O fim do Império (1ª parte) – Adeus Lourenço Marques
“O Tio ficou de me contar a saída de Lourenço Marques com “queda do Império”. E a “odisseia” da chegada a Lisboa. Como as festas do Natal e Ano Novo acabaram, quer contar?!”
– É verdade Rodrigo como te tinha prometido, vou contar tudo que assisti, li, ouvi e os manuais escolares, talvez por “um sentido de culpa do que os políticos e militares fizeram(!)” retiraram dos programas.
E alguns professores porque se sentem “comprometidos” não querem contar!
1.ª Parte – O fim de um Império – Adeus Lourenço Marques
“…Rodrigo, até 1951 com as colónias, Portugal era um “Império” colonial.
A partir daí, com o grande movimento na imigração de portugueses, que faziam das colónias a sua terra, estas passaram a ser províncias ultramarinas e este país passou a ser uma Nação. E o termo “Império” deixou de ter a importância que até então teve! Embora continuasse a ser utilizado na memória de todos até 1974.
Países que já foram possessões portuguesas
Alguns governantes e políticos Europeus, dos Estados Unidos e do Canadá, entre outros, estavam admirados por Portugal, um país pequeno e pobre, administrar em África territórios muito ricos com grandes áreas, e levar a “bom porto” a governação daquelas populações!
Mesmo sabendo que essas populações estavam maioritariamente com Portugal, esses países, e todas as populações que lá habitavam pediam que, com acordo entre todos, salvaguardando pessoas e bens, a Metrópole desse a independência a esses territórios. E até prometiam apoios e ajudas se isso acontecesse!
Alguns países europeus e americanos envolvidos na descolonização “pacífica” das províncias portuguesas.
Mas havia outro bloco de países, com predominância da ideologia da Europa de Leste e mais tarde da China. Que utilizando o terrorismo e a luta armada, queriam forçar a saída de Portugal de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Para depois, como realmente aconteceu, lá colocarem governos da sua cor política, e poderem assim explorar as riquezas.
Para isso criaram movimentos de guerrilha/libertação. Forneciam-lhes armas e utilizavam a “estratégia” seguida por um líder chinês, Mao Tsé-Tung, doutrinando os elementos mais radicais e vulneráveis dessas províncias a lançarem o medo e o pânico nas populações.
Alguns países comunistas que apoiaram a luta armada nas províncias ultramarinas
“E qual dos blocos ganhou, Tio?”
– Ganharam os dois! Porque no dia 25Abril de 74 um grupo de militares, com apoio popular, pôs fim a 48 anos de ditadura em Portugal.
Mas como tinham insuficiente preparação política, e a sua actuação militar nas províncias ultramarinas também deixou muito a desejar (!) conseguiram lançar o País na incerteza. Os governos provisórios sucediam-se! E o “Império Português” lançou-se na indefinição e começou a desmoronar-se.
Nas províncias ultramarinas os militares e as forças da ordem perderam a cadeia de comando. Não sabiam quem as comandava e já não garantiam segurança a ninguém!
O partido Comunista, os seus amigos e outros radicais, sem consultarem ninguém, exigiam a entrega imediata e sem negociações, das províncias ultramarinas aos movimentos de guerrilha/libertação.
E venceram! Porque foi isso que, alguns militares e políticos, que só conheciam África dos livros e mapas das escolas, fizeram!
– A Guiné-Bissau e Cabo Verde, por negociações directas com Mário Soares em Argel, ascenderam à independência em 10 de Setembro de 1974 governados pelo PAIGC.
– São Tomé e Príncipe tornou-se independente em 12 de julho de 1975. A comitiva portuguesa, para transferir a soberania do país para o recém-criado partido MLSTP, era chefiada pelo Almirante Rosa Coutinho.
– Timor-Leste, como havia um diferendo com a Indonésia, num acto de “cobardia política”, foi abandonado à sua sorte!
Mas despois de algumas mortes, como o massacre feito pela Indonésia no Cemitério de S.ta Cruz, e por imposição de alguns países democráticos, a Indonésia foi obrigada aceitar o referendo e a independência com apoio da FRETILIN, em 30 de Agosto de 1999.

Evocação do massacre feito pela Indonésia em Timor no cemitério de Santa Cruz
O problema maior residia em Angola e Moçambique. Porque envolviam muitos portugueses que faziam daqueles países a sua terra, muitas empresas e grandes investimentos feitos por Portugal.
Para essas províncias, os militares e políticos com acordo dos movimentos, criaram governos de transição.
