BigSlam no Sul da América (6) – Do silêncio das Ilhas Malvinas à vida de Puerto Madryn (Argentina)
1 de março de 2025 – Sábado
Por volta das 8h00 da manhã, o nosso navio chegou a Stanley, mas ficou ancorado ao largo, já que o porto é demasiado pequeno e pouco profundo para receber embarcações de grande porte. Mais uma vez, foi necessário recorrer aos tenders — pequenos barcos auxiliares que transportam os passageiros entre o navio e terra firme. Uma travessia curta, mas sempre com aquele toque de aventura.
Stanley, também conhecida como Port Stanley, é a capital das Ilhas Malvinas (Falkland Islands), um território britânico ultramarino localizado no Atlântico Sul.
Situada na Ilha Soledad (East Falkland), Stanley é uma cidade pequena (cerca de 2.500 habitantes), mas com grande importância histórica, política e cultural para o arquipélago. As suas casas coloridas de madeira, com telhados inclinados ao estilo britânico, contrastam de forma encantadora com a paisagem agreste e ventosa da Ilha.
Fomos explorar a cidade por nossa conta e ao nosso ritmo, sem pressas, deixando-nos levar pelas ruas tranquilas de Stanley e pelas surpresas que iam surgindo a cada esquina — uma forma mais autêntica de sentir o lugar. Connosco vai sempre o Medallion, um pequeno dispositivo que substitui o tradicional cartão de bordo.
Do tamanho de uma moeda, é usado ao pescoço, no pulso ou no bolso, e torna tudo mais prático: abre automaticamente a porta da cabine, permite fazer compras e pedidos a bordo, controla entradas e saídas do navio e até ajuda a localizar outros passageiros. Uma pequena tecnologia que simplifica — e muito — o dia a dia durante a viagem.
Já com os pés em terra, partimos à descoberta desta simpática e tranquila cidade.
A Catedral de Cristo (Christ Church Cathedral) em Stanley, é a igreja anglicana mais a sul do mundo e um dos edifícios mais emblemáticos da cidade.
Construída entre 1890 e 1892, em pedra e tijolo vermelho, com um estilo neogótico simples e robusto. Tem uma torre sineira com relógio, visível de vários pontos da cidade.
No seu interior, é acolhedora e modesta, com vitrais coloridos, bancos de madeira e elementos decorativos que refletem a ligação marítima da comunidade local.
Junto à catedral, destaca-se o famoso Whalebone Arch (Arco das Baleias) — construído em 1933 com mandíbulas de baleia, em comemoração do centenário da colonização britânica nas ilhas. É um dos pontos mais fotografados de Stanley.
Victory Green é um pequeno e simbólico espaço verde situado à beira-mar, no coração de Stanley. O seu nome está associado às vitórias militares britânicas, e o espaço é muitas vezes usado para cerimónias comemorativas e momentos de reflexão sobre o passado das Malvinas.
É também um ponto de passagem para quem caminha pela cidade. Mais do que um simples jardim — é um símbolo discreto de resistência, memória e ligação ao mar, bem no coração da comunidade de Stanley.
Em 2022, Stanley recebeu oficialmente o estatuto de cidade (City Status), concedido como parte das celebrações do Jubileu de Platina da Rainha Isabel II.
Um dos elementos mais emblemáticos deste espaço, é o mizzen mast (mastro de mezena) do lendário navio SS Great Britain, um dos primeiros vapores transatlânticos a hélice do mundo.
Existem bancos e uma vista desimpedida sobre o mar e o porto de Stanley, ideal para uma pausa tranquila.
Continuámos a nossa caminhada ao longo da marginal, desfrutando da calma de Stanley, com o mar sempre por perto, o som do vento a embalar o percurso e os pequenos detalhes da cidade a revelarem-se a cada passo.
Um poste de passagem para peões do tipo Belisha Beacon, um estilo tradicional britânico, muito comum em passadeiras (zebras) no Reino Unido e, neste caso, também nas Ilhas Malvinas.
A esfera laranja (o chamado Belisha beacon) pisca para alertar os condutores da proximidade de uma passagem para peões. A placa solar no topo indica que é alimentado por energia solar, mantendo a luz intermitente sem necessidade de ligação à rede elétrica. A faixa branca e preta no poste reforça a visibilidade, mesmo à distância. Um detalhe curioso e muito britânico, mesmo no fim do mundo!
Apesar de a maioria da população ser anglicana, também existem alguns crentes católicos e, como tal, há em Stanley uma igreja católica que serve esta pequena comunidade. Um sinal da diversidade religiosa, mesmo num território tão remoto.
