Maldito “sistema”!
A semana passada dei de caras com o Feniasse à porta do bazar da baixa.
Falava sozinho. Desfiava para si próprio o rosário das agruras desta vida. Conheci-o nos tempos do liceu. Não chegámos a ser colegas de turma porque Feniasse, de seu nome completo Jorge Alberto Feniasse, era (e é) uns anitos mais velho do que eu. Teve de largar os estudos quando terminou o quarto ano. A morte do seu pai obrigava a procurar emprego, porque era preciso garantir o sustento da mãe e dos irmãos mais novos. Naquele tempo foi batendo algumas portas, mas todas elas se fechavam. Passava os dias na Imprensa Nacional, folheando o Boletim Oficial, à procura dos anúncios de concursos para funcionários públicos. Um dia encontrou o dito anúncio. Concorreu e passou. Foi colocado na Administração Civil. Passados alguns anos foi transferido para os Serviços de Viação. Sua função principal era atender o público missão que ele cumpriu com zelo, dedicação e brio profissional. De todos ouvia queixas e reclamações e a todos atendia com cortesia. Veio o tempo da reforma, com direito a festa na Repartição, organizada pelos colegas, com o beneplácito do seu chefe. Festa com direito a um diploma “pelos bons serviços prestados” que ele mandou emoldurar e ainda hoje mantêm pendurado na sala de visitas de sua casa.
Perguntei-lhe porque falava sozinho. Pensei que já estivesse “lelé da cuca”, mas não. Estava sóbrio. Falava sozinho porque minutos antes tinha estado no Instituto Nacional de Transportes Terrestres (Inatter – antigo Inav), ali onde se levantam as cartas de condução. Um mês antes tinha estado no Prédio Macau para renovar a sua carta de ligeiros. Cumpriu com as formalidades todas. Preencheu o impresso, anexou o atestado de saúde e os quinhentos meticais. Saiu de lá com a carta provisória.
Quando chegou o momento de levantar a sua carta no Instituto Nacional de Transportes Terrestres aí é que foram elas. O funcionário disse-lhe que a fotografia tinha sido mal tirada e por isso era preciso começar tudo de novo. Podia tirar uma nova fotografia ali mesmo. Tinha de esperar mais 3 semanas para voltar a ter a sua carta definitiva nas mãos.
Feniasse reclamou. Disse que era aposentado, e como tal devia ser tratado com mais dignidade e consideração. E mais. Que não admitia desculpas esfarrapadas. Na conversa meteu-se uma outra funcionária, que de forma “didática” (leia-se “arrogante”) foi esclarecendo o meu amigo Feniasse que “estas coisas são normais” porque afinal é assim o nosso País e é assim que se trabalha no funcionalismo público. Pediu paciência e adiantou que “o que se passa aqui na Inatter também se passa nos bancos, nos hospitais, em todas as repartições públicas”. Como se não bastasse veio a chefe com a mesma ladainha.
Feniasse deu-se por vencido. Afinal o tão propalado programa do Governo de “servir o cidadão” não passava de ficção. Inconformado pediu para lhe tirarem uma nova fotografia. Sujeitava-se a ter de iniciar o processo de renovação da sua carta de condução de novo. A resposta veio rápida: “não temos sistema, estamos “offline”, é melhor passar por cá na segunda feira”.
Maldito sistema!
João de Sousa – 24.04.2013