4 Comentários

  1. 3

    Carlos Antunes

    As origens dos nomes de “LOURENÇO MARQUES” e de “MAPUTO” e de como ambos foram erradamente dados à cidade
    A História como disciplina, é um repositório de factos ocorridos, devidamente tratados e catalogados no tempo e que não podem ser adjectivados de bons ou maus, são o que foram no contexto histórico em que ocorreram e obviamente não se podem modificar. Podem e devem ser analisados, interpretados num plano geral onde se interpenetram, com outros acontecimentos e perceber a razão, o seu porquê.

    I – Origem da designação da “cidade de Lourenço Marques”
    O português de nome Lourenço Marques foi um explorador e comerciante que, acompanhado por António Caldeira, e a mando do Capitão de Sofala e Moçambique, João de Sepúlveda, comandou em meados do séc. XVI expedições na costa de Moçambique, tendo na navegação para sul, aportado em 1544 à Baía que denominaram “Da Lagoa” por acreditarem que os vários rios que nela desaguavam provinham de uma grande lagoa existente no interior.
    A notícia da descoberta da Baía foi trazida por D. João de Castro ao Rei D. João III de Portugal, que por ordem do Rei recebeu o nome de “Baía de Lourenço Marques” em homenagem àquele explorador a quem incumbiu de levantar uma “feitoria”.
    Ao contrário do que afirma JC, não me parece defensável que o entreposto da feitoria se tenha sediado na «Ponta Madhona (Catembe – terra dos Tembes)», por duas ordens de razões: primeiro, porque as feitorias eram entrepostos comerciais temporários que não ocupavam necessariamente um determinado espaço territorial; em segundo, porque o local referido por JC era ocupado pelo mais poderoso reino da baía, o Reino dos Tembes que segundo documentação holandesa da época «se dividia em vinte e sete distritos, controlava cinquenta léguas da costa e cem léguas do interior».
    As explorações foram realizadas pelo comerciante Lourenço Marques ao redor da baía e territórios adjacentes – há quem defenda que tenha assentado os arrais da navegação numa das ilhas da baía, ainda hoje conhecida por “ilha dos Portugueses”, próxima da ilha da Inhaca, cujo reino chefiado por Inhaca Manganheira ou Machavene terá tido o apoio dos portugueses nas suas lutas de resistência ao seu poderoso vizinho ocidental, o reino dos Tembes – a partir da qual estabeleceu contactos e negócios (principalmente, de marfim) com os reinos localizados nos limítrofes e interior da baía (reinos de Mpfumo, Matcholo, mais tarde popularizado por Matola, Mazuaia e Manhiça). (1)
    Há contudo, uma certeza histórica é de que a feitoria constituída em 1546 pelo comerciante Lourenço Marques, nunca foi erigida no local onde viria a nascer a futura “cidade de Lourenço Marques”, no reino do clã Mafumo (ou Ka-Mpfumo na língua ronga).
    Isto porque se sabe que Lourenço Marques abandonou Moçambique em 1557, tendo partido para a Índia, em virtude de ter recebido como recompensa, a nomeação para o cargo de escrivão da feitoria de Cochim, muitos anos antes de ter sido edificada por Joaquim de Araújo, em 1781, a pequena “fortificação” (Forte da Nossa Senhora da Conceição, onde actualmente se encontra instalado o Museu da História Militar) e destinada à protecção da futura povoação de Lourenço Marques (2), fundada no ano seguinte (1782).
    Neste intervalo de mais de 2 séculos, a Baía foi explorada por navegadores de outras nacionalidades, holandeses, franceses, ingleses, chegando mesmo a haver tentativas de estabelecimento de feitorias, que fracassaram, por holandeses e austríacos, no século XVIII, só tendo a soberania portuguesa sido restabelecida, quando aí desembarcou Joaquim de Araújo e fundou em 1781 o dito forte de Nossa Senhora da Conceição, num local privilegiado do estuário do rio predestinado para o estabelecimento de um “emporium comercial”, ligando o tráfego oceânico ao “hinterland”.
    Mas mesmo depois disso, e até meados do séc. XIX, acentuou-se a influência inglesa na baía (que intitularam mesmo Lourenço Marques de “Delagoa Bay” (3), graças à política de intrigas com os chefes indígenas e à influência exercida pelas companhias majestáticas inglesas contra os interesses portugueses, cuja disputa entre a Inglaterra e Portugal foi definitivamente resolvida a favor da soberania portuguesa pela sentença proferida pelo Presidente da República Francesa Marechal Mac Mahon, em 24 de Julho de 1875.
    O presídio construído por Joaquim de Araújo sofre um grande um grande incêndio, sendo a sua reconstrução ordenada pelo governador Pereira Ramos em 1814, e grande parte da povoação é saqueada primeiro pelos ingleses e destruída em 1875 por um outro grande incêndio.
    Verdadeiramente, o fundador da cidade de Lourenço Marques é Joaquim José Machado, engenheiro militar e governador que em 1887 encetou uma estratégia de implementação de obras públicas de grande escala, com o início do “plano urbanístico da cidade” da autoria do major de artilharia António José de Araújo, construção de vias, do caminho-de-ferro e do porto.
    Enigma histórico é o porquê do presídio e povoação construídos por Joaquim de Araújo e da cidade edificada por Joaquim José Machado e António José de Araújo – este ainda teve direito a ficar na memória na célebre “Rua Araújo” da LM colonial – terem recebido o nome de Lourenço Marques!

