BigSlam no Sul da América (5) – Ushuaia e Cabo Horn: Rumo ao Fim do Mundo
27 de fevereiro de 2025 – Quinta-feira
Estava previsto a chegada do nosso navio cruzeiro a Ushuaia por volta das 10h00 da manhã.
No trajeto rumo a Ushuaia, ainda tivemos o privilégio de avistar vários glaciares mais pequenos do que o Amália, mas igualmente encantadores — como os glaciares Holanda, Itália, França, Alemanha e Espanha. Todos com nomes de países europeus, destacam-se pela sua beleza serena, encaixados entre montanhas e fiordes que pareciam saídos de um postal.
Ushuaia faz parte da Argentina e é a capital da província da Terra do Fogo, Antártida e Ilhas do Atlântico Sul (Tierra del Fuego, Antártida e Islas del Atlántico Sur), e é conhecida como a cidade mais austral do mundo.
Está situada na margem sul da Ilha Grande da Terra do Fogo, cercada pela Cordilheira dos Andes ao norte e pelo Canal de Beagle ao sul.
O navio atracou pontualmente e já tínhamos tudo combinado: um tour de 5 horas com a Mundomar Cruzeiros, marcado para as 13h00, com saída do Puerto Comercial de Ushuaia.
Este é o porto mais austral do mundo e serve como ponto de entrada para cruzeiros que navegam pela Patagónia, Canal de Beagle, Cabo Horn e também como base para expedições à Antártida.
Está localizado muito perto do centro da cidade, o que facilita o acesso a pé para quem desembarca.
Novas amigas que a viagem trouxe – Helena e Maria João.
Este foi o autocarro que nos acompanhou durante toda a excursão — o nosso fiel companheiro de estrada nestes momentos de descoberta.
A caminho, em busca do desconhecido — onde cada curva revela um novo pedaço de mundo e o sul da Patagónia guarda segredos por descobrir.
A primeira paragem foi na estação do “Tren del Fin del Mundo”, um ponto turístico encantador, com arquitetura rústica em madeira e rodeada por natureza. Fica a cerca de 8 km de Ushuaia e marca o início do passeio histórico pelo antigo trajeto usado pelos prisioneiros da colónia penal.
No local, há uma pequena loja, painéis informativos e a atmosfera típica de uma viagem no tempo rumo ao fim do mundo.
Não podia faltar a bandeira portuguesa — símbolo de onde viemos, e agora presente no fim do mundo, a lembrar que há sempre um pouco de casa em cada canto do planeta.
Seguimos depois para o Parque Nacional Tierra del Fuego (Terra do Fogo), uma das joias naturais da Patagónia argentina. Criado em 1960, o parque tem como principal objetivo proteger a última parte da Cordilheira dos Andes e a única floresta nativa da Argentina que se estende até à costa marítima.
Situado a cerca de 12 km a oeste de Ushuaia, é facilmente acessível de carro, excursão ou pelo icónico Tren del Fin del Mundo, cuja viagem termina já dentro do parque. Este território protegido combina paisagens de cortar a respiração — com montanhas imponentes, bosques densos, rios límpidos, lagos serenos e vastas turfeiras — estendendo-se até à costa do majestoso Canal de Beagle.
De lá, seguimos até à Baía Zaratiegui (ou Ensenada), onde chegámos à costa, mesmo em frente à Ilha Redonda, já no coração do parque. Este é, sem dúvida, um dos locais mais simbólicos da região: um lugar onde o contacto com o verdadeiro “fim do mundo” se torna não só real, mas também profundamente poético — envolto em silêncio, natureza intocada e um horizonte que parece não ter fim.
Fizemos um curto e leve passeio ao longo da costa, em busca do desconhecido… com o mar de um lado,
a floresta do outro,
e a sensação de que ali, no fim do mundo, tudo podia acontecer.
Aqui podemos encontrar o correio mais austral do mundo (Correo del Fin del Mundo), uma pequena cabana pitoresca onde é possível carimbar postais com um selo especial e enviá-los diretamente dali.
Depois desta excelente paragem, o autocarro levou-nos através dos turbais (também chamados de turfeiras), essas planícies húmidas e misteriosas, onde se acumula matéria orgânica parcialmente decomposta, sobretudo musgos, plantas e raízes, formando a turfa. Este processo ocorre lentamente, em ambientes frios e encharcados, como os que se encontram na Patagónia.
Chegámos ao Lago Roca, também conhecido como Lago Acigami, e deparamo-nos com um espelho de água sereno rodeado por montanhas imponentes.
Apresento-vos os guias que nos acompanharam ao longo desta viagem inesquecível — Daniel, Cecília e Alejandro. Sempre disponíveis e bem dispostos!
Junto ao Lago podemos ver o rio Ovando que nasce no lago e atravessa a paisagem com águas calmas e cristalinas.
O Lago Roca encanta pela sua serenidade — águas calmas, montanhas ao fundo e uma paz que só a natureza sabe oferecer.
Neste espaço, chamaram-nos a atenção algumas árvores com nódulos salientes nos troncos e ramos.
