“Os Campeonatos de Minibasquete da Mocidade Portuguesa e o Torneio de Minibasquete do Conselho Provincial de Educação Física de Moçambique”
Um dia, quando olhares para trás, verás que os dias mais belos foram aqueles em que lutaste” (Sigmund Freud).
Pelos motivos que passarei a expor exaustivamente, foi com muito interesse que li o “post”, aqui publicado dias atrás (03/11/2020), da autoria de Licínio Negrão, sobre o “Torneio Aberto de Minibasquete (1970), “organizado pelo Conselho Provincial de Educação Física e sob o alto patrocínio da empresa Mac-Mahon, fábrica de cerveja e refrigerantes da antiga Lourenço Marques que ofereceu como prémio 10 bicicletas aos jogadores da equipa vencedora”.
Eis senão quando, nele me deparei com a notícia de jornal que transcrevo “ipsis verbis”: [Este torneio] “fica a encabeçar o historial de Minibasquete que algum dia venha a ser feito”(“Tribuna”, 01//07/1972).
Chegou, portanto, o momento de responder a este apelo com documentos escritos, isto é baseado na razão sem devaneios do coração. E porque, ao longo dos anos, tem sido desvirtuado o Historial da Introdução do Minibasquete em Território Nacional, qualquer dos factos, por mais insignificante que seja, deve ser acompanhado por um conjunto de dados fidedignos devidamente vividos e documentados.
“Ipso facto”, entendi meu dever inalienável ser testemunha, dos acontecimentos versando a introdução do minibasquete em Moçambique com o “apport” da minha vivência, de sete anos (tantos quantos “quantos Jacob serviu Labão, pai de Raquel”, em soneto de Camões) como inspector de Educação Física, tendo sido exonerado a meu pedido e louvado, em Boletim Oficial do Governo de Moçambique, pela acção desenvolvida nesse cargo.
Por caber-me, por direito e, principalmente, dever, clarificar notícias que não devem jazer na penumbra da conveniência do seus autores, que caem em contradições de bradar aos céus, entendo necessária uma análise séria e detalhada entre essas notícias e a realidade dos factos, apoiando-me no testemunho de Walter Scott que sentenciou serem “os factos sagrados e os comentários livres”. Assim, enviei um comentário, publicado no supracitado artigo de Licínio Negrão saudando o seu autor, todavia, merecedor de um esclarecimento mais detalhado.
É o que farei a seguir socorrendo-me, de uma outra notícia publicada no mesmo jornal, “A Tribuna”, de Lourenço Marques (06/04/1971), intitulada “Terminou o ciclo de colóquios subordinado ao subtema actividades gimnodesportivas”. Nele participaram, além de mim, três outros coloquiantes, professores Noronha Feio, presidente do Conselho Provincial de Educação Física, Teotónio Lima e Sena Lino.
Ocasião soberana, portanto, para, perante esta entidade, que tutelava o desporto associativo moçambicano, pôr termo a simples e convenientes boatos que se espalhavam porque, como defendeu Goebels, ministro da propaganda nazi, uma mentira muitas vezes repetida torna-se numa verdade.
Saindo dos simples boatos, transcrevo um testemunho de Cremildo Pereira, personalidade destacada no meio do basquete moçambicano, que escreveu a este respeito um pequeno, mas elucidativo artigo, intitulado “Minibasquete – sua projecção em Moçambique”, que transcrevo na íntegra:
“No último sábado tive a oportunidade de assistir no pavilhão do Malhangalene, a três jogos do campeonato escolar de minibasquete de Lourenço Marques. Desconhecendo o incremento que tomou, porque tão louvável iniciativa não tem sido rodeada da propaganda que merece, não só pela sua extraordinária influência na formação moral e desenvolvimento físico das crianças, mas também pelo entusiasmo na juventude e nos educadores fiquei surpreendido! Algo de muito valioso se vem fazendo e muita coisa já foi alcançada” (Cremildo Pereira, Jornal “Notícias”, 30/05/66).
Foi, pois, com natural revolta, que li no jornal “A Tribuna” a seguinte notícia (01/07/1972): “O minibasquete foi introduzido no Espaço Português em 1964, na Província de Moçambique, graças ao entusiasmo de Cremilde Pereira que tem merecido o apoio da Mocidade Portuguesa”!
O minibasquete, nessa mesma altura e nesse local, mereceria outra referência de Cremildo Pereira sob título “Minibasquete – pela Minelândia: “ O boletim da FIBA de Julho último ao dar notícia dos Campeonatos Provinciais feminino e juniores informa que Moçambique foi o primeiro território africano onde se praticou o mini”.
Transcrevo a notícia que mereceu a minha intervenção nesse colóquio:
“Subordinado ao título, ”Minibasquete – Subsídios para o estudo da respectiva introdução em território nacional”, que colocou no seu devido lugar o papel da MP em tal actividade, o professor Rui Baptista na fase de debate, maravilhou a assistência com os seu conhecimentos e ensinamentos sobre medicina desportiva, dando lugar a acesso e esclarecedor debate” (“A Tribuna”, 06/04/1971).
Acresce que já em 1963, tinham sido realizados campeonatos desta modalidade na Escola Primária João Belo, facto que foi notícia em diversos artigos de jornais tendo os seus pequenos praticantes, hoje de meia idade, vivido essa efeméride sem o perigo de qualquer processo degenerativo cerebral que possa ter nebulado a memória desses tempos.
Eu, por meu turno, rejeito liminarmente, o papel de “escrever de pena ao vento” (Eça) furtando-me a um debate sobre estes factos que assuma o tipo de controvérsia sobre o navegador português que descobriu o Brasil: se Pedro Álvares Cabral ou Duarte Pacheco Pereira por ter sido este segundo o primeiro a pisar Terras de Santa Cruz.