    II – Origem do nome de “Maputo”
    João Craveirinha (JC), antropólogo, escritor e artista plástico moçambicano, irmão do grande poeta José Craveirinha, associa o nome de Maputo a uma bebida tradicional “UPUTSO” ainda hoje celebrada em cerimónias tradicionais na zona de Matutuíne (Bela Vista) região dos Tembes, nada tendo a ver, segundo ele, com Portugal como algumas pessoas pouco esclarecidas pretendem justificar a origem do termo.
    Permito-me discordar de JC, pois trata-se, a meu ver, de uma argumentação demasiado simples da origem do termo “Maputo” dado ao reino dos Maputos situado na extremidade sul da baía.
    A tese defendida por alguns de que a expressão “Maputo” quer dizer Portugal, tem por base factos históricos. Atente-se, por exemplo, no relato (4) da passagem do explorador inglês Stanley pelo alto Zaire, em que este perguntando aos nativos de onde vieram as espingardas que possuíam estes responderam-lhe: «do “Puto” (que queriam dizer Portugal) e que o sr. Stanley traduziu: da costa.
    «E d’onde te veio esta linda fazenda que trazes?
    Respondiam-lhe: do “Puto”.
    E este arame de latão que faz tão bem realçar a beleza da vossa pelle de uma côr clara?
    Do “Puto”, respondeu cada vez mais encantado; tudo o que possuímos é do “Puto”.
    Mesmo o vinho? Sim».
    Dizia o sr. Stanley que os negros do Congo dão ao mar, à costa e ao longo da costa o nome de “Puto”, escondendo, por motivos óbvios, o verdadeiro sentido da palavra que os nativos lhe atribuíam: que o mar e toda a costa, pertencia por direito de soberania ao “Mueni-Puto”, que queria dizer ao rei ou senhor de Portugal, “Mueni-Congo” era o rei ou senhor do Congo, e “M’Puto” a corruptela de Portugal».
    Ora, os povos que invadiram e se fixaram nos territórios do Moçambique pré-colonial pertencem ao mesmo grupo étnico bantu (do reino do Congo/Angola), que localizado principalmente na África subsariana, englobava cerca de 400 grupos étnicos diferentes, mas cuja unidade mais clara surge no âmbito linguístico em que essas centenas de grupos e subgrupos têm, como língua materna, uma língua da “família bantu”.
    Faz, por isso, sentido que o prefixo bantu “ma (os de)”, constante das expressões M’Puto (usada no reino do Congo/Angola), Maputo (sul de Moçambique) e Maputokezi (norte de Moçambique), possam ter um significado comum e queiram dizer “os de Portugal”.
    Não me parece curial é a interpretação que JC defende de que o prefixo bantu “ma” tenha um significado diferente no sul e norte de Moçambique, pois as diferentes línguas nativas de Moçambique são todas de origem bantu, incluindo o “swahili” (Cabo Delgado) embora este tenha sofrido fortes influências árabes. (5)
    Por outro lado, julgo não corresponder à verdade histórica a afirmação de JC que «o nome MAPUTO (com mais de 500 anos) é anterior à chegada dos portugueses à Baía dos Mpfumos». Com efeito, nos movimentos migratórios pré-coloniais para e no sul do Save, não consta nos sécs. XVI e XVII nenhuma menção ao “reino do Maputo ou dos Maputos”, cuja primeira referência histórica data do séc. XVIII, em que surge localizado na margem direita do rio Maputo (antes conhecido por Lisuto), topónimo de Maputio ou Maputyo, o filho predilecto do poderoso régulo Nuagobe. Será, como alguns defendem, de que o nome de “Maputo” (“o de Portugal”) dado ao filho predilecto deriva, de a pedido de Nuagobe, aquele ter recebido educação no Reino em Lisboa?
    Independentemente da origem da palavra, num ponto estou totalmente de acordo com João Craveirinha, de que o nome de “Maputo” nunca poderia ter sido o nome dado à antiga Lourenço Marques.
    Não restam quaisquer dúvidas de que Lourenço Marques, foi edificada em terras do reino de Ka-Mpfumo, razão porque Ka-Mpfumo/Ka-Mfumo (língua ronga) ou Cafumo/Mafumo (numa derivação para língua portuguesa) seria obviamente o nome mais consentâneo a dar à cidade após a independência.
    Ka-Mpfumo e Maputo nada tinham de comum.
    Mas porque razão foi escolhido Maputo?
    Por evidentes razões político-ideológicas em que Samora Machel e demais dirigentes da Frelimo enquanto herdeiros do Império de Gaza (6) nunca podiam dar à cidade o nome de um reino tsonga ou ronga, que nunca se subjugou ao ancestral inimigo N’gungunhane, imperador de Gaza.
    Restou, por isso, que KaMpfumo fosse dado a um dos distritos urbanos (abrangendo a Central A, B e C; Alto Maé A e B; Malhagalene A e B; Polana Cimento A e B, Coop e Sommerschield) da cidade de Maputo.

