Junho de 1968!
Já lá vão 46 anos. Foi em Junho de 1968 que “conheci” Mário Coluna. Ele dentro do campo. Eu fora. Ele jogando e eu relatando. Era o Portugal – Brasil com duas ausências de peso: Eusébio e Pelé. Já não me lembro porque é que os dois não vieram a Lourenço Marques. Mas isso não vem agora para o caso. Nem isso tirou brilho à festa da inauguração do Estádio Salazar, naquilo que foi a sétima vitória dos brasileiros sobre os portugueses. Dir-me-ão, pelo menos os que deste evento se recordam ou os que assistiram esta partida, que foi um resultado esperado, dada a supremacia dos “canarinhos” naquela época. Conheci Mário Coluna e também Hilário da Conceição e Armando Manhiça.
Nesse Junho de 1968 eu tinha apenas 21 anos de idade. Coluna tinha muitos mais. Tinha 33. Já tinha longos anos de estrada nestas andanças de futebol. Já tinha passado pelas finais de duas Taças dos Campeões Europeus, em anos seguidos. Já tinha vivido as emoções de 1966 com o terceiro lugar no Mundial da Inglaterra. Estava a pouco mais de 3 anos da sua retirada definitiva do futebol, como jogador. Foi esse Mário Coluna que eu “conheci” no Estádio Salazar, ainda no esplendor da sua forma. Ele foi, independentemente da derrota de Portugal por duas bolas a zero, (golos de Rivelino e Jair) o grande comandante, o grande capitão.
Nunca pensei, depois de ter relatado esse jogo, de parceria com o Paulo Terra, Manuel Veiga e com o comentarista desportivo António Luís Rafael, que poderia, 8 anos mais tarde, conhecer pessoalmente o “monstro sagrado”. Foi no Chimoio, para onde a GOLO me enviou, com o objectivo de fazer o relato do Textáfrica,
exactamente no ano em que a equipa da Soalpo, sempre apadrinhada pelo Eng. Albano de Magalhães, se sagrava campeão nacional de futebol dum Moçambique independente. O primeiro campeão por sinal. Do tempo do Ângelo Jerónimo, do Zé Luis ou do Adelino Jorge, para falar apenas destes.
A partir daí outros encontros se seguiram com o “monstro sagrado”. Quero destacar dois. Quando convidei Mário Coluna para comentar os jogos de futebol dos Campeonatos do Mundo de Futebol ou da Taça das Nações Africanas, nas transmissões realizadas nas décadas de 80 e 90 pela nossa Televisão de Moçambique, ou quando em finais da década de 80 me desloquei a Angola, acompanhando a equipa do Ferroviário de Maputo, para um desafio de futebol contra a Sagrada Esperança da Lunda Norte (que ganhámos na marcação de grandes penalidades) a contar para uma eliminatória da Taça dos Clubes Campeões de África.
Angola vivia os horrores duma guerra civil que durou 27 anos e provocou uma crise humanitária desastrosa que forçou o deslocamento interno de quase 5 milhões de pessoas, o equivalente a um terço da população daquele país. Fomos para a Lunda Norte sabendo que enfrentaríamos problemas de toda a ordem. Problemas de alimentação, de alojamento, de ausência de local para treinar e com um campo de jogos que em nada se assemelhava ao nosso Desportivo, Maxaquene, Costa do Sol, Ferroviário ou Machava. Sabíamos dessas dificuldades e por isso mesmo levámos para Angola os mantimentos necessários para podermos permanecer na Lunda Norte durante 7 dias. Levámos cozinheiro. O Arnaldo Paris funcionava como vago-mestre.
Estávamos receosos porque não sabíamos como é que as autoridades desportivas de Angola poderiam entender essa nossa atitude. Não é normal uma equipa viajar com um rancho às costas. Carne, peixe, pão, ovos, legumes, enlatados, arroz, açúcar, farinha, bolachas, legumes e por aí fora. Tudo congelado claro está. Isto poderia ter várias interpretações. Mais do que isso. Podia complicar as relações amistosas existentes. Era uma situação delicada. Havia que descalçar aquela bota. E foi o “monstro sagrado” que fez isso.