A Igreja Católica St. Mary’s, encontrava-se em obras na parte exterior, com andaimes visíveis e sinais de manutenção. É um edifício modesto e acolhedor, construída em 1899. O seu interior é sereno, com vitrais coloridos, um altar discreto e bancos de madeira, oferecendo um espaço de tranquilidade e oração.
Do lado oposto à igreja, encontra-se o posto dos correios de Stanley, um edifício discreto mas cheio de charme,
com duas cabines telefónicas vermelhas típicas do Reino Unido à entrada — um detalhe curioso e encantador da paisagem urbana local — um verdadeiro reflexo da influência britânica no território. Estão bem conservadas e continuam a funcionar, embora hoje sejam mais utilizadas como ícones fotográficos do que como meios de comunicação.
Passámos depois pelo Malvina House Hotel, considerado como uma das melhores opções de estadia nas Malvinas.
Um pouco mais à frente encontramos a Liberation Monument Square. Está situado na marginal de Stanley, mesmo em frente ao mar, e é um dos espaços públicos mais simbólicos da cidade, utilizado para cerimónias oficiais, especialmente no Dia da Libertação (14 de junho), que marca o fim da ocupação argentina em 1982.
Este é o Monumento aos Britânicos Caídos na Guerra das Malvinas (Falklands War Memorial), também conhecido como 1982 Liberation Memorial. Foi erguido para homenagear os militares britânicos que perderam a vida na Guerra das Malvinas, travada entre o Reino Unido e a Argentina em 1982. Nas laterais e na parte traseira do monumento, estão gravados em pedra os nomes dos soldados britânicos mortos em combate — um tributo solene e permanente àqueles que deram a vida pela defesa do arquipélago.
À esquerda, podemos ver o busto da Rainha Isabel II, esculpido sobre uma base de pedra, reforçando o vínculo entre as ilhas e a coroa britânica.
Este local é um dos mais importantes de memória e identidade nacional nas Malvinas, muito visitado por locais e turistas.
Prosseguimos com o nosso passeio e chegámos à Residência Governamental — um edifício imponente mas discreto, rodeado por jardins bem cuidados. É aqui que reside o Governador das Ilhas Malvinas, representante oficial da Coroa Britânica no arquipélago.
Mais à frente, e já no final do nosso percurso, deparámo-nos com o Monumento da Batalha das Malvinas (Battle of the Falkland Islands Memorial).
Erguido em 1927, este imponente memorial presta homenagem aos marinheiros britânicos que perderam a vida na batalha naval de 8 de dezembro de 1914, durante a Primeira Guerra Mundial. A estátua de Britannia, com uma coroa de louros na mão, simboliza a vitória e o espírito naval britânico, enquanto o navio esculpido no topo reforça o tributo à força marítima.
Já no regresso, e durante o passeio pela marginal de Stanley, deparámo-nos com uma escultura curiosa: um modelo do sistema solar em escala, representando o Sol e os planetas interiores — Mercúrio, Vénus, Terra e Marte — distribuídos ao redor da estrutura esférica principal. Feito em tons enferrujados e com um design artístico, o conjunto chama a atenção pela simplicidade e originalidade.
Guardámos para o fim o Historic Dockyard Museum, o principal museu das Ilhas Malvinas (Falkland Islands) e um dos pontos culturais mais interessantes da cidade. Instalado num antigo edifício portuário restaurado, o museu oferece uma visão abrangente e envolvente da história natural, social e militar do arquipélago.
Representação do Museu vista de cima
Observámos o espaço “The Printing Office”.
Esta exposição fica no local onde a primeira prensa tipográfica de Stanley foi instalada na década de 1800. O equipamento em seu interior produziu de tudo, desde jornais e convites de casamento até proclamações de guerra.
Aqui pudemos ver uma recriação de uma antiga tipografia local, que me trouxe à memória os tempos do meu avô no Jornal Notícias de Lourenço Marques, em Moçambique.
Entre as prensas antigas e as placas gráficas feitas em chumbo, usadas para compor cada linha de texto manualmente, sentiu-se no ar o peso da história e da técnica.
Foi impossível não sentir uma certa nostalgia e uma ligação pessoal inesperada naquele canto tão distante do mundo.
Já para o final da visita, entrámos na exposição principal do museu, onde diferentes áreas temáticas nos conduziram por uma viagem pela história das ilhas, a sua natureza e vida selvagem, a Guerra das Malvinas de 1982, e ainda a forte ligação das Malvinas ao mar e às expedições antárticas.