Segundo nos explicaram, trata-se de uma reação natural de defesa da espécie — provavelmente lenga (Nothofagus pumilio) — contra parasitas invasores como fungos, insetos ou bactérias. Esses inchaços funcionam como uma espécie de “barreira” que a árvore forma para tentar isolar o agente agressor. Para além de curiosos do ponto de vista biológico, conferem à floresta um aspeto único e quase escultórico, muito característico das paisagens da Terra do Fogo.
Partimos depois em direção ao Centro de Visitantes Alakush,
um espaço acolhedor no coração do Parque Nacional Tierra del Fuego, onde é possível aprender mais sobre a fauna, flora e a cultura indígena da região,
além de desfrutar de vistas panorâmicas sobre o Lago Roca.
Partimos depois para a Bahia Lapataia, um dos pontos mais icónicos da Patagónia argentina.
Marca o fim da mítica Ruta Nacional 3 e, simbolicamente, o fim da estrada que liga o norte ao sul do continente.
Aqui encontra-se também uma inscrição emblemática que diz: “Las Malvinas son Argentinas”. Esta frase expressa a reivindicação histórica da Argentina sobre as Ilhas Malvinas, reforçando o sentimento nacional num dos pontos mais simbólicos e meridionais do país.
Envolta por montanhas, florestas e turfeiras, a baía oferece uma paisagem serena e intocada, com águas calmas que acolhem aves aquáticas e refletem o céu austral.
Durante a nossa visita à Bahia Lapataia, cruzámo-nos com uma presença inesperada e marcante: o Caracará-do-sul (Caracara plancus). Primeiro avistámos um juvenil, com plumagem ainda mais escura e um ar curioso, a caminhar tranquilamente perto de nós.
Mais à frente, surgiu um adulto imponente, com o peito finamente riscado, rosto alaranjado e crista preta — uma verdadeira figura de autoridade na paisagem patagónica. Apesar do seu ar nobre, esta ave de rapina é conhecida pelo comportamento oportunista e por se alimentar tanto de presas como de restos. Um encontro especial com a vida selvagem, que tornou o momento ainda mais memorável.
Este é um lugar de contemplação, onde a natureza se impõe em silêncio e beleza, convidando os visitantes a sentirem-se, literalmente, no fim do mundo.
E assim terminou o nosso tour de 5 horas pelo Parque Nacional Tierra del Fuego — um percurso marcado por paisagens de cortar a respiração, momentos de silêncio diante da imensidão e a sensação de estarmos mesmo no fim do mundo. Levamos connosco não só fotografias e histórias, mas também a memória viva de um lugar onde a natureza fala mais alto e o tempo parece abrandar. Uma experiência única, difícil de esquecer… e impossível de descrever por completo.
Já de regresso ao navio, tomámos um banho refrescante que soube a céu depois de um dia intenso. De seguida, fomos brindados com um magnífico jantar, digno de fechar com chave de ouro a aventura em terra. E, para encerrar a noite em grande, no Princess Theater, assistimos ao espetáculo “Born to Be Wild”.
Este show foi protagonizado pelo talentoso grupo de bailarinos e cançonetistas do navio — um momento cheio de cor, ritmo e energia que coroou mais um dia inesquecível desta viagem.
28 de fevereiro de 2025 – Sexta-feira
Neste dia estava prevista a tão aguardada passagem pelo Cabo de Hornos, território pertencente ao Chile. Trata-se do ponto mais meridional da América do Sul, situado na remota Ilha de Hornos, no coração do arquipélago da Terra do Fogo.
Não vamos negar — havia alguma apreensão no ar. Já tínhamos lido e ouvido inúmeras histórias sobre este local lendário, onde os oceanos Pacífico e Atlântico se encontram num confronto constante, tornando este um dos trechos mais temidos da navegação mundial.
Uns dias antes da viagem, vimos um vídeo impressionante de um navio da Royal Caribbean a ser sacudido por ondas gigantes e ventos violentos durante a travessia do cabo. O impacto era tal que passageiros e mobiliário eram arremessados de um lado para o outro — uma cena digna de filme.
Com essa imagem fresca na memória, aguardávamos o momento com respeito e curiosidade, conscientes de que ali, no fim do mundo, a natureza dita as regras.
Logo pela manhã, o ambiente a bordo mudou — sentia-se a expectativa nos rostos dos passageiros que se reuniam nos decks, bem agasalhados, prontos para testemunhar um dos pontos mais míticos da navegação mundial.
À medida que o Sapphire Princess se aproximava do Cabo de Hornos, e ao contrário do que é habitual, fomos surpreendidos por uma travessia serena. O vento, embora presente, manteve-se relativamente calmo, e as ondas, apesar da sua imponência e da fama que as precede, mostraram-se dóceis e digeríveis. Foi como se o mar, por um momento, nos concedesse uma trégua — permitindo-nos viver este momento lendário com tranquilidade e deslumbramento, em vez de temor.
