjuges desde que passem a descontar mensalmente uma determinada quantia e não tenham mais de 65 anos de idade. E já agora, interrogo-me, por que não a portadores de um atestado médico declarativo de uma saúde de ferro para dar e durar?
Pese embora o estoicismo e brio profissional de grande maioria de médicos e enfermeiros de um Serviço Nacional de Saúde (trabalhando em hospitais e centros de saúde) a rebentar pelas costuras, com consultas, por vezes, marcadas para data posterior ao falecimento do doente (por exemplo, numa espécie de antecâmara da morte, “Consultas em Dermatologia podem levar anos no SNS”, “SOL”, 29/10/2015) e a cirurgias feitas muitos meses depois de agendadas, é acrescentada, agora, para piorar a situação, a integração de ex-beneficiários familiares da ADSE, para um serviço de urgências quase caótico: “Mais de 200 mil utentes do que em 2015” (Público, 24/10/2016).
Será próprio de um país, que se deseja humanista, remeter a “peste grisalha” (adjectivação infeliz de Carlos Peixoto, antigo deputado do PSD), desses beneficiários da ADSE, com doenças graves e crónicas, por vezes com elevado grau de incapacidade física que lhe tolhe a marcha, para uma nova situação de cuidados médicos, que lhes agrave a ansiedade por uma longa espera de serem atendidos, e, em consequência, o seu estado de sanidade mental? Estas desumanas alterações no funcionamento da ADSE fazem dos idosos de uma fragilizada classe média o “bode respiratório” (Jorge Jesus) de uma situação em que os doentes são “coisas” que se descartam por serem dispendiosas para um Orçamento do Estado que não ousa cortar nas suas próprias gorduras. E, ipso facto, pondo em risco um Estado de bem-estar social e a própria sobrevivência de um Serviço Nacional de Saúde (criado em idos de 1979), ex libris do Partido Socialista e obra humanitária de elevado mérito do socialista António Arnauth!
Na ausência de princípios humanitários haja, no mínimo, senhor governantes de um país democrático “o soberaníssimo bom-senso” de que nos falava Antero de Quental!
2 Comentários
Licínio Negrão
Os PAFiosos do desgoverno anterior, implementaram um brutal aumento nos descontos para a ADSE, mesmo sabendo que esse aumento era desnecessário, porque o sistema estava equilibrado, ora tá-se mesmo a ver, que esse aumento deve ter ido para rubricas alheias à ADSE…
Rui Baptista
Quem paga a factura, como sempre, é o Zé Povinho!