A IGNORÂNCIA DOS UNIVERSITÁRIOS PORTUGUESES REVISITADA
Acabo de ver o vídeo, publicado neste blogue (14/Janeiro/2016), intitulado “A ignorância dos universitários portugueses! Só visto”.
Escreveu Bergson: “Não existe cómico fora do que é propriamente humano”. A propósito, por entender que o mesmo se aplica à tragicomédia do nosso sistema de ensino, dou conta de um post meu publicado no blogue De Rerum Natura (15/02/2008) , de que sou um dos autores, intitulado “O Exame de Acesso à Carreira Docente”. Transcevo-o na íntegra:
Prof. Rui Baptista
“A resignação passiva, por ensurdecimento progressivo do ser, é o falhanço completo e sem remédio” – Sophia de Mello Breyner.
A formação dos futuros professores deixa muito a desejar. Segundo notícia do “Expresso” (9.Fev.2008), intitulado “Erros nas universidades”, os alunos mais responsáveis da Faculdade de Letras de Lisboa queixam-se de que os “maus tratos do Português chegam ao corredor da universidade. Temos colegas que dizem ‘púzio’ (em vez de ‘pu-lo’(…). ‘Fizestes’, ou ‘dizestes’, em vez de ‘disseste’ ou’ fizeste’, ‘derivado a…’ ou ‘ténhamos’ são mais alguns exemplos do que os estudantes escutam a toda a hora” . Se é assim que falam, difícil não me parece descortinar erros de palmatória no que concerne a textos seus manuscritos numa sociedade em que os correctores de texto dos computadores “escrevem” pelo autor.
O “púzio” vem mesmo a calhar para “certificar” uma história passada numa escola secundária. Um docente chega à sala de professores com ar de ferrabrás, e diz: “Hoje um aluno portou-se mal na aula e eu ‘púzio’ na rua”. Estava presente um outro professor que não se sentiu com coragem para o emendar ali mesmo. No dia seguinte, não querendo apoucá-lo, volta-se para ele, dizendo: “Tem graça, hoje um aluno também se portou mal numa minha aula e pu-lo na rua”. Teve com resposta a indignação do seu interlocutor: “Pulos? Eu admitia lá que um aluno meu andasse aos pulos!”
Num artigo publicado no “Diário de Coimbra” (20.Fev.2003), intitulado “O estado da Educação em Portugal”, escrevi, em comentário crítico ao Jornal Nacional da TVI, do dia 29 de Fevereiro desse mesmo ano : “Alunos da Faculdade de Letras de Lisboa são entrevistados a fim de responderem a perguntas comezinhas relacionadas com Literatura [assunto de que era suposto serem conhecedores], por exemplo, os autores de ‘Os Maias’ e de ‘A cidade e as serras’ ou, ainda, a grafia da palavra ‘assessoria’. As respostas dadas não deixam lugar a dúvidas: esses alunos demonstraram uma ignorância confrangedora. Um deles atribui a autoria de “Os Maias” a Egas Moniz, deixando a alternativa da escolha: Egas Moniz, nado e criado no século XII, fidalgo, exemplo de honradez, ou Egas Moniz, “Prémio Nobel, 1949? Um outro disse escrever-se “asseçoria”! O facto destes alunos trazerem consigo vários diplomas que os habilitaram para a respectiva frequência universitária são prova cabal do mau estado do sistema educativo nacional”.
Meses mais tarde, passou um programa da RTP, “O Elo mais Fraco”, com a participação de nove jovens professoras, que me mereceu o seguinte artigo de opinião no “Público” (3.Fev.2003), de que transcrevo o excerto: “Com dificuldade, concebo que um programa em que a tensão nervosa possa faz das suas possa justificar, por si só, aquilo que na gíria académica chamam de ‘brancas’, como o esquecimento, como aconteceu, do conhecidíssimo ‘Teorema de Pitágoras’. Todavia, já não concebo certas respostas erradas, não dadas ou hesitadas, ante perguntas triviais do âmbito da disciplina que se ministra! E isto porque, ainda que a contragosto, possa admitir que os professores demonstrem um certo défice de cultura geral desde que contabilizem para si conhecimentos sólidos sobre a matéria que é suposto estarem habilitados a ensinarem. Só na conjugação de pouca cultura geral e escassos conhecimentos científicos pode ser encontrada justificação para o facto de, em uma das rondas de perguntas, essas concorrentes terem obtido a pontuação de zero pontos, e serem penalizadas no fim do concurso com a mais fraca prestação, relativamente a participantes que as precederem e com as mais diversas profissões tidas como muito menos exigentes no que tange a diplomas escolares”.
Saudosos tempos nos separam da época de ouro de Eça (e até de outros da nossa contemporaneidade), que referindo-se, salvo erro, a Pinheiro Chagas, o retratou como “um homem simples sem ambições excepto saber e tendo como único receio o erro”. No entanto, o testemunho dado pelos actuais alunos da Faculdade de Letras fazem renascer a esperança numa juventude capaz de si criticar a si própria, verdadeiro oásis num deserto cultural generalizado. Embora comungue da opinião de que há um limite em que a tolerância deixa de ser uma virtude, hesitei, mesmo assim, em escrever este texto com respaldo em prosa queirosiana: “Achais estas páginas cruéis? Pensais que não nos dói tanto escrevê-las como vos dói lê-las?”
De há muitos anos, defensor público de uma medida para acabar com a injustiça da simples nota de licenciatura no acesso à docência do ensino não superior, reconheço a vantagem em ter sido criado um exame com a finalidade de colocar todos os candidatos em igualdade de circunstâncias e não apenas dependentes da maior ou menor exigência da instituição universitária ou politécnica, pública ou privada que a outorga. Os meus argumentos são estes. Embora não haja bela sem senão, julgo-os mais que convincentes! Ou não? “