Namaacha uma maravilha da natureza
Dada a forma como nos apegamos a Moçambique, tornou-se um hábito evocar lembranças do passado, marcas de um tempo inapagável percorrido por várias gerações, que amaram como ninguém aquela terra de sonho. Somos assim, porque nos recusamos libertar do nosso íntimo, factos, pessoas e espaços que nos fizeram felizes e que nos tocam como recordações relevantes, que tentamos reter até que a memória nos permita.
E porque sinto necessidade de falar e partilhar desses momentos inesquecíveis, abro as janelas do meu imaginário e avisto no horizonte, aos pés da cordilheira vulcânica dos Montes Libombos, a viçosa Vila da Namaacha, que fazia fronteira com a Suazilândia e África do Sul. Terra fértil e de gente hospitaleira, situa-se a cerca de 75 quilómetros, da capital moçambicana e dada a mancha verde que a envolvia, por analogia chamavam-lhe a Sintra da pérola do Índico.
Curiosamente em 1999, Sintra e a Namaacha, estabeleceram um protocolo de geminação extensivo a várias áreas. Pareço avistar à entrada da Vila da Namaacha, destino incontornável de muitos fins-de-semana, um número considerável de famílias, que em excursões ou de automóvel iam chegando para desfrutarem da tranquilidade do campo e relaxar, depois de uma semana de trabalho em Lourenço Marques.
Jamais esquecerei que também foi por lá que passei alguns bons momentos, e porque lhe devia essa gratidão visitei-a nos derradeiros fins-de-semana antes do meu regresso a Portugal, em agosto de 1976. Pernoitei no antigo Hotel dos Libombos,
mas com direito ao seu afamado serviço de buffet, servido na nova unidade hoteleira recém-inaugurada, e à utilização da sua moderna piscina.
Na companhia de gente amiga, procuramos rentabilizar o tempo e cumprir rotinas habituais. Logo pela manhã de sábado, despertamos cedo e quando o sol começou a despontar, partimos para a caminhada já delineada. Sentia-se no exterior um ar fresco e a vegetação húmida, sinal de uma noite de cacimbo intenso que ainda não tinha levantado totalmente a sua névoa tão comum na chamada estação seca. Aceleramos o passo para aquecer e os raios solares fizeram o resto, enquanto íamos esfregando as mãos.
Rumamos até à mata, um autêntico pulmão verde onde habitualmente se faziam os costumais piqueniques, referenciados pela confraternização de famílias e amigos. Era frequente naquele local, a presença do lado exterior apenas vedada por arames, junto ao largo portão de madeira e de rede já gasta pelo tempo, de nativas suazis a aproveitarem a ocasião para venderem lembranças e vestuário confecionado por mãos hábeis e artísticas.
Acabei por comprar dois gorros de lã, antevendo o inverno que me esperava em Portugal.
No regresso do passeio pedestre, a oportunidade de observar as casas de campo construídas a gosto pelos seus moradores, maioritariamente com pedra de qualidade da região, onde nos seus quintais figuravam algumas árvores de fruto de origem tropical, sendo que em alguns casos havia plantações e colheita de morangos e de maçãs de pequena dimensão, só possíveis devido ao microclima da região.
O percurso ia-se desenrolando e aproveitamos a oportunidade para espreitar as instalações das águas Montemor,
que tinha o registo de comercialização da água da Namaacha
e de refrigerantes, com destaque para a Canada Dry.
Um pouco já fatigados, chegamos ao hotel e depois de um retemperador banho foi a vez de recarregar baterias.
O almoço foi abundante e prolongado, e por tal havia necessidade de eliminar calorias indesejáveis ao organismo. Nada melhor do que reservarmos o período da tarde, para o início da marcha até à zona das suas conhecidas cascatas, cartaz turístico da vila.
Na verdade, só mesmo a natureza conseguira criar um espaço recheado de exotismo e tanta beleza. A serenidade e o silêncio, apenas eram quebrados pelo piar das aves que mantinham ali o seu habitat e pelo som das quedas de água originárias de nascentes, que deslizavam por vezes de forma sinuosa sobre o breu dos largos e altos rochedos, tocando depois de forma cristalina e num bailado de espuma, as águas esverdeadas do lago recetor.