Durante a travessia, muitos passageiros concentraram-se no convés e nas cabines com varanda, para observar o Monumento ao Albatroz, uma escultura simbólica erguida na Ilha Hornos, em plena Terra do Fogo.
Esta estrutura, que representa a silhueta de um albatroz em voo, foi criada em homenagem aos marinheiros que perderam a vida ao tentar contornar o Cabo de Hornos — um dos trechos mais perigosos da história da navegação. Ao lado do monumento, uma placa com um poema comovente da escritora chilena Sara Vial dá voz aos que nunca regressaram, evocando a força e a fragilidade de quem se atreveu a cruzar o “fim do mundo”.
Um momento de silêncio e respeito que marcou esta passagem lendária.
Foi um momento solene e emocionante. Estar ali, no verdadeiro fim do mundo, a bordo de um cruzeiro, foi sentir-se pequeno diante da grandeza da natureza — e, ao mesmo tempo, profundamente privilegiado por viver uma experiência tão rara e simbólica. Um lugar mítico para navegadores, e um marco geográfico fascinante para os viajantes.
À tarde, junto ao balcão onde se confecionavam excelentes pizzas, tivemos a inesperada oportunidade de conversar com o capitão do navio – Paolo Ravera.
Com simpatia e descontração, partilhou connosco que já tinha realizado inúmeras travessias pelo Cabo de Hornos, mas raramente — ou talvez nunca — tinha vivido uma passagem tão serena como a deste dia. Um comentário que só reforçou a singularidade e sorte do momento que presenciámos.
- A título de curiosidade, o Cabo de Hornos, além do seu forte simbolismo geográfico e histórico, faz parte de uma área de enorme valor ecológico. Em 2005, a região foi declarada Reserva da Biosfera pela UNESCO, abrangendo o extremo sul do Chile, incluindo o próprio cabo e partes da Terra do Fogo. Esta distinção reconhece a biodiversidade única e o ecossistema subantártico praticamente intocado da zona. Trata-se de uma das últimas regiões selvagens do planeta, onde musgos, líquenes, florestas e espécies adaptadas ao clima rigoroso formam um verdadeiro santuário natural — um espaço precioso para a ciência e para o estudo das alterações climáticas globais.
À noite, depois de mais um excelente jantar (a verdade é que a comida no Sapphire Princess nunca desilude),
assistimos a mais um espetáculo no Princess Theater. Desta vez, a estrela da noite foi o consagrado pianista John Bressler, que encantou o público com talento, carisma e uma energia contagiante.
Um final perfeito para mais um dia inesquecível a bordo.
Ao regressarmos à nossa cabine, fomos surpreendidos com um certificado comprovativo da passagem pelo Cabo de Hornos e Estreito de Magalhães — um gesto simbólico e especial que eterniza este momento único da viagem. Mais do que um papel, uma recordação de que estivemos realmente no fim do mundo.
Um poema do BigSlam que capta o espírito destes dois dias de descobertas e momentos inesquecíveis:
Ushuaia e o Cabo
Chegámos a Ushuaia devagar,
com frio no rosto e brilho no olhar.
Entre lagos, bosques e montanhas a sorrir,
o Parque do Fim do Mundo fez-nos sorrir.Passeámos pela baía em paz,
onde tudo é silêncio e nada se desfaz.
O trem contou histórias do tempo antigo,
e cada trilho parecia um abrigo.Depois o navio seguiu caminho,
rumo ao Cabo de Hornos, sozinho.
Mas o mar, que tanto assustava,
nesse dia só nos abraçava.O albatroz voava lá no alto,
como a dizer: “vai tudo bem, de salto”.
E nós, pequenos nesse cenário profundo,
vivemos um pedaço do fim do mundo.
5 Comentários
António Lemos
Obrigado pela partilha dessas belas férias.
Abraço
ninoughetto
Uauu é super viajar assim…é melhor que gastar o dinheiro com a guerra da Ukrania. Um abraço
João Carlos Lopes
Como sempre uma reportagem espectacular. ❤️
Samuel Carvalho
A nossa escala em Ushuaia e a posterior passagem pelo Cabo Horn foram momentos absolutamente inesquecíveis desta viagem. Em Ushuaia, a cidade mais austral do mundo, tivemos a oportunidade de explorar o Parque Nacional Tierra del Fuego, com as suas paisagens de lagos serenos, bosques intocados e o horizonte perdido entre montanhas e mar. Foi um contacto único com a natureza em estado puro.
Já a travessia do lendário Cabo Horn — ponto de encontro entre os oceanos Atlântico e Pacífico — trouxe consigo uma carga simbólica enorme. Apesar da fama de mares tempestuosos, fomos brindados com uma passagem serena e majestosa, que nos permitiu apreciar toda a grandiosidade e o misticismo deste local histórico. Uma experiência emocionante e rara, que ficará para sempre gravada na memória de todos a bordo.
2luisbatalau@gmail.com
MAIS UMA RPORTAGEM DA AMÉRICA DO SUL. BELÍSSIMA.
OBRIGADO
ABRAÇO
LUIS BATALAU