UMA DATA NA HISTÓRIA – 17 de Dezembro de 1937… Eugénio Corte Real
Em 1959 trabalhou na Emissora do Aero Clube da Beira. Ali realizou os programas “Estúdio no Ar” e “Momento Moderno”, ambos de natureza musical, muito virados para a juventude dessa época. Em 1965 ingressa no quadro de locutores do Rádio Clube de Moçambique, tendo trabalhado para todos os canais existentes na altura, com um especial enfoque para a Emissão “C”, um canal dedicado exclusivamente a transmitir programas de música clássica e debates sobre vários aspectos da vida cultural, com destaque para o cinema.
Conheci o Geninho (assim era tratado por muitos dos seus colegas) antes dele colaborar com as Produções Golo. Cruzávamo-nos quase que diariamente, nos corredores do Rádio Clube de Moçambique, naqueles 2 anos que antecederam o início efectivo da minha profissão de locutor, por força duma decisão dos responsáveis da época do Rádio Clube de Moçambique, que tardava em chegar. A minha cor da pele foi o motivo dessa interminável espera.
Para minimizar os efeitos dessa espera o António Alves da Fonseca, proprietário da GOLO, decidiu que eu devia começar a familiarizar-me com os programas. Dactilografava o que os produtores escreviam à mão e seleccionava os discos que constavam do programa.
Na altura a GOLO ainda não tinha estúdios próprios. Os programas eram gravados nos estúdios do RCM. E eu, quase sempre, era quem transportava todos os materiais para a gravação. E por ali ficava, familiarizando-me com o misturador de áudio, vulgo “consolette”, com os gira-discos, com as máquinas de gravação. Fui vendo e aprendendo. E por entre toda aquela parafernália de coisas próprias da radiodifusão, cruzava-me com o Eugénio Corte Real, um homem dotado duma voz excepcional que ele dominava com a mestria própria dum bom profissional. Não era muito dado (vim a constatar isso muito depois) a improvisos. Se por qualquer motivo tivesse que “sair do texto”, o bom do Eugénio perdia-se completamente.
A minha primeira experiência com o Eugénio Corte Real foi exactamente no início da minha actividade ao microfone. Foi nos relatos de futebol. Estávamos na altura em 1966. Ele lia os anúncios publicitários. Eu alternava com ele nessa tarefa.
Depois de me ter aperfeiçoado na leitura dos anúncios, um trabalho que fui fazendo ao longo de 3 meses, vieram (paulatinamente) os relatos de futebol, ao lado de outros profissionais de reconhecido mérito, como foram os casos do Manuel Veiga, Alberto Ferreira ou Gabriel Alves e dos comentadores António Luís Rafael e Agostinho Campos. E o Eugénio sempre a nosso lado, com a sua pasta dos anúncios de “leitura directa”.
Em 1968 a Golo inicia no canal D do Rádio Clube de Moçambique 2 programas. Um deles era o “Cidade 68” e o outro chamava-se “Bondiazinho”.
Este programa em especial, marcou sem dúvida as nossas carreiras profissionais. Foram 4 anos de trabalho conjunto com o Eugénio, todas as manhãs, de segunda a sexta feira, das 06.30 às 08.00 horas. Da nossa equipa, responsáveis pelos cuidados técnicos, faziam parte o José Manuel Gouveia e o Virgílio Rodrigues Júnior.
Em 1971 Eugénio Corte Real deixa a GOLO e cria um verdadeiro “tsunami” na Agência de Publicidade. Vai trabalhar para a ELMO integrando a equipa do programa “A Noite e o Ouvinte” de parceria com o Leite de Vasconcelos e a Ausenda Maria. Em 1972 ele, o Leite de Vasconcelos e o Manuel Tomás (sonorizador do RCM e dos programas da ELMO) decidem abandonar Moçambique.