Quando o calor já apertava, tornava-se imperativo um mergulho com naturais precauções dada a profundidade das águas e dos perigos provocados por redemoinhos, que infelizmente estiveram na origem de alguns afogamentos.
Com o avançar dos ponteiros do relógio, fomos apressando o regresso ao hotel, feito de forma mais lenta a marcar o compasso de espera para a hora do jantar. Para dia seguinte programamos o nosso roteiro, que já se adivinhava emotivo. A Vila da Namaacha, era também referida pela ação eclesiástica dos padres Salesianos e pela Ordem das Filhas de Maria Auxiliadora, comunidades religiosas que imprimiram um ensino educativo de excelência e intervindo ativamente na formação académica dos seus instruendos, muitos deles em regime de internamento.
Não me espanta por isso, o sucesso dos seus ex-alunos, outrora rapazes e raparigas que hoje desempenham cargos com enorme sucesso na sua vida profissional. Lembro-me de ter tido colegas que frequentaram o Instituto Mouzinho de Albuquerque, que me falavam da disciplina exigente a par do ensino profícuo, mas com larga abertura para a prática desportiva com maior ênfase para os treinos de hóquei em patins.
Tinham também um bom campo de terra batida, para partidas de futebol.
O IMA destinava-se apenas a alunos do sexo masculino.
Os colégios femininos tinham maior visibilidade, concretamente o Instituto João de Deus, o Colégio António Barroso e o Colégio Maria Auxiliadora.
Reservamos algum tempo para visitar os seus reputados estabelecimentos de ensino, conquistados à savana e muito bem concebidos em termos de construção e manutenção, onde milhares de alunas amadureceram para a vida. A prática religiosa marcava também o quotidiano dos seus habitantes, que frequentavam e participavam nas suas atividades e quem já não se lembra da peregrinação noturna nas noites de 12 de Maio, que levavam milhares de devotos laurentinos até ao Santuário mariano de Nossa Senhora de Fátima.
A procissão passava ainda pela estátua da padroeira e estendia-se até à Barragem.
A Namaacha, ainda no contexto religioso contava com o Seminário, onde se preparavam futuros sacerdotes.
Passamos pelo seu funcional posto administrativo, estrutura essencial de apoio à população e instituições e, a inevitável visita ao Clube Recreativo da Namaacha, um belo edifício caracterizado pela Art Deco, estampada na fachada da sua sede.
O tempo estava a esgotar-se, e já depois de ter-mos calcorreado as muitas vias de terra vermelha bem compactada, ladeadas de vasto arvoredo a quem agradecemos a cortesia da sua sombra, fizemos uma pausa para um lanche abreviado.Com as pernas já vencidas pelo cansaço e porque a tarde domingueira já ia avançada, com o sol a ameaçar-se furtivo por detrás dos Montes Libombos, foi chegado o momento de recolhermos as mochilas e preparar a retirada, desta feita com um cariz melancólico ao invés de muitas outras ocasiões até então, em que o tempo e o vagar pareciam sobejar.
Ao iniciar o regresso a casa fiquei com a sensação que a Namaacha, me perseguia mas logo compreendi que se tratava de uma falsa miragem gerada tão-somente pela separação anunciada. A vila da Namaacha, estava porém cada vez mais distante, imóvel e sedutora, vestida de encantos que a tornavam uma autêntica maravilha da natureza. O resto da viagem, foi decorrendo num desfilar de recordações de um tempo inesquecível que ficou para trás.
Manuel Terra – 18.06.2020
Imagem aérea atual da Vila da Namaacha
Vermelho: Fachada principal do Maria Auxiliadora.
Laranja: IMA.
Azul escuro: Largo do padrão.
Azul claro: Hotel dos Libombos.
Verde: Instituto João de Deus.
Amarelo: Igreja e obelisco da Senhora de Fátima.
16 Comentários
Vilares Lopes
Os meus parabéns ao Manuel Terra pelo seu belo artigo sobre a Namaacha, a Sintra Moçambicana!
Estava no entanto à espera de umas referências ao Parque de Férias dos SMAE (Serviços Municipalizados de Água e Electricidade), também localizado na Namaacha, pois o Manuel Terra era funcionário dos SMAE, tal como eu próprio. Acho que seria interessante fazer uma descrição/retrato desse bonito Parque dedicado e destinado a ser usufruído pelos funcionários dos SMAE. É o repto que lanço ao Manuel Terra.