Mário Coluna, o “tio” Mário, como todos nós carinhosamente chamávamos, tratou de explicar aos dirigentes da Sagrada Esperança e da Federação Angolana de Futebol, os porquês da nossa atitude. Explicou naquele seu jeito pausado de falar. E todos acabaram por entender. E não só. Alguns, particularmente o casal que permitia que utilizássemos o quintal da sua casa, para confeccionarmos as nossas 3 refeições do dia, vinham várias vezes almoçar connosco porque o tio Mário fazia questão de os convidar. Era o lado diplomático do “monstro sagrado” que fiquei a conhecer.
Duas de entre muitas histórias do meu relacionamento com o “grande capitão” que ficam para sempre guardadas no meu baú de recordações.
PS: a propósito do “apagão na Beira e no Chimoio, o PCA da EDM veio a público dizer que “não há espaço para indemnizações”. Como assim Sr. Eng. Augusto Fernando ? Afinal quem decide ? É o senhor ou são os tribunais ? O antigo bastionário da Ordem dos Advogado, Dr. Gilberto Correia, deixou isso bem claro na Carta Aberta que lhe enviou.
João de Sousa – 05.03.2014
3 Comentários
josé carlos alves da silva
lembro-me bem da inauguração deste lindo Estádio Dr Oliveira Salazar hoje Estádio da Machava. Dia bonito a convidar o Portugal-Brasil 0-2. Conheci monstros sagrados do futebol mundial, especial o Mário Coluna, meu ídolo. Belos tempos, na memória não se apaga até um dia, para muitas pessoas de hoje, nada lhes diz. Deviam aprender esta história do desporto moçambicano, africano e mundial. Abraços para todos
Mariano Jerónimo barreto
Boa noite caro amigo Samuel.
Fizeste com que fosse ao meu baú de recordações. Nos meus 11 anos de ” mufana” com outros putos do liceu António Enes, aproveitamos a borla dos CFM e fomos de combóio para assistirmos ao jogo de inauguração do então Estádio Salazar. Ainda foi uma estafa do apeadeiro até ao majestoso complexo, que naquela época rivalizava pela sua envergadura com os estádios europeus. A pressa da inauguração, à boa maneira lusitana, deixaram os balneários por acabar, e ainda por cima com um acesso sinuoso e pouco conseguido até o relvado. Quis o destino, que em 2004, após um jogo de apuramento para os Jogos Olimpicos de Atenas, contra a Africa do Sul em Johanesburg, decidi visitar a capital moçambicana, a convite do grande amigo MONTEIRO, Secretário Técnico da Federação Moçambicana de Futebol nessa altura. Era um regresso à Terra que me ajudou a crescer, e me marcou decisivamente. 28 anos depois regressava ao sítio de onde nunca imaginara sair.
Tendo um jogo de Qualificação para o Mundial de 2006 com o Uganda em finais de Junho, e como prova de gratidão para com Moçambique decidi logo no 2º dia da minha estadia em Maputo, que faria o estágio que antecedia o jogo na capital moçambicana, pois o meu amigo Monteiro garantira um campo de treinos relvado, para a minha Selecção.
Eis que tal decisão de estagiar em Maputo chegou ao conhecimento do então Presidente da Federação Moçambicana de Futebol, que de imediato pediu para se encontrar comigo. A surpresa, era que o referido encontro seria na casa, do então Presidente.
E foi assim que conheci pessoalmente um Grande Homem com a grandeza que apenas está ao alcance de personagens que marcam uma época mas que perduram para sempre na nossa memória. Obrigado por ter proporcionado que, já meio “madala” 36 anos depois, no dia 25 de Junho de 2004 tenha participado nas comemorações do dia de Moçambique, defrontando a Selecção de Moçambique, ao serviço da Selecção de Ghana.
Obrigado Senhor Presidente da Federação Moçambicana de Futebol, Senhor Mário Coluna. Hambanine
Samuel Carvalho
Parabéns Mariano Barreto pela tua excelente memória e por nos trazeres aqui o testemunho dessa figura lendária – Mário Coluna.