ELES COMEM TUDO!
Quando, há meio século, José Afonso gravou, num disco de 45 rotações a canção “Os Vampiros”, estava longe de imaginar que décadas mais tarde se implantaria a mitologia vampiresca que tanto lucro tem dado em livros, filmes e séries de televisão por esse mundo fora. “Os vampiros” é assumido como instrumento de combate cultural e cívico, em tempo de censura sempre presente e de inexistência das liberdades fundamentais em Portugal Continental e nas Províncias Ultramarinas. Daí que Os vampiros figurasse sempre no índíce de todas as actuações de Zeca Afonso. Estava lá tudo dito e, por isso, não podia ser dito.
Já nos finais de década de 80 lembro-me do facto do Leite de Vasconcelos me ter dito um dia que “tentei passar essa canção na rádio, mas alguém me avisou que isso poderia dar direito a xilindró”.
“Os Vampiros” que Zeca Afonso cantava amiúde, e que andava na mira dos agentes da Pide-DGS, abriu caminho para a revolução dos cravos em Portugal.
Quando se pensava que os vampiros desapareceriam com o passar do tempo, eis que, volvidos estes anos todos, ressurgem. Vestem outra pele, mas não deixam de sugar o nosso sangue. E tal como diz Zeca Afonso “comem tudo e não deixam nada”.
Teoricamente deviam aproximar-se das suas presas à noite e atacá-las enquanto elas dormem. Na prática fazem o contrário. Atacam à luz do dia. São os dráculas que se fazem passar por gente honrada e trabalhadora, mas que não dispensam uma honraria ou mordomia. Querem carro e casa. Querem viatura para a esposa e uma outra para levar as criancinhas à escola. Querem isenção de direitos aduaneiros, escritório, protocolo, segurança, ajudas de custo, viagens aéreas e por aí fora. E tudo isto pago pelo Estado. Sai dos impostos que o moçambicano paga. Sai do nosso bolso.
Este é o preço que temos de pagar pela paz.
O pobre do cidadão que trabalha de sol a sol, que faz das tripas coração, para poder chegar a casa com uns trocados que lhe permitam alimentar os seus, quanto mais não seja com pão e chá, vai enchendo o saco. Vai vendo essa meia dúzia a comer tudo e a não deixar nada.
Nunca é demais recordar o que disse um dia o escritor e político português Almeida Garrett:
cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.
João de Sousa – 10.12.2014