– Para Moçambique foi designado o alto-comissário, Almirante Victor Crespo com a colaboração do Major Melo Antunes, para zelarem pelos interesses de Portugal até á independência no dia 25Junho de 1975, e depois entregarem o país à Frelimo.

Acordo de Lusaka para independência de Moçambique

Almirante Victor Crespo e o Major Melo Antunes
– Em Angola, como havia 3 movimentos, MPLA, UNITA e FNLA que lutavam com ideologias diferentes, Portugal teve de promover um acordo. Foi no Alvor em Janeiro de 1975 que esses movimentos concordaram com um governo de transição feito entre eles. E a independência ocorreu a 11Novembro desse ano.
Imediatamente a seguir, por desentendimento entre o MPLA e a UNITA seguiu-se uma guerra civil. E Angola com apoio de Cuba, “nos bastidores da Europa do leste e do Almirante Rosa Coutinho”, passou a ser governada pelo MPLA com a UNITA na oposição.

Os acordos do Alvor no Algarve, entre Portugal e os movimentos de Angola – Almirante Rosa Coutinho, Agostinho Neto do MPLA, General Costa Gomes presidente da República, Holden Roberto da FNLA, Jonas Savimbi da UNITA, Mário Soares 1.º Ministro e Almeida Santos ministro da coordenação Interterritorial.
Os acordos do Alvor no Algarve, entre Portugal e os movimentos de Angola
Durante esse período até à independência as forças armadas portugueses que estavam no Ultramar perderam todo poder, e a insegurança instalou-se. As quezílias e confrontos com esses movimentos eram constantes!
Em Lourenço Marques ao passar por “enxovalhos e tropelias” cansado de assistir a tudo, e ver o “Império ruir sem a salvaguarda das pessoas e bens ” ponderei, e disse ao meu amigo Zé, na Pastelaria Princesa: – “Zé, vou-me embora para Portugal!”
“Tio, quem era o Zé?”.
-O Zé Faísca, que Deus tenha em descanso, era um amigo e companheiro de “farras”. Dono, em sociedade com o irmão António e o tio, das lojas: – Encanto de Lar, Conforto do Lar e de uma fábrica de mobiliário na av. de Angola, em Lourenço Marques.
“Sabes o que ele me disse, Rodrigo?”:
– Que fazia mal em vir embora. Porque Moçambique com as suas riquezas ia ser o “El Dorado” ainda melhor que o Brasil. – Naquela época víamos o Brasil como “país modelo”.
Mas por tudo que via não acreditava naqueles governantes. E prevaleceu a minha decisão. No início de 1975 foi o adeus a Lourenço Marques.
Ainda ponderava voltar se a situação estabilizasse. Mas só piorava! Estava “aberta a caça” aos que eles chamavam de “colonialistas” para os oportunistas ficarem com os seus bens.
Ainda bem que não voltei! Porque pela situação caótica e de pobreza que vivem os Moçambicanos possivelmente hoje estava fora numa situação extremamente difícil.

Entre outros, a China e Rússia dividem as grandes riquezas de África
Hoje África vê as suas riquezas serem “rapinadas” pelos seus políticos e dirigentes. E saqueadas por outros países, principalmente pela Rússia e China. Deixando as populações na penúria a viver abaixo do limiar da pobreza.
– Rodrigo, como já é tarde da noite, noutra altura conto como foi a chegada e a vida que encontrei aqui, em Portugal.
- Fiquem atentos, a publicar brevemente – Olá Lisboa (2ª parte)
Para nós, com o BigSlam, o mundo já é pequeno.…. Muito pequeno!
João Santos Costa – Fevereiro de 2025
9 Comentários
LUIS BATALAU
GOSTO DO TEXTO 1ª PARTE E CONCORDO COM O QUE ESTÁ ESCRITO. MOÇAMBICANOS, HABITUEM-SE E AGUENTEM! É A 1ª VEZ QUE COMENTO ESTE TEXTO
LUIS BATALAU
GOSTO DO TEXTO 1ª PARTE E CONCORDO COM O QUE ESTÁ ESCRITO. MOÇAMBICANOS, HABITUEM-SE E AGUENTEM!
Amílcar Pessoa Pona
Amigo,
João Santos Costa
Parabéns pela dedicação e oportunidade de obter alguns pareceres sobre este nosso memorável e inesperado “Êxodo” em que alguns vieram na caixa de pinho e outros nem por isso, mas todos com marcas que só o próprio sabe delas e poucos podem revelar ou nao resistem aos traumas
Também como muitos ( que por escolha ou levados pelos pais para lá, ou lá nascidos), por lá estivemos a desenvolver o melhor que tínhamos para fazer daquilo a nossa terra, que era ( de facto) e, com grandes sonhos: viver a vida aprendendo e ensinando.