    Notas:
    (1) A. Rita Ferreira “Fixação Portuguesa e História Pré-Colonial de Moçambique”.
    (2) A povoação de Lourenço Marques fundada em 1782, foi elevada a vila em 9 de Dezembro de 1876, a cidade em 10 de Novembro de 1887, e tornou-se capital da colónia de Moçambique em 1898 com a transferência da Ilha de Moçambique. A cidade passou a designar-se “Maputo”, depois da independência de Moçambique, decisão anunciada pelo então presidente Samora Machel num comício realizado a 3 de Fevereiro de 1976 e formalizado pelo Decreto-Lei nº 10/76, de 13 de Março de 1976.
    (3) Com o nome de “The Delagoa Bay World (https://delagoabayworld.wordpress.com/) o excelente blog do António Botelho de Melo, com imagens e textos históricos sobre a realidade actual e passada de Lourenço Marques/Moçambique.
    (4) A. J. Valente “Angola e Congo: 400 Anos Depois, História Antiga e Moderna”.
    (5) Também “Mueni” que na linguagem do Congo queria dizer rei ou senhor, parecer ter a mesma raiz bantu das palavras em língua swahili “Mwene”, “M´zungu” (posteriormente “Muzungo”) usadas vulgarmente em Moçambique para designar os senhores, geralmente indivíduos de raça branca,
    (6) Mondlane, Samora, Chissano são todos naturais de Gaza, e mesmo Guebuza embora tendo nascido em Nampula é filho de pais naturais de Gaza, pelo que o 1.º Presidente da Frelimo não nascido ou descendente de Gaza, é Filipe Nyusi.

    Carlos Antunes

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  2. 2

    Ilidio Santos

    O nome de Maputo era o local onde estavam os portugueses. Naquele tempo quando os povos do interior diziam que iam a Maputo, significava que iam a : Ma (lá) puto ( onde estavam os portugueses). Isto foi-me explicado quando da mudança do nome da cidade.

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    1. 2.1

      Carlos Lage

      Sr. Ilidio: absolutamente correcto, ” Ma-puto-(guesi)” para melhor entendimento. ” Ma” – lugar – como Ma-tola, Ma-Tchava, Tambem ” Ca- Tembe – terra para ca’ do rio Tembe(?). Pena nao haver mais estudos acerca de tao interessante tema. Curioso a Frelimo dedicar a Capital aos Portugueses enquanto os expulsava de la’ durante o fervor revoluciona’rio, curiosidades para a Histo’ria.!

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  3. 1

    Carlos Hidalgo Pinto

    Os primeiros habitantes foram os San+os Khoikhoi= Khoisan, tendo posteriormente sido os bantos, como os Xhosas e os Zulus a fixarem-se na zona. Lourenço Maruqes, juntamente com António Caldeira, exploraram os rios Limpopo e Umbelúzi, explorando o marfim e o cobre. Em1546, procedeu-se ao levantamento da Feitoria fortificada na margem do rio denominado de Espírito Santo. António do Campo foi quem denominou o lugar de Delagoa Bay. Quanto á construção da linha de caminho de ferro de L.M. ao hinterland da África do Sul, foi Paul Kruger que implementou o projecto do lado daquele país, a fim de contrariar as intenções de Cecil Rhodes, tendo Portugal feito a obra do lado de Moçambique o que transformou radicalmente a então L.M. e hoje Maputo.

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