Um grande abraço
Vilares Lopes
Manuel Martins Terra
Caro colega, Vilares Lopes, é com grato prazer que registo o comentário feito no nosso ponto de encontro alusivo ao excelente Parque de Férias dos funcionários /sócios do Centro Social dos funcionários dos SMAE. Era necessário proceder a requisição dos funcionais aposentos no Centro Social, que creio que funcionava no 7*andar do Edificio Sede, sito na Av. Pinheiro Chagas. Um lugar aprazível, onde se podia passar um fim de semana retemperador, entre o campo e uns mergulhos. Creio não estar errado, que os SMAE tinha uma colónia de férias no Bilene. Para além destes espaços de lazer, tinhamos bons serviços médicos e de enfermagem, sala de jogos, salão de. cinema e até uma barbearia .Na verdade os SMAE, proporcionava aos seus funcionários bons apoios sociais. e aqui já em Portugal, tudo isso vinha à baila, nos convivios então organizados , onde destaco entre muitos o labor da nossa colega Chiu Arruda. Vilares, neste post sobre a maravilhosa Namaacha, gostei do teu lembrete, que por mera distracção deixei de registar. Um grande abraço, caro colega e deixo aqui o meu número de telemóvel 932832834. Um grande abraço do amigo e colega, Manuel Terra.
Vilares Lopes
É verdade, caro Manuel Terra, os funcionários dos SMAE tínham excelentes condições de trabalho e de lazer, com muitos apoios sociais. Neste momento estou fora do País e só regresso daqui a 15 dias. Depois ligarei para recordarmos esses anos dourados … Um grande abraço do colega Vilares Lopes
Maria de Lurdes Serrano
Estudei na Suazilândia de 1961 a 1965 com 11 anos. Iamos de autocarro desde L.M. até Manzini. Em 1966 depois de independência fui para Joanesburgo.
Muitas boas memórias da Namaacha, os meus tios tinham lá uma casa de férias. Bons tempos mas já não voltam
i.baixinho67@gmail.com
i.baixinho@hhotmail. com
João António Alves Simão
Vivi na Namaacha e estudei no Instituto Mouzinho de Albuquerque como externo desde 1970 a 1975. Meu pai era policia na Namaacha. Vivi lá belos tempos e vejo agora fotografias da zona e está quase tudo modificado, aquele colégio não parece o mesmo a Igreja merecia uma pintura, o Colégio João de Deus em ruínas só o Maria Auxiliadora é que parece o melhor. Um abraço por nos fazer relembrar dessa época.
Armando Noya
Estive lá entre NOVEMBRO 66 e 18 Maio 67, vim do norte Moçambique integrando o Sete de Espadas para acalmar uma estadia imposta de 29 meses. Boa terra, boas pessoas, Sintra de Moçambique pois passava bem por ideal nos fins de semana aos moradores de Lourenço Marques. Hotel dos Libombos, dono amigo Rocha, filhos, etc., boa comida e ,boas danças incluindo carnaval divertido. E o China? E a padaria da Tina? Enfim, já lá vão 53 anos, como estamos velhos mas tão presentes como uma boa Marrabenta !!!
Lisette Lemos
Se essa pessoa tivesse conhecido a Namaacha quando Moçambique era uma Colónia
Portuguesa,, se essa pessoa tivesse uma casa de familia e a perdesse sem mais nem menos, perdesse ou melhor ROUBADA, com tudo lá dentro, sem direito a tirar os seus bens pessoas, se essa pessoa tivesse visto a mata, que mata? eles destruiram tudo, fomos lá ver, da última vez que lá fomos , essa pessoa deveria ficar calada..
A última vez que lá fomos buscar algumas coisas, ainda foi possível, mas muito pouco, a meio do caminho fomos parados por soldados armados, olharam para dentro do carro onde estava o Rogério e Alexandra, esta com uns 10 anos e um deles dizer,”eu vou casar com essa menina”, nós ficamos estáticos, calados , deixaram-nos ir embora , recolhemos algumas lembranças demos uma volta pela Namaacha, fomos à mata, que mata? tinham cortado todas as árvores, a Namaacha estava toda abandonada.