Tive muitos privilégios em Moçambique desde que lá cheguei ( em família de 12 pessoas) em 1958 com 10 anos: estudar ( primária, secundaria, liceu), trabalhar, serviço militar obrigatório, faculdade (estudante até ao 3°ano/ trabalhador) e zarpar rápido e com a roupa do corpo para Portugal e com urgência pois, perante menosprezar a ameaça de fuzilamento frente à minha casa, e consequentes e constantes mudanças de morada perante repetidas perseguições não podia estacionar muito tempo na mesma morada ( neste tempo que recorri às chamadas repúblicas estudantis). Resultado do embarque na primeira vaga ( por desistência de alguém) no avião para Lisboa, valeu uma dormida no chão do aeroporto da portela/Lisboa, onde caiu lágrima ao pisar solo nacional.
Daí a ser integrado na única faculdade de medicina veterinária na altura em Portugal/Lisboa, levou o seu tempo bem como alojamento ( que tambem por cá ) andava sempre a saltitar para encontrar o mais próximo e capaz ( preço e qualidade perante exploração dos restaurantes e pensões improvisadas acessíveis aos fracos bolsos do retornado).
Finda a faculdade e atento aos concursos … corri Portugal pela profissão ( já só continental pois mais difícil seria Açores e Madeira).
Uff. Acabei a carreira ( 20Agisto2012) e, reforma. Agora, com filhos e netos por cá, viver em paz e sossego.
Vivemos ( Portugueses) por lá, ficou obra feita e, perante a vergonha das traições dos nossos governantes ( especialmente militares) da altura das entregas, paz e descanso aos que por lá ficaram e, saúde e confiança em Deus para prosseguir com cabeça erguida e honrar os ousados de outrora que com galhardia levantaram bem alto a honra e a nossa bandeira e Pátria Portuguesa.
Viva os ex- combatentes ( com armas ou/e profissões ) fora deste nosso Portugal.
Gr abraço a todos
Manuel Martins Terra
Caro João, falar-mos da descolonização é sempre um assunto que mexe com as nossas emoções, porque nos tocou profundamente e deixou feridas por sarar. A forma como decorreu a entrega do poder aos nacionalistas da Frelimo, tinha tudo para correr mal e que posteriormente se veio a confirmar. Vejamos que na década 60 do século passado, o Reino Unido, França, Bélgica e a Alemanha, países envolvidos em guerras no continente africano, concederam a independência às suas colónias, mas fizeram-no num período em que viviam em regimes democráticos e souberam conduzir os processos de transição com os pés bem assentes no chão. Contrariamente, Portugal num momento agitado de uma revolução ainda frágil e à procura de rumo, decidiu enviar ao sprint uma comitiva liderada por Mário Soares a Lusaka para negociar os acordos da transição para a Independência de Moçambique, com a lição mal estudada e sem ter em conta interesses que deveriam ser salvaguardados, deixando o futuro de Moçambique hipotecado. Foi um lavar de mãos de um bando de Pilatos, que naturalmente deixou portugueses e moçambicanos, bastante apreensivos. Na verdade, como é possível arrumar a casa dos outros, encontrando-se a nossa numa bagunçada. Exigia-se uma atitude cautelosa que contemplasse um período alongado para a entrega do poder e consolidar um governo de transição credível capaz de traçar o rumo progressivo para a nova nação. O que aconteceu foi que os chamados libertadores, fomentaram as perseguições e que acabariam por desencadearem conflitos violentos, que levou milhares de cidadãos a terem que virar as costas à terra que tanta amaram a regressarem a Portugal e a outros países, à procura de novas oportunidades para refazerem as suas vidas. Volvidos 50 anos, Moçambique já conheceu uma guerra civil em que morreram milhares de moçambicanos, motivada por rivalidades politicas e conflitos étnicos. Atualmente, confrontam-se as populações da região de Cabo Delgado com atos terroristas que se vão alongando no tempo. Na classe politica grassa e pela força do regime autoritário, uma escandalosa corrupção que compromete a economia do país, resultando na pobreza e miséria para a população, uma vez que os recursos que deviam beneficiar todos, acabam nas mãos dos corruptos, e dos amigos governos que colaboraram na luta armada, e pelos vistos a dívida nunca mais é saldada. Por tudo isto, Moçambique conhece hoje dias de muita conturbação social e violência, depois do processo eleitoral que finalmente a UE a muito custo considera fraudulento. Por tal, a descolonização das colónias portuguesas foram a maior mancha da história contemporânea de Portugal, da qual as consequências estão à vista. João, mais haveria para dizer e por hoje fico por aqui, tendo ainda na mente aquele adeus à terra da nossa paixão. Recebe um abraço, do amigo Manel.
