A VOZ DA “HORA NATIVA”
Por iniciativa da Fundação Fernando Couto e com o beneplácito da Rádio Moçambique recordaram-se ontem, no auditório da nossa estação pública de radiodifusão, algumas páginas da história de Moçambique preenchida por um homem que nasceu a 23 de Maio de 1915. Foi momento e motivo para comemorar o centenário de Samuel Dabula.
A voz da “hora nativa”, o professor, um dos fundadores do Centro Associativo dos Negros antes designado de Instituto Negrófilo, o patrono do conjunto Djambo, um verdadeiro sucesso dos anos 50.
O grupo que abrilhantava bailes, tardes dançantes e casamentos e actuava com regularidade no programa radiofónico do Rádio Clube de Moçambique, denominado “África à Noite” que era apresentado pelo locutor José Mendonça.
Como profissional da rádio, produziu e apresentou vários programas radiofónicos, de âmbito educativo e recreativo, sendo de destacar o “Keti Keti”, um programa de entretenimento que buscava e divulgava novos talentos no canto, dança e música, e que era gravado nos salões do Centro Associativo dos Negros de Moçambique. Não deixa de ser importante mencionar o contributo que deu, naquele tempo, à publicidade. Atesta isso o facto de ter trabalhado para as Produções GOLO e para outras Agências de Publicidade em sistema de “part-time”, o que permitiu a Samuel Dabula suprir o vazio do salário que deixou de auferir, na sequência do encerramento da Escola do Centro Associativo dos Negros.
Eu era muito novo (em idade e como profissional da radiodifusão) quando conheci Samuel Dabula. Foi em 1966, ano em que ele, depois de ter trabalhado em tempo parcial, ingressa a tempo inteiro nos quadros da “Voz de Moçambique”, designação que viria a substituir a “Hora Nativa”.
Eu deslocava-me ao Rádio Clube de Moçambique para gravar os programas, já que naquele tempo (na década de 60) a GOLO, Agência de Publicidade para onde eu trabalhava, ainda não tinha estúdios próprios.
Foi numa dessas vezes que me cruzei com ele, no rés-do-chão daquilo a que em tempo ficou conhecido como sendo “Palácio da Rádio”.
Eu estava diante dum senhor, grande em estatura, mas também, grande na sua qualidade humana, no seu conhecimento, no seu grau de profissionalismo, exímio no manobrar da nossa língua oficial, coisa que hoje, e lamentavelmente para muitos de nós, anda pelas ruas da amargura, tais são as vontades dos que fazem, como recentemente referiu o Dr. Francisco Noa “a apoteose da mediocridade”. Eu estava diante dum homem dedicado às causas que sempre defendeu e pelas quais sempre lutou.
Eram 5 da tarde. Eu vinha dos escritórios da Golo, que se situavam no Prédio do jornal “DIÁRIO”, e onde hoje funciona a Sede das Telecomunicações de Moçambique, com um lote de discos e um texto, pronto para me dirigir a um dos estúdios e gravar um dos programas da GOLO, quando, deparo no átrio, com Samuel Dabula. Sem perder tempo ele pergunta-me:
“És tu o miúdo que faz os relatos da Golo”?
Disse-lhe que sim. Nova pergunta dele:
“Como é que consegues decorar os nomes daqueles 22 jogadores. Há alguma técnica para fazer isso”?
Para falar com franqueza, naquele momento não tive resposta. Não deixa de ser interessante esta pergunta, vinda duma pessoa que se envolveu em relatos e comentários desportivos, ao tempo em que no horizonte desta especialidade surgia o nome de Hassane Zubair, outra figura emblemática da radiodifusão, que dividia as suas paixões entre a cabine de locução, e os recintos desportivos (primeiro como jogador e depois como relator desportivo) e com quem eu partilhei bons e agradáveis momentos de são convívio profissional daquele que em termos clubísticos, não admitia sequer que se falasse mal do seu Desportivo.
De Samuel Dabula recordo-me que ao meu lado, na década de 60 (eu para a Golo, ele para a Hora Nativa e o António Luís Rafael para o RCM) no último andar do Hotel Girassol, na então cidade de Lourenço Marques, ele entrevistou essa mítica figura do futebol mundial de seu nome Edson Arantes do Nascimento, popularmente conhecido por Pelé. Muitos anos depois os acontecimentos relacionados com a nossa Independência Nacional levou a que os nossos caminhos se cruzassem. Reportávamos eu e ele para diferentes canais da Rádio.
Não nos podemos esquecer que Samuel Dabula soube sempre partilhar essa sua vivência e conhecimento profissional com outras vozes emblemáticas da radiodifusão moçambicana que que pretendo recordar agora: Albino Pachisso, Joana Mariana, Andrade Matsinha, Evódia Raúl, Silvestre Mabuiangue, Matânia Odete, Hassane Zubair, Felicidade Timóteo, Ilda Estevão, João Jonas, Ester Lilinga, Ernesto Miguel, Rosa Maria Franzalino da Silva, José João Fumane e tantos outros.
Estes são os ícones duma geração da radiodifusão moçambicana em línguas nacionais que devem servir de exemplo aos mais jovens que hoje abraçam esta profissão de comunicar através da Rádio.
Comunicar através da Rádio não é obra para simples curiosos ou pretensos iluminados. É obra para quem tem vocação. E Samuel Dabula era um desses. Um comunicador nato. O Homem dos 7 ofícios.
João de Sousa – 27.05.2015