O MEU GRANDE AMIGO AUGUSTO CABRAL
A amizade é como os títulos honoríficos: quanto mais velha, mais preciosa” (Johann Goethe).
Sempre que o nome do Museu Álvaro de Castro de Moçambique, actualmente Museu de História Natural, de centenária tradição, é recordado (como por exemplo, no post 6 de Junho de 1913… Museu Álvaro de Castro do jornalista João de Sousa) renasce em mim a lembrança de uma grande e duradoura amizade que prevalece para além da morte de Augusto Cabral.
Augusto Cabral, na então Metrópole, frequentou diversos cursos sem os completar (dos que me recordo o INEF e o Conservatório Nacional de Música). O primeiro serviu-lhe para dar aulas eventuais de Educação Física, na Escola Mouzinho de Albuquerque, onde fomos colegas, alguns alunos desta saudosa escola devem estar recordados desse tempo; o segundo para ser pianista na “boîte” do Hotel Girassol. No desporto foi tenista de competição em Lourenço Marques e boxeur amador no Ginásio Clube de Lisboa. Homem de sete ofícios que se distinguiu, na arte de bem escrever textos de natureza literária e científica, haja em vista o seu livro “Borboletas de Moçambique”, prefaciado por Mia Couto,
também ele biológo, pintura e escultura (tendo-me oferecido a escultura aqui fotografada para colocar no meu futuro gabinete da presidência do Conselho Provincial de Educação Física e Desporto que se veio a gorar) , mas o exercício profissional que lhe dava o sustento principal era a gerência da Casa da Sorte.
Depois de 25 de Abril, regressei a Portugal tendo ele permanecido em Maputo onde se viria a formar em Biologia, sendo docente universitário e director do Museu de História Natural.
Do tempo de Lourenço Marques recordo-me da seguinte história contada por um amigo seu. Tendo combinado encontrar-se , ao fim da tarde, com a sua mulher da altura inglesa de grande beleza, deparou-se com um “engatatão de bifas” sentado a seu lado no Café Scala. Logo ele se preparava para bater em retirada não deixando o marido que isso acontecesse, convidando-o para lancharem os três. Ao ser-lhe perguntados o que queria para o lanche respondeu com voz tremida ser um copo de leite. Quente ou frio? Especificou: frio! Chegado o copo de leite despejou-o por cima da cabeça do atrevidote, acrescentando ter tido muita sorte em ter pedido o leite frio!
Desse passado, se alguém é credor de uma corajosa amizade sou eu, não ele! Durante uma polémica que tive com a revista “Tempo” (cf., neste blogue o meu post, “As minha memórias da Revista Tempo”, 05/11/2016) que nunca publicou as minhas respostas, tendo eu sido coagido, para varrer a minha testada, a publicar o livro “semconTEMPOrizar”, prefaciado por Augusto Cabral, cuja edição esgotou em poucos dias e deu por findo este litígio com honra para as teses por mim defendidas.
Reencontramo-nos, passados anos, em Maputo, aquando da realização do “V Congresso de Educação Física Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa” (1997). Esse reencontro merece ser contado.
Estando os congressistas hospedados no Hotel Cardoso, que fica em frente do supracitado Museu, atravessei a rua e disse a quem me atendeu querer falar com o seu director sem me identificar. Respondeu-me o funcionário não ser possível por o senhor director ter agendada uma reunião para daí a instantes. Insisti, dizendo-lhe que era um amigo de Portugal que o desejava cumprimentar. Tanto insisti que ele recebeu ordens para me deixar entrar desde que a minha presença fosse rápida.
Quando entrei no seu gabinete, na penumbra que apenas deixava divisar silhuetas através da porta, e lhe falei, disse-me: “Meu grande malandro, não sabias teres-te anunciado pelo nome?” Retorqui: “Quis fazer-te uma surpresa”. Uma muito e grata surpresa, acrescentou ele! E aí permanecemos a recordar velhos e saudosos tempos ficando a dita reunião para segundo plano!
Aquando do regresso dos congressistas a Lisboa, agendada para as 21 horas, fomos avisados que a partida tinha sido adiada para as duas horas da manhã do dia seguinte. Augusto Cabral, a essa hora, estava à minha espera para se despedir de mim, desde as 21 horas pré-anunciadas.