José Gonçalves
Parabéns João, um excelente artigo, com uma leitura dos factos que corresponde na íntegra à triste realidade das ex-províncias. A atualidade moçambicana, reflete bem o descontentamento e o desencanto do povo face à ditadura frelimista e ao roubo dos abutres chineses, das riquezas do país. E a situação a norte, em Cabo Delgado, não augura nada de bom para o futuro de Moçambique como um país uno e indivisível. Um abraço.
João santos costa
Um leitor pediu-me para, se possível, legendar a foto que está inserida no artigo sobre os acordos do Alvor.
Da esquerda para a direita:
Almirante Rosa Coutinho, Agostinho Neto do MPLA, General Costa Gomes presidente da República, Holden Roberto da FNLA, Jonas Savimbi da UNITA, Mário Soares 1.º Ministro e Almeida Santos ministro da Coordenação Interterritorial.
Virgínia Pinto
Parabéns João Santos Costa. Um artigo tão verdadeiro. Tantos interesses envolvidos. E o pobre povo moçambicano na miséria.
Como portuguesa nascida em Lourenço Marques e que lá viveu até aos 26 anos, sinto uma enorme tristeza em como esses ” inteligentes ” transformaram a minha terra natal.
Mais uma vez parabéns 👏👏👏
Um abraço.
Carlos Guilherme
Caro João:
Tocaste na minha nota sensível. Tudo o que dizes é correto e eu, como muitos dos nossos conterrâneos poderemos testemunhar.
A verdadeira História do abandono das terras e das GENTES ainda está por contar. Todos nós devemos, para tal, passar a papel o que sabemos, sem mais rodeios, pois fomos vítimas de uma cabala imensa.
Nos meus 3 anos e meio de tropa fiz 2 e meio deles em zona operacional. Fui Alferes durante um ano e depois permaneci no Niassa como Capitão miliciano graduado. Os meus soldados eram africanos e foram-me fiéis do princípio ao fim. Juraram Bandeira como eu. Nenhum de nós gostava de tropa, muito menos de estar na guerra. Dadas as características da matéria humana que tinha às minhas ordens, muitíssimo ajudado pelos meus colegas (não gosto do termo camarada), conseguimos promover, com a inestimável colaboração do nosso médico, um clima de amizade com as populações macuas daquela zona. Quando passei à disponibilidade, havia 7 Bandeiras Nacionais Portuguesas hasteadas em diversos pontos da nossa zona de acção. Não foram impostas, foi a população que as pediu.
Quando leio e releio o teu excelente artigo e vejo a foto onde figuram todos os assassinos que nos traíram e entregaram um Império que, estou de acordo, teria que caminhar para independências dos povos que aí viviam, sobe-me o sangue à cabeça e pergunto-me: o que aconteceu essa boa gente que comprometemos? E os meus soldados? Alguém lhes perguntou se queriam vir para a Metrópole?
Haverá muito mais a dizer mas, fico-me por aqui.
Bem hajas.
orlandovalente4@gmail.com
João Santos Costa
Sem duvida alguma e apos meio seculo, quando todos os VENDlLHOES “paridos em Portugal” já deste mundo partiram, a HISTORIA que assombram as paginas gloriosas dos nossos heróis, dos nossos bravos navegadores que com as suas descobertas deram “NOVOS MUNDOS AO MUNDO”, veio a ser narrada tao detalhadamente descrita com tanta simplicidade, que não deixam duvidas da veracidade dos factos. Ao JOAO SANTOS COSTA,
da minha parte que vivi e sofri na pele os efeitos dessa catástrofe, sou testemunha de tudo o que descreveu, não só pela minha idade (82 anos) como um MOCAMBICANO, antigo combatente por Portugal, que depois veio a se APATRIDA… mas, a historia e mais longa que continuarei a narra-la na próxima edição do BigSlam… no entanto os meus poemas dedicados a minha terra, continuarão ate que a
PROVIDENCIA me continue a dar saúde para Os escrever..
Parabéns João Santos Costa pelo seu maravilhoso trabalho.
Orlando Valente