DE LOURENÇO MARQUES PARA LISBOA
Esta odisseia é contada pelo seu colega e companheiro de viagem Manuel Tomás nos seguintes termos:
“Reunimo-nos os três e decidimos abandonar Moçambique. Traçámos então um plano e numa bela madrugada de 1972, no carro do Eugénio, rumámos a Port Elizabeth na África do Sul, onde embarcámos com destino a Barcelona. Daí seguimos para Londres onde entrámos em contacto com os escritórios dos Movimentos de Libertação para solicitarmos apoio para irmos para Dar-Es-Salam na Tanzânia, onde queríamos fazer um programa de Rádio dirigido a Moçambique”.
Chegados a Londres são surpreendidos pelas palavras da secretária da organização dos Movimentos de Libertação. “Sabemos muito bem quem vocês são e o bom trabalho que faziam em Moçambique. Pensamos que poderão fazer melhor trabalho se forem para Lisboa onde tudo vai acontecer em breve”, disse-lhes a tal secretária.
Eugénio Corte Real, uma vez chegado a Lisboa, trabalha no Rádio Clube Português, colabora com os “Parodiantes de Lisboa” e mais tarde é transferido para a Radiodifusão Portuguesa, onde se ocupa pela realização do “Clube da Madrugada”.
O REENCONTRO
Nos anos 80, por iniciativa de António Alves da Fonseca, na altura Director Comercial da Rádio Moçambique, Eugénio Corte Real, com sonorização do José Manuel Gouveia, realiza o “Contacto”, um programa, de natureza comercial, que tinha como tópico central trazer para o País vozes de moçambicanos radicados em Portugal. Este programa era gravado em Lisboa e transmitido uma vez por semana no canal nacional da Rádio Moçambique.
Quando em 1985 viajei de férias a Lisboa, arranjei um tempinho para colaborar com ele na gravação de um desses programas. Foi ele que me levou a entrevistar antigos atletas moçambicanos que viviam em Portugal. Lembro-me de ter entrevistado nessa altura os irmãos Morgado (Acácio, Adriano e Flávio) e ainda o saudoso antigo guarda redes do Benfica, Costa Pereira.
Na história da radiodifusão moçambicana Eugénio Corte Real ficou conhecido como “a voz de oiro”.
Eugénio Corte Real nasceu no dia 17 de Dezembro de 1937. Completaria hoje os seus 82 anos de idade.
João de Sousa – 17.12.2019
6 Comentários
Luiz Branco
Ena que saudades…sextas-feiras à noite depois do jornal da noite ( 21 h salvo erro?).
Ilidio Freire
Obrigado João por nos recordares os belos tempos de juventude. Fiz a tropa em Boane com o Eugénio.
Era-mos do mesmo pelotão. Ali ele era conhecido pelo “luzinha” e vou dizer porquê. Já então o Eugénio tinha aspirações a locutor. Para isso gravava a voz num gravador de fita para depois reproduzir para avaliação. Á noite na camarata com tudo apagado só se via a luzinha verde do gravador do Eugénio a ouvir a sua voz nos auscultadores. Por isso logo nos primeiros dias de tropa ele foi alcunhado de LUZINHA.
Silvino Costa
Caro João, gostei imenso da descrição acerca do grande radialista Eugénio Corte Real. Inevitavelmente referiu-se às produções Golo e ao programa “cidade 68” e anos seguintes onde eu ainda prestei colaboração na locução da cidade 70 e 71, ao lado da grande profissional do RCM Maria Ricardina que, depois de a contactar aqui em Portugal, perdi-lhe o rasto desconhecendo o seu paradeiro actual.
Já agora, gostaria de saber se o António Alves da Fonseca continua a trabalhar na rádio e se a Golo ainda existe.
Aqui vai um abraço amigo.
Carlos Santos
Em data faleceu o Eugénio Corte Real?
Antecipadamente grato,
Carlos Santos
Rosa
Lembro-me bem de todos Estes nomes e vozes da Radio. Saudades. Poderia talvez dizer-me qual o nome da pessoa que fazia o program a aos Domingos a noite chamado “A Voz da Selva”? Obrigada Joao de Sousa por nos trazer todas estas memorias.
João de Sousa
Rosa, a locução do programa era feito por João Silva. A sonorização era de Carlos Silva.