Cada secção estava bem organizada, com objetos autênticos, painéis informativos e elementos interativos que tornavam a visita envolvente e educativa.
Em conclusão, o Historic Dockyard Museum é muito mais do que um simples espaço expositivo — é uma janela aberta sobre a alma das Ilhas Malvinas. Entre memórias de guerra, relatos de vida quotidiana, ligação ao mar, à Antártida e à natureza selvagem, o museu oferece uma visão rica, humana e bem cuidada da história e identidade deste território remoto. A visita termina com a sensação de termos compreendido melhor não só o passado das ilhas, mas também o seu presente e a resiliência do seu povo. Um lugar pequeno em tamanho, mas imenso em significado.
Já de regresso ao Porto de Stanley, aguardava-nos um tender acabadinho de chegar, pronto para nos levar de volta ao navio. O timing não podia ter sido melhor — uma despedida tranquila, com o mar calmo e o coração cheio de imagens e histórias desta terra tão distante quanto cativante.
Este é o interior do tender, com capacidade para transportar cerca de 100 a 120 passageiros por viagem. Em caso de emergência, estes barcos assumem também a função de salva-vidas, podendo acolher até 150 pessoas. São uma peça essencial na logística do navio, especialmente em portos onde o cruzeiro permanece fundeado ao largo, como foi o caso em Stanley.
À noite depois do jantar assistimos a mais um show no Princess Theater, desta vez vimos em atuação Diogo y Maia, um par de bailarinos que trouxe ao palco toda a intensidade e paixão do tango. A sua interpretação de “Tango Cervila”, inspirada no estilo dramático e técnico do coreógrafo argentino Gustavo Cervila, foi de uma elegância arrebatadora.
Mas foi com o uso das tradicionais boleadoras — cordas com bolas nas pontas, originalmente utilizadas pelos gaúchos da Patagónia para caçar — que a performance atingiu o auge. Girando com precisão e batendo no chão em ritmo perfeito, criaram um efeito visual e sonoro de cortar a respiração. Um número que uniu força, tradição e arte, deixando a plateia rendida ao talento e à alma desta dança sul-americana.
2 de março de 2025 – Domingo
Este foi dia de navegação, o que significa que o navio não fez qualquer escala e navegou tranquilamente rumo ao próximo destino – Puerto Madryn. Ao pequeno-almoço, tivemos o prazer de desfrutar da companhia de um simpático casal paraguaio — ele, curiosamente, também um antigo jogador de basquetebol, com quem partilhámos histórias, sorrisos e aquela sensação especial de que, mesmo no meio do mar, o mundo é pequeno e as boas conversas não têm fronteiras.
Aproveitámos este dia de navegação para descansar e desfrutar tranquilamente do navio. À tarde, depois de umas animadas partidas de ténis de mesa e uns mergulhos na piscina, tivemos a oportunidade de conversar com o simpático casal argentino, Diego e Maia, que na noite anterior nos haviam encantado no Princess Theater com a sua atuação como bailarinos profissionais de tango.
Entre risos e partilhas, foi um momento verdadeiramente descontraído, durante o qual Diego e Maia manifestaram grande interesse em conhecer Portugal, curiosos e entusiasmados com as maravilhas que já lhes tinham sido contadas sobre o nosso país. Uma conversa leve e calorosa que reforçou a ideia de que a dança une, mas a vontade de descobrir o mundo aproxima ainda mais.
3 de março de 2025 – Segunda-feira
O navio atracou em Puerto Madryn por volta das 7h00 da manhã.
Puerto Madryn está situado na Patagónia argentina, na província de Chubut, na costa atlântica do sul da Argentina. Fica no Golfo Nuevo, banhado pelo Oceano Atlântico Sul. Está a cerca de 1.400 km a sul de Buenos Aires e é um dos principais portos de entrada para a Península Valdés, uma área protegida e Património Mundial da UNESCO.
À saída do navio, deparámo-nos com uma cena curiosa e encantadora: dezenas de trinta-réis perfilados sobre a corda de amarração do navio, como se tivessem marcado lugar num camarote privilegiado com vista para o mar. Com o corpo esguio, penas claras e uma característica mancha preta na cabeça, estas aves costeiras são comuns na Patagónia e costumam reunir-se em grupo para descansar ou observar o movimento à sua volta.
Um momento simples, mas cheio de graça, que mostrou mais uma vez como a natureza se integra harmoniosamente com o quotidiano portuário.