Nunca mais nos vimos, tendo ele falecido em 2016 em Maputo. Mas em mim permanece a sua imagem e a sua amizade que fez com que aguentasse estoicamente no aeroporto por mim quatro horas, numa altura em que essa aerogare não primava por instalações confortáveis. São amizades raras como esta que nos fazem acreditar num mundo melhor e mais fraterno que nem credos religiosos e/ou políticos diferentes conseguem destruir ou, sequer, molestar!
E se, parafraseando o nosso imortal vate, lá onde quer que estejas, “memória desta vida se consente”, bem hajas Augusto, meu Amigo, meu Irmão sem laços de sangue. Repousa em Paz!
Rui Baptista – 12.06.2019
13 Comentários
Madalena Baptista
Recordar é viver e amigo é aquele que faz recordar quem merece ser recordado, como é o caso do biólogo Augusto Cabral. Já visitei o museu umas 3 ou 4 vezes e delicio-me sempre a ver as fases todas da gestação do elefante, se a memória não me falha 22 semanas.
É sempre com imenso prazer que leio o que escreves, meu querido PAI. És e serás sempre para mim o exemplo de como o bicho homem deveria SER! Beijinho
Rui Baptista
Querida Filhota: Sei reconhecer que que tenho virtudes e defeitos, aliás próprios da condição humana que nos torna, por vezes, em ídolos de pés de barro. Vês, com o teu amor filial em mim só virtudes e alguns defeitozinhos, confessa!
Como cantava o famoso tenor Tomás Alcaide, com liberdade poética, “o amor é cego e vê, não sei porquê”. Em acrescento meu oftalmológico, sendo cego tu não vês, ou escondes mesmo, em mim defeitos, só virtudes!!! Quando se descobrirá um balança que pese defeitos e virtudes? A isso vir a acontecer, espero não vir a desiludir-te com os meus pés de barro que a idade tornam menos consistentes.
Beija-te teu pai.
Custódia Cabral
Obrigada Dr. por homenagear o meu pai, foi e será sempre o meu herói.
Rui Baptista
Não tem que me agradecer. A minha homenagem não contempla a sua personagem com eu gostaria se para tanto tivesse tido “engenho e arte”, tanta como a aminha amizade por ele exigia. Um abraço.
Rui Baptista
Na 3.ª linha onde escrevi “tanta”, emendo para tanto.
Vanda Esquivel
Braga Borges, o taxidermista era o seu irmão Fernando Pereira Cabral
Joao de Faria-Lopes
So uma achega..
Andei na Escola Tecnica Sa da Bandeira entre 1955 e 1957. EIMA foi o seu nome depois de 1960 S.E.& O..
Foram meus Profs. de Educacao Fisica o Sr. Prof. Chaves, o Sr. Augusto Cabral e o Sr. Prof. Rui Baptista.
Creio que fui aluno da 1* aula que o S.Prof. Rui Baptista deu em L.M.
O Sr. Augusto Cabral (RIP) deu-me as primeiras licoes de pintura cerca de 1959 na Escola Comercial de L.M.
Recordo com saudade aqueles tempos e aqueles 3 Mestres e Amigos.
Um abraco ao amigo Prof. R.Baptista.
Rui Baptista
O lugar do Professor Chaves foi por mim ocupado com o seu regresso à Metrópole, não tendo chegado a conhecê-lo. Se for vivo, gostará de ler este seu comentário em que o refere. De permeio entre eles sinto-me em companhia honrosa. Agradeço com um abraço amigo o quinhão que me coube n seu comentário.
Braga Borges
Brilhante taxidermista.
Rui Baptista
Taxidermista ( é o profissional que embalsama os animais selvagens) de grande renome foi seu irmão Fernando Cabral). “Gosso modo”, Augusto Cabral foi biólogo , ou seja aquele que se dedica, entre outros temas, ao estudo científico das funções anátomo-fisiológicas dos animais, de entre eles o bicho homem!
Mara Cabral
Caro Rui, sou filha de Fernando Cabral. Adoraria saber se conheceu o meu pai pessoalmente. Muito obrigada!
BigSlam
O Prof. Rui Baptista já faleceu em setembro de 2021.
Mara Cabral
Oh, obrigada e os meus pesames…..