Os putos…
Estou com extremas dificuldades em explicar aos putos deste país o porquê de tanta violência. Face aos múltiplos desentendimentos que me fazem lembrar o jogo do empurra, não sei como dizer que o país pode ser dividido ao meio, que o desenvolvimento vai sofrer atraso considerável e que eventualmente os putos poderão ver as suas metas, no que ao ensino diz respeito, comprometidas, porque o medo já tomou conta das nossas vidas.
Tenho dificuldade em explicar aos putos de hoje alguns fenómenos que aconteceram ao longo da nossa vida tais como a “operação produção”, o cartão de abastecimento, os protestos de Setembro de 2010,
a greve dos médicos. Não sei como explicar que, para sobreviver, se roubam piscas ou espelhos retrovisores dos carros ou o facto de amigos do alheio continuarem a despojar pessoas indefesas dos seus parcos haveres. Não sei como explicar esse estranho fenómeno de extração dos órgãos humanos para efeitos de comercialização fora do País.
Vou ter dificuldade em explicar a esses “índios capitães da malta”, o significado da “juventude da viragem” porque não sei se ela existe, se algum dia existirá e para que lado ela vai virar, ou que este é um Moçambique dum homem novo, porque homem novo não comete atrocidades desta natureza. Homem novo não pede refresco. Homem novo não coloca o dinheiro da multa no bolso.
Não sei como explicar o que significa isso de “sociedade civil” porque nem eu próprio sei se essas ditas organizações existem ou não. Ou se essas organizações gravitam em torno de meia dúzia de pessoas que, para ganhar notoriedade e visibilidade, vão aparecendo em tudo quanto é debate. Pessoas que se servem das organizações em nome duma sociedade civil esfomeada. Como explicar que neste país exista um enorme fosso entre o rico e o pobre.
É difícil explicar tudo isto aos putos de hoje e especialmente aos que pedem esmola porque a fome lhes abafa a dor.
Vou confrontar-me com problemas de vária ordem, ao tentar explicar aos putos de hoje, que os ideais de Samora estão a ser relegados para segundo plano, porque se calhar hoje não é como ontem. Como explicar que Maputo não é a cidade das acácias nem coisa que se pareça, porque as acácias não se compadecem com “dumba-nengues” de esquina,
com o lixo,
com a ausência de saneamento básico, de ensino e saúde eficiente e de qualidade.
Dificilmente encontrarei forma de explicar a razão pela qual as pessoas são transformadas em gado, a tal ponto de serem transportadas em carrinhas de caixa aberta em vez de poderem deslocar-se dum ponto para outro em autocarros decentes, porque afinal transporte público funcional é coisa de outro tempo.
Como explicar que os buracos das estradas deixaram de ser “cósmicos” e passaram a designar-se de “simanguitos”.
Que o novo rico prospera de forma galopante, sem que se saiba donde vem tanta fortuna.
Não consigo explicar aos putos deste meu (nosso) país o aparecimento repentino dum bando de arúspices, que pululam pela rádio e televisão públicas, e que do dia para a noite viraram especialistas em cogitações, análises, críticas, adivinhações e prognósticos sobre política, tal qual acontecia na Roma antiga onde os sacerdotes baseavam as suas análises consultando as entranhas das vítimas. Não sei como vou explicar aos putos de hoje que, quem nos devia amparar não nos ampara.
Por tudo isto e por algo mais que ficou por dizer, como vão estes putos aprender a ser homens ?
PS: “Os Putos” é um poema de autoria de José Carlos Ary dos Santos. Do poema se fez um fado-canção, interpretado por Carlos do Carmo e Paulo de Carvalho.
João de Sousa – 10.07.2013