UMA DATA NA HISTÓRIA – 5 de Outubro de 1912… Inauguração do Teatro Varietá
Segundo relata Alfredo Pereira de Lima no seu livro “Edifícios históricos de Lourenço Marques”, publicado em 1966 e agora re-editado, o Teatro Varietá começou por ser, um rink de patinagem. A iniciativa ficou a dever-se a dois súbditos italianos, Pietro Buccellato, empreiteiro, e Ângelo Brussoni, comerciante, que requereram à Câmara Municipal a sua construção em 16 de Maio de 1910, para a prática de uma modalidade desportiva que se afigurava então pouco dispendiosa e da qual os dois italianos eram grandes entusiastas.
Esse ringue de patinagem, denominado desde logo de “Varietá”, passou a registar enorme afluência de pessoas. Nesse mesmo ano realizou-se ali um grande campeonato de hóquei em patins. Algum tempo depois, o espaço foi modificado com a inclusão de um primeiro andar, com a intenção de lá se poderem realizar sessões de cinema. O início da construção do novo piso veio interromper a prática da patinagem.
Ao longo dos anos 20 e 30, o Teatro Varietá, para além do contributo fundamental que deu à vida cultural da cidade, foi palco de agitados comícios políticos. Depois, com o passar dos anos, o cinema tornar-se-ia no centro da programação, à medida que a Rua Araújo se ia enchendo de night-clubs, cabarets e dancings, com os seus néons a colorirem as noites mais turbulentas da cidade, onde porteiros diligentes eram a última fronteira para o convívio com as dançarinas e prostitutas.
Os filmes a exibir chegavam em camiões, provenientes de Johannesburg, mas, tirando algumas excepções, a sua qualidade era cada vez mais duvidosa.
Porém, a grande glória do Teatro Varietá está na segunda metade da sua existência, a partir dos anos 40. As coristas e artistas de segunda ordem, que integravam as companhias manhosas que vinham em tournée às colónias, assentavam arraiais e abasteciam de amantes caras e luxuosas os homens ricos e poderosos ou influentes da cidade.
O Teatro Varietá, com a sua curiosa arquitectura típica do início do século, foi-se tornando cada vez mais numa relíquia do passado, levando ao afastamento da sociedade cultural de Lourenço Marques, que o deixou de frequentar. A sua vida prolongou-se ainda pela década de sessenta, mas viria a ser demolido em 1967.
Dois anos depois, em 16 de Abril de 1969, seria inaugurado no mesmo local (mas com acesso pela Travessa da Catembe, transversal à Rua Araújo que passava por detrás do edifício da Universidade) o Cinema Dicca,
que mais tarde incorporaria outra sala de reduzidas dimensões, o Estúdio 222.
João de Sousa – 05.10.2020
9 Comentários
António Amorim Lopes
MAIS UMA BOA LEMBRANÇA DO COMPETENTE AMIGO JOÃO DE SOUSA. ASSIM VAMOS MANTENDO VIVAS AS SAUDADES DESSA GRANDE CIDADE QUE SE CHAMOU LOURENÇO MARQUES. QUANTO AO VARIETÁ É DIFÍCIL TER HAVIDO JUVENTUDE DAQUELA ERA QUE NÃO O TIVESSE FREQUENTADO.
Isabel Dinis
Obrigada João Sousa por este artigo. Não sabia de toda a história do Varieta. Penso que mesmo antes de ser demolido ainda lá fui ver um filme 13 de Maio, sobre Fátima e os Pastorinhos. Alguém se lembra de ter visto esse filme no Varieta também?
Fernando Machado Almeida
Sabiam que no Cinema DICCA em 1971/1972 assisti a um concerto musical antes do filme com os JACKONS FIVE em que o Mickel Jackson era um miúdo. Só para recordar
Manuel da Silva
Estou de acordo com os senhores José Correia de Almeida e Abdul Mahomed:
Como é que não foi possível manter a fachada antiga ( uma das mais bem conseguidas do património arquitectónico de LM )?
Infelizmente em todas as eras e lugares se cometeram e cometem graves atentados contra o património e não só …
Manuel da Silva
Obviamente também de acordo com o estimado amigo Manuel Martins Terra …
Manuel da Silva
Belíssimo trabalho de João de Sousa de quem muitos de nós guarda e continua a guardar gratas recordações…Muito obrigado e Parabéns!
Manuel Martins Terra
A demolição do velhinho Teatro Varieta, foi um erro colossal contra uma estrutura maravilhosa de grande expressão arquitetonica e um marco do nascimento da bela cidade de LM. Debaixo dos seus escombros ficaram soterradas recordações de várias gerações, que por aquele imenso salão passaram para assistirem a espetáculos de ópera, bailados ousados para a época, comícios políticos no auge da República recém implantada e já na curva descendente , em queda de esplendor, optou pela exibição assidua de “cowboyadas” do velho Oeste. Sim foi lamentável ver desaparecer o Varieta, que poderia ver o seu interior totalmente remodelado e confortável, contudo mantendo a sua bela fachada intocável, porque aquele teatro ícone diria pioneiro da projecção de cinema na cidade, merecia respeito e consideração.
Maria Eduarda Nunes
Segundo contava a minha mãe, que chegou a Lourenço Marques em 1909, o Teatro Varietá teve um grande incêndio. Não sei se fora antes de 1912 e, portanto, essa versão já seria a de uma casa de espectáculos remodelada, ou se, mais tarde é que o incêndio teve lugar.
Não, não estou a fazer confusão com o incêndio do GilVicente. Este é que foi uma perda total e foram depois construir noutro local aquele que a nossa geração conheceu e ainda hoje já está !
Há por aí alguém que possa comentar o assunto ?
José M. Buccellato
Pietro Buccellato foi meu tio-avô. Chegaou a Moçambique nos finais do século dezanove para a construção do porto da Beira.
Seguiu-se a construção da ponte cais de Lourenço Marques já com a ajuda do seu irmão e meu avô, Giuseppe.
Os dois, entusiastas de hockey em patins, construíram um ringue de patinagem onde decorreram jogos com equipas sul-africanas, saraus de patinagem artística, campeonatos de esgrima e do que mais me lembro do meu avô contar.
Tenho algures a constituição da equipa moçambicana, aliás a primeira de todo o império português, e que notáveis frutos deu para a modalidade em moçambique.
Esse ringue tinha uma cobertura que ardeu. na sequência desse incêndio foi decidido construir o Varietá.
Lamento a destruição da fachada e das estátuas do seu interior e sobretudo o desaparecimento das inúmeras placas de mármore que no hall de entrada enchiam as paredes.
A história cultural de Lourenço Marques fazia-se através dessas placas evocativas das companhias de ópera, bailado, teatro, revistas, música e até comícios políticos.