O “SPRINTER” DA MAFALALA
Lembrei-me hoje do Zé Magalhães. “Atleta do Século”, de parceria com o saudoso Cândido Coelho e com a nossa campeã Lourdes Mutola e também “Atleta do Ano” em 1967.
“Atletas do “Século” – Cândido Coelho, Maria de Lurdes Mutola e José Magalhães
Ser distinguido no período colonial numa altura em que Moçambique era província ultramarina, significava ser o melhor em Moçambique, bem como em relação a todos os atletas das antigas colónias portuguesas (Angola, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe), incluindo a “Metrópole”. Foram estas duas de tantas outras proezas de José Magalhães.
Lembrei-me dele porque, ao que estou informado, o nosso mais conceituado “sprínter” de todos os tempos, passou por dificuldades na vida. Passou e se calhar ainda passa. Dificuldades minimizadas pela iniciativa de alguns dos seus antigos companheiros do atletismo, liderados por Victor Pinho, que residindo no exterior de Moçambique, e sabendo das suas condições de vida, decidiram apoiar. Fizeram uma colecta monetária e enviaram para o antigo atleta do Ferroviário.
José Magalhães, o cidadão que negou ser português por amor à sua Pátria e que a determinada altura da sua vida viu as portas dos Caminhos de Ferro e do seu Ferroviário fecharem-se lentamente. Na memória curta de muitos, pouco importa hoje o que ele representou e representa como cidadão, como trabalhador, como atleta. Pouco ou nada representou ou representa o facto de ter sido deputado da nossa Assembleia Popular.
Os retalhos da sua vida e obra estão agora publicados em livro por iniciativa da Universidade Eduardo Mondlane, que, pela via da sua Escola Superior de Ciências do Desporto, pretende sistematizar as múltiplas histórias do dia a dia de José Magalhães, bem como reconstruir o seu perfil a partir do seu interior.
Uma história que começa no dia 16 de Janeiro de 1938,
lá pelas bandas desse bairro emblemático duma Lourenço Marques de então, chamado Mafalala, conhecido como o “gheto” dos indígenas, um viveiro de gente da cultura, do desporto e da política. Um bairro “multi-étnico, com manhambanes, goeses, machanganes, zambezianos, beirenses, tetenses, europeus pobres, mestiços, indianos e chineses a perfazerem um mosaico cultural”.
Foi neste bairro, nos labirínticos acessos às casas de madeira e zinco que nasceu, em 1938, Zé Magalhães.
Dele fica-me um episódio. Estando eu a trabalhar nas Produções Golo, na década de 60, sou indigitado para me deslocar ao Estádio Eng. Freitas e Costa no sentido de entrevistar José Magalhães. Na pista de cinza Zé Magalhães interrompeu por momentos o seu treino para aceder ao meu pedido. Quando acabou a conversa, registada em cassete, e como mandam as regras profissionais, fiz o “rewind” e ouvi o início da nossa conversa. Certifiquei-me que a gravação estava feita com todos os requisitos de qualidade que nos eram impostos. Inadvertidamente puxei a cassete para o princípio da gravação.
No meu regresso à GOLO passo pelo Sporting para entrevistar Mário Albuquerque. Como tinha puxado a cassete para o princípio, a entrevista feita ao Mário Albuquerque sobrepôs-se à do Zé Magalhães. Resultado: a entrevista que foi concedida pelo nosso “sprínter” da Mafalala tinha sido apagada.
Foi a primeira e única vez que cometi um erro de tamanha dimensão. Novato ainda nas lides radiofónicas, não tive a coragem de voltar ao Ferroviário e pedir de novo ao Zé Magalhães a entrevista.
Mas acho que ainda vou a tempo. Como vou-me encontrar com ele mais logo, vou ter coragem suficiente e pedir de novo a entrevista que há quase 50 anos, por negligência, apaguei. Estou certo que o nosso “sprínter” não vai negar.
PS: O antigo velocista moçambicano José Magalhães vai ser homenageado esta tarde pela Universidade Eduardo Mondlane.
A cerimónia vai ter lugar no Complexo Pedagógico do Campus Universitário Principal.
João de Sousa – 20.05.2015