Para que o leitor possa fazer um apanhado, com o necessário cotejamento, sobre esta polémica matéria, reporto-me, outrossim, a um “post” meu, publicado aqui no “ BigSlam”, intitulado “Breves Subsídios para a História da Introdução do Minibasquete em Moçambique” (15/12/2015).
Anos depois, por a introdução de minibasquete em território nacional voltar à baila, foi completada esta temática com nova achega na imprensa moçambicana, com os seguintes dados oficiais sobre o número de escolas participantes, o número de equipas participantes, o número de jogos realizados e o número de campos construídos nas escolas primárias de Lourenço Marques (“ A Tribuna”, 11/07/72):
Campeonatos Regionais de Minibasquete de Lourenço Marques da Mocidade Portuguesa:
Ano lectivo 1964/65: 5 – 5 – 20 – 2
Ano lectivo 1965/66: 6 – 6 – 30 – 5
Ano lectivo 1966/67: 8 – 12 – 64 – 9
Ano lectivo 1967/68: 9 – 15 – 66 – 9
Estes campos foram construídos pelas direcções das escolas, por vezes, com o auxílio de mão de obra e materiais custeados, em parte, por pais dos alunos.
Verifica-se, por este quadro, a consistência e evolução constante ao longo de quatro anos que o minibasquete teve e a que a minha demissão inspectiva, a meu pedido, deu termo.
Para o futuro ficou uma obra pedagógica, repito pedagógica, em que quase tudo foi feito com a prata da casa: professores, alunos, treinamento e arbitragem em puro espírito olímpico da Grécia Antiga em que o prémio aos vencedores era uma coroa de louros e no Torneio do Conselho Provincial de Educação Física bicicletas.
Por último, chamo novamente a atenção para o facto deste meu “post” ter como razão primordial o repto que foi lançado numa das notícias jornalísticas em causa, isto é, que o historial do Minibasquete em Moçambique um dia venha a ser feito (in “Torneio Aberto de Minibasquete – Com o Triunfo da Malhangalene terminou ontem o Grande Prémio Coca-Cola”). Espero ter sido cumprido esse desígnio finalmente!
De Gertrude Stein, colhi a seguinte sentença: “A história leva o seu tempo. A História faz memória”. E porque assim é, devem ser recordadas os minorcas que se fizeram gigantes desse tempo e em que hoje lhes surgem as cãs que abriram as portas do minibasquete num Portugal que ia do Minho a Timor.
Esquecê-los seria ingratidão em não os homenagear simbolicamente, ainda que passados tantos anos, numa altura em ninguém pode deixar cair num esquecimento que não merecem de forma alguma. Para essas crianças hoje homens feitos, vai a minha gratidão pelos dias de convívio salutar passados em campos de minibasquete viveiro de alguns nomes que passaram a militar nos campos de basquete dos clubes moçambicanos. Parafraseando Pessoa, “o homem sonha e a obra nasce”!
P.S. – Tudo aquilo que escrevi e citei neste texto está devidamente documentado numa pasta de um milhar de meus artigos publicados sobre diversos assuntos em Moçambique e Portugal, para além de “post’s” publicados no “BigSlam” e no blogue “De Rerum Natura” de que sou um dos colaboradores.
4 Comentários
Augusto Martins
Foi com muito prazer e orgulho que li este testemunho duma realidade que tive a oportunidade de viver.
Realmente, naquela época e naquelas longínquas paragens, já se andava um pouco à frente, graças ao empenho, ao saber, ao esforço e ao muito trabalho de muita gente, entre as quais eu devo e tenho que destacar o meu ilustre Professor RUI BAPTISTA.
Muito obrigado PROFESSOR, pela sua obra e por tudo aquilo, que nos ensinou.
Manuel Martins Terra
Sim a verdade é que em 1963, quando frequentava a Escola João Belo, já se assistia no coberto do recreio do estabelecimento de ensino, onde estavam já instaladas duas tabelas de basquetebol, paridas de Minibasquetebol entre as escolas sediadas na cidade. Lembro-me das partidas renhidas entre a Escola João Belo e a Escola Paiva Manso, disputadas com muito ardor. Lembro-me do saudoso Professor Macedo, um docente extraordinário e que não beliscava a nossa irreverência,no intervalo do lanche (20 minutos) levava consigo debaixo do braço uma bola de basquetebol e com toda a paciência do mundo, constituia 2 equipas , a que só o toque de campainha, para o nosso desespero dava como terminado o jogo. Foi como muitos exemplos destes que a modalidade foi conquistando os jovens, mais tarde muitos deles grandes jogadores se revelaram. Bem hajam os que souberam lançar as sementes do Minibasquetebol, em Moçambique.
Rui Baptista
Obrigado pelo seu comentário de “um saber de experiência” que veio confirmar o interesse dos alunos das escolas primárias pela prática do minibasquete.
Rui Baptista
Não posso, e muito menos quero, deixar de agradecer, ao Samuel, o estupendo arranjo gráfico deste meu post num assunto polémico em que “quem o alheio veste na praça o despe”, na sabedoria popular. E mais agradeço a Lícinio Negrão ter despoletado esta questão para que ela não permaneça no boato do diz-se, diz-se misturando acontecimentos diferentes. Os campeonatos escolares de minibasquete da Mocidade Portuguesa e, anos volvidos, o torneio desta mesma modalidade a cargo do Conselho Provincial de Educação Física de Moçambique e o patrocínio da marca comercial Coca-Cola que ofereceu 10 bicicletas à equipa vencedora! Como soe dizer-se, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!