Tínhamos reservado uma excursão de 5 horas com a Mundomar Cruzeiros.
Por volta das 8h30 da manhã, partimos de autocarro em direção à Reserva Natural de Punta Loma, uma área protegida de grande valor ecológico. Criada em 1967, foi a primeira reserva natural da província de Chubut.
No percurso até à reserva, apreciámos a paisagem árida e vasta da costa patagónica, pontuada por arbustos baixos e habitada por espécies características da região, como guanacos, raposas, nandús, maras e capetonas.
Tivemos a sorte de observar alguns guanacos, tranquilos na paisagem árida da Patagónia. Um encontro espontâneo com a fauna local, que tornou a viagem ainda mais especial.
Chegámos entretanto à Reserva Natural de Punta Loma, situada a cerca de 17 km de Puerto Madryn.
encontrámos o que foi o primeiro puesto de guardafaunas de Punta Loma — uma pequena construção rústica, feita de madeira e pedra, que serviu de base para os primeiros esforços de proteção da vida selvagem na região. Foi fundamental para garantir a preservação da colónia de leões-marinhos e das diversas aves marinhas que habitam as falésias. Um verdadeiro marco histórico da conservação na província de Chubut.
Esta reserva é especialmente conhecida por albergar a única colónia permanente de leões-marinhos na Argentina, também chamados de lobos-marinhos-de-um-pelo (Otaria flavescens).
Estes impressionantes mamíferos marinhos podem ser observados ao longo da costa rochosa, a partir de miradouros estrategicamente posicionados no topo das falésias, oferecendo uma vista deslumbrante sobre o Golfo Nuevo e uma experiência inesquecível de contacto com a vida selvagem.
Também observámos o cormorán de cuello negro (Phalacrocorax magellanicus), uma ave marinha típica da região, descansando nas falésias de Punta Loma. Com o seu pescoço escuro e postura elegante, contrastava com o tom claro das rochas, compondo um cenário natural sereno e autêntico — mais um exemplo da rica biodiversidade que esta reserva oferece.
Em seguida visitámos a Estância San Guillermo, uma das mais reconhecidas propriedades ovinas da região.
Logo à entrada, uma simpática funcionaria disponibilizava uma iguaria simples mas deliciosa: um prato cheio de tortas fritas. Feitas à base de farinha, água e gordura, e fritas até ficarem douradas e estaladiças, são tradicionalmente servidas ainda quentes, muitas vezes acompanhadas de chá ou mate. Apesar da simplicidade, o sabor e a textura conquistam facilmente — um verdadeiro mimo rural que faz parte da alma gastronómica da Patagónia.
Ao lado, na cozinha rural, um aroma irresistível anunciava o que nos esperava: cordeiro e carne bovina assavam lentamente nas brasas, seguindo a tradição do assado patagónico.
Mais tarde, fariam parte da ementa do nosso almoço, num ambiente rústico e acolhedor, onde tudo sabia a autenticidade e calor humano.
Passámos a um salão nas traseiras da Estância, onde fomos recebidos com simpatia pelos anfitriões, sempre prontos a partilhar o seu conhecimento e hospitalidade.
Aquilo que a senhora está a beber é mate, uma infusão tradicional presente no dia a dia das pessoas, desde o campo às cidades, e que acompanha momentos de trabalho, descanso ou simples conversa. Mais à frente nesta reportagem, irei partilhar um pouco mais sobre esta tradição tão enraizada na cultura sul-americana.
Seguiu-se uma breve explicação acompanhada de uma demonstração sobre a lã proveniente da tosquia das ovelhas, desde o momento da colheita até às primeiras etapas do seu tratamento.
Depois, pediram três voluntários entre os presentes para uma missão divertida (e desafiante!): ajudar a agarrar uma ovelha no curral para a demonstração de tosquia. A tarefa revelou-se mais difícil do que parecia — se não fosse a ajuda do funcionário da estância, a ovelha ainda hoje estaria a correr livre pelo curral! Para a transportar até à sala de tosquia, foram precisos quatro homens bem firmes, tal era o peso e força do animal.
Um momento cheio de risos e energia, que tornou a experiência ainda mais memorável.😅😅😅
Após a ovelha ser trazida para a sala, assistimos à demonstração de tosquia, um processo essencial que, por norma, se realiza uma vez por ano, já que a lã cresce continuamente e, se não for removida, pode comprometer o bem-estar do animal.