Fomos almoçar ao hotel onde tantas vezes fomos , onde tinhamos passado o último Final de Ano, se essa pessoa tivesse visto o Colégio Barroso abandonado, as freiras tiveram que fugir………..
Bem há cerca de 11 anos, fomos a Lourenço Marques festejar os nossos 50 anoso de casamento, ficamos hospedados no Hotel Polana, fizemos o almoço com poucos familiares e amigos no Hotel Cardoso e fomos à Namaacha.
Faço uma menção especial à missa na Catedral, onde haviamos casado. Foi uma linda Missa, colocaram-nos na fila da frente, a música era ao som de tambores, o único senão é que o padre mal falava o português, mas chamou-nos ao altar , fez a benção, valeu por tudo!.
Fomos ver A NOSSA CASA tinham levantado os muros, tinham cortado todas as arvores e nada mais sabemos porque não dava para ver…….simplesmente a nossa casa foi roubada ., sem direito a alguma espécie de indemnização, sem podermos ter retirado nada e assim foi com toda a gente. Aquilo que lá existe foi tudo ROUBADO, grande coisa…….mas alegra saber que hoje tem outra cara, desenvolveu-se , ficamos contentes, levou outro rumo.
Não voltaremos a Moçambique ,embora esteja no nosso coração para sempre
Lisette Lemos
Jorge Madeira Mendes
Compreendo inteiramente a vossa sensação de ultraje, o insulto ordinário que tantos outros sofreram também. Tratava-se de macacos grosseiros, que de repente se tinham visto com o poder de vexar os portugueses. Assim eram, e são, os frelimonhos, seres na transição do homem para o bicho simiesco.
José Redondo
1971. No regresso de Moçambique depois de 27 meses em. Cabo Delgado, Tete e Chipera, um lousanense meu amigo levou-me à Namaacha. Conheço quase o mundo todo e não é que ainda agora me recordo da tarde que passei nesse recanto fabuloso. Irei voltar, mal passe esta tragédia que vivemos atualmente.
Manuel Martins Terra
Ao meu melhor amigo de infância, meu vizinho, José Carlos, que também alinhaste comigo no Diario de LM, obrigado pelo teu comentário. Um amigo para a vida que esteve comigo num momento delicado, provocado por motivos de saúde, onde eu e a minha esposa e a minha filha contamos com o teu apoio sólidario. Obrigado, por seres que és. Um abraço sólido e reconhecido, do amigo de sempre.
Manuel da Silva
Estimado amigo Manuel Martins Terra deixou-me deslumbrado com a Namaacha. Viajei muito a caminho da Namaacha, mas nunca fui além de Boane. Afinal havia um paraíso mais à frente! Obrigado!
(aproveito para cumprimentar o Dr. Rodrigues Nunes, meu colega na CEM-Macau)
Jose Carlos
Um magnífico texto sobre a Namaacha, uma vila lindíssima, da autoria do meu grande amigo de infância Manuel Terra.
Um grande abraço, Manuel!
José António Oliveira (Zé Tó)
Muito bonita e agradável, muitos piqueniques alguns junto a cascata outros noutros espaços bastante agradáveis que havia por todo o lado. Éramos miúdos nunca entendi porque é que os meus pais não nos levavam a África do Sul, já em adulto e muitos anos mais tarde perguntei ao meu pai, pois ele já lá tinha ido. Respondeu como gosta quando lhe interessa, – não me lembro porquê. Ele educou-nos a que devemos de respeitar todos os homens independentemente da cor da pele, religião etc. Um homem conservador, a família acima de tudo.
Obrigado
Ângelo Santos
Passei bons momentos na chamada Sintra Moçambicana.
Que saudades!!!
Luciano André
Sintra Moçambicana ! Linda transcrição/tradução. Quem se poderá esquecer de tal beleza?
Vamos vivendo de recordações como os amigos acima tem desabafado. Quem poderá esquecer tão belas paisagens: E o por de sol ?Que beleza. Um abraço amigo para os amigos que naquelas bandas viveram duma forma geral, todos com boas recordações. abraços, meus amigos e resta-nos, sonhar. Ninguém ficou melhor, infelizmente.