Veja o vídeo seguinte com uma demonstração de tosquia das ovelhas, onde é possível acompanhar de perto este processo tradicional e essencial na criação ovina da Patagónia — um momento que exige técnica, cuidado e respeito pelo bem-estar do animal.
No final da tosquia, foram aplicados alguns cuidados fundamentais: uma injeção preventiva, geralmente um vermífugo ou suplemento vitamínico,
e a aplicação de um óleo especial sobre a pele, com o objetivo de hidratar, proteger contra parasitas e auxiliar na cicatrização de possíveis microcortes provocados durante o corte da lã.
Um momento didático que demonstrou o cuidado e respeito que existe no trato com os animais na vida rural da Patagónia.
Depois deste ritual tradicional e necessário, as ovelhas regressam tranquilamente ao seu habitat natural na Estância San Guillermo, onde continuam a pastar livremente pelos campos abertos da Patagónia, agora mais leves e bem cuidadas.
De seguida, assistimos a uma demonstração da separação da lã recém-tosquiada, um processo fundamental para garantir a qualidade do material.
Com gestos experientes, o responsável mostrou como se identificam e separam as diferentes partes da lã, eliminando impurezas e selecionando as fibras mais valiosas, que seguirão para os próximos passos do processamento. Um trabalho minucioso que revela o cuidado e o saber que existe por detrás de algo que, à primeira vista, parece tão simples.
Foi uma experiência verdadeiramente enriquecedora, que nos permitiu observar de perto todo o cuidado, conhecimento e tradição envolvidos no trabalho com a lã — desde a tosquia até à sua seleção. Momentos como este aproximam-nos das raízes do mundo rural e ajudam-nos a valorizar aquilo que tantas vezes damos por garantido.
De seguida, fomos almoçar o tradicional assado patagónico, com cordeiro e carne bovina preparados lentamente nas brasas, como manda a tradição. A refeição foi acompanhada por uma variedade de saladas frescas, simples mas saborosas, que completaram na perfeição este autêntico banquete rural — um verdadeiro gosto da Patagónia, servido com hospitalidade e orgulho.
Já no final do repasto, e depois de uma boa conversa com um animado grupo de espanhóis, partilhámos histórias, risos e impressões da viagem, num daqueles momentos espontâneos que dão ainda mais sabor à experiência. A atmosfera era descontraída e acolhedora, típica da hospitalidade patagónica.
No final da refeição, não podia faltar o mate — uma infusão de erva-mate que se bebe ao longo de todo dia.
Já no regresso, a nossa guia turística falou-nos sobre a cerimónia do mate que é muito mais do que simplesmente beber uma infusão.
É um ritual social profundamente enraizado na cultura de países como a Argentina, Uruguai, Paraguai e algumas regiões do Brasil e Chile.
Preparado com cuidado por quem assume o papel de “cebador”, o mate é servido numa cuia* com erva-mate seca e água quente, e partilhado entre todos os presentes com a mesma bomba (palhinha metálica). Cada pessoa bebe e passa a cuia de volta ao cebador, num ciclo que se repete em silêncio ou com conversa, mas sempre com respeito e simbolismo. Partilhar o mate é partilhar tempo, confiança e presença — um gesto simples, mas cheio de significado, que aproxima pessoas e reforça laços. Uma tradição viva, que nos permitiu sentir um pouco mais da alma dos povos desta região.
*A cuia tradicional é muitas vezes feita de cabaça natural (vazia e seca), mas hoje também existem versões em madeira, cerâmica, vidro, metal ou mesmo revestidas em prata e couro, especialmente para fins decorativos ou de uso mais duradouro.
A caminho do cais de Puerto Madryn, fizemos uma breve paragem junto ao Monumento “El Tehuelche”, um dos marcos simbólicos da cidade e da Patagónia argentina. Esta imponente escultura presta homenagem aos Tehuelches, povo indígena que habitava estas terras muito antes da chegada dos colonizadores europeus.
Perto deste monumento, desfrutámos de uma vista panorâmica deslumbrante sobre o porto de Puerto Madryn.Este local elevado oferece uma perspetiva privilegiada da cidade e do Golfo Nuevo, sendo ideal para apreciar a paisagem e capturar fotografias memoráveis.
Despedimo-nos da nossa simpática guia, que nos acompanhou ao longo de um dia memorável pelas paisagens e tradições da Patagónia argentina.
A caminho do porto, ao longe, avistava-se imponente o nosso navio de cruzeiro — o Sapphire Princess. Um gigante branco à nossa espera, pronto para nos levar rumo ao próximo capítulo desta inesquecível viagem pela Patagónia.
Chegámos entretanto à Plaza General San Martín, onde se ergue o Monumento aos Fundadores. Este conjunto de bustos homenageia os imigrantes galeses que chegaram à região em 1865, celebrando os primeiros passos da colonização na Patagónia argentina. É um local que convida à pausa e à reflexão sobre as origens desta comunidade costeira.
Durante o passeio junto ao porto, deparámo-nos com um mural em mosaico vibrante, acompanhado de uma placa comemorativa. Trata-se de uma homenagem aos 500 anos da primeira viagem de circum-navegação ao mundo, liderada por Fernão de Magalhães e concluída por Sebastián Elcano.
A obra, promovida pela Associação Espanhola de Socorros Mútuos de Puerto Madryn, evoca este feito histórico de 1520 com os rostos dos dois navegadores e a representação de uma caravela que parece navegar entre os continentes e o tempo. Um tributo discreto mas significativo, que reforça o laço histórico e cultural entre Espanha, Portugal e a América do Sul — e que nos recorda como estas terras foram, em tempos, parte dos grandes mapas da descoberta do mundo.
Regressámos ao navio de cruzeiro e, à entrada, fomos calorosamente recebidos pela simpática tripulante portuguesa — Micaela, natural do Porto, que nos brindou com um sorriso familiar e acolhedor. Ao longo de toda a viagem, foi inexcedível na atenção, simpatia e profissionalismo, tornando a nossa experiência a bordo ainda mais memorável. Um verdadeiro exemplo da hospitalidade portuguesa em alto-mar, que nos fez sentir em casa, mesmo do outro lado do mundo.
Jantámos mais cedo, uma vez que o espetáculo desta noite estava agendado para começar uma hora antes do habitual. No Princess Theater, assistimos ao show protagonizado pela talentosa cançonetista Kristina Wells, que, com a sua presença marcante e voz poderosa, nos brindou com uma atuação envolvente, cheia de emoção, energia e carisma.
Depois do espetáculo, juntamente com o simpático casal mexicano — Cláudia e Geraldo, com quem criámos uma boa amizade, subimos ao deck 14 — Neptune’s Reef & Pool, onde se realizou a animada festa de Regresso aos Anos 80. Uma noite de música, dança e boa disposição, que trouxe ainda mais cor e energia a esta inesquecível viagem.
Musica: Habibi I Love you (Instrumental) – Ultra Beats
Regressámos à nossa cabine exaustos, mas de alma cheia, levando connosco as imagens serenas do Golfo Nuevo, os encontros inesperados com a fauna local e a hospitalidade genuína dos habitantes da região. Um dia vivido intensamente, repleto de descobertas, emoções e muita animação, que ficará gravado para sempre na nossa memória como mais um dos momentos especiais desta viagem.
NÃO PERCA a próxima reportagem: Montevideo, a cidade encantadora nas margens do Rio da Prata.
NOTA: Para ver ou rever as anteriores reportagens, basta clicar nos links seguintes (escritos a azul):
De cortar a respiração.sensacional aventura.locais de beleza incrível.grande reportagem não só de texto mas acima de tudo IMAGENS.PARABENS.grande recordação para a vida.
Explorar as Malvinas e Puerto Madryn foi mergulhar em paisagens únicas e em histórias profundas. Da natureza selvagem aos ecos do passado, uma viagem que fica na alma.
6 Comentários
Brito Gouveia
Parabéns Samuel por mais uma maravilhosa reportagem. Aquele abraço
Delfim loureiro
De cortar a respiração.sensacional aventura.locais de beleza incrível.grande reportagem não só de texto mas acima de tudo IMAGENS.PARABENS.grande recordação para a vida.
nino ughetto
Sào sempre os mesmos que teem essa sorte de poder viajar todo tempo. Z_Ainda bem. Haja saude enquanto cà estamos… Um abraço
JOÃO PINHEIRO
Reportagem espectacular. Locais maravilhosos. Parabéns SAM.
Abraço
2luisbatalau@gmail.com
MAIS UMA REPORTAGEM MARAVILHOSA DE REGIÕES QUE NÃO CONHECIA.
FIQUEI ELUCIDADO. OBRIGADO
ABRAÇO
LUIS BATALAU
Samuel Carvalho
Explorar as Malvinas e Puerto Madryn foi mergulhar em paisagens únicas e em histórias profundas. Da natureza selvagem aos ecos do passado, uma viagem